quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

LIVROS PARA COMPLETAR A MOBÍLIA


William Wrigley, milionário da pastilha elástica, ao mobilar o seu sumptuoso apartamento, em Chicago, disse à secretária: «Meça-me aquelas prateleiras e compre-me livres suficientes para mas encher. Arranje-me uma data de livros de um verde e um encarnado vivos e com uma batelada de letras douradas.»

Há quem organizasse os livros pela cor da lombada. Da esquerda para a direita, o arco-íris de lombadas começava nas cores quentes. Seguia para neutras e terminava nas frias. Estantes catitas de olhar.

O Eça falava em estantes com livros para completar a mobília, apenas para completar a mobília.

Ou quem diga que os livros servem para ser lidos não para estarem em prateleiras.

Em As Viúvas das Quintas-Feiras de Claudia Piñeiro, a págs. 27, pode ler-se:

«Quando vi a casa pela primeira vez, o que mais me chamou a atenção foi o escritório de Antieri, aquele que acabámos por deitar abaixo. A ordem e limpeza que havia ali dentro intimidavam-me. Uma estante cheia de livros forrava todas as paredes. Lombadas perfeitas, intactas, de couro bordeaux ou verde. E duas vitrinas onde guardava as suas armas, de diferentes calibres e modelos. Polidas, sem um vestígio de pó, brilhantes. Enquanto percorríamos o escritório, Juani, que tinha apenas cinco anos, aproximou-se da estante, tirou um livro, atirou-o ao chão e pôs-se em cima dele. A lombada do livro foi abaixo. Ronie agarrou-o com um puxão de cabelos. Levou-o lá para fora para o castigar sem testemunhas, estava furioso. Eu ocupei-me do livro, sacudi-lhe a marca do sapato de Juani. Tentei arranjá-lo, achei-o leve e dei-lhe a volta. Era oco. Não tinha páginas no interior, apenas as capas duras, uma caixa de falsa literatura. Li, na lombada, Fausto, de Goethe. Coloquei-o no seu lugar. Entre A Vida é Sonho, de Calderón de la Barca, e Crime e Castigo, de Dostoievsky. Todos ocos. Para a direita, havia mais dois ou três clássicos e depois repetia-se, A Vida é Sonho, Fausto, Crime e Castigo, em letras douradas de filigrana. A mesma série em todas as prateleiras.»

2 comentários:

Seve disse...

Ainda me lembro dos "Amigos do Livro" venderem livros a metro
...

Figueiredo disse...

Os Amigos do Livro, saudosa editora que trouxe a público autores de elevada importância e que se destacou pela qualidade das suas edições.

Mas isso de comprar livros a metro ou de os comprar para enfeitar a casa ou escritório, é típico dos parolos(as), ou desses mesmos que após o 25 de Novembro de 1975 esqueceram o seu passado e passaram a encher a boca com democracia (que antes repudiavam), ou a rezar o terço em honra do sr. Cunhal.

Era uma forma de armar ao cagão.