Cadernos de Guerra
(1939-1940)
Tradução: Manuela
Torres e Carlos Araújo
Capa: Rogério Petinga
Difel Editores,
Lisboa, Fevereiro de 1985
(1939-1940)
Tradução: Manuela
Torres e Carlos Araújo
Capa: Rogério Petinga
Difel Editores,
Lisboa, Fevereiro de 1985
Quase a chegar a Agosto.
Diziam os velhos: primeiro de Agosto, primeiro de
Inverno.
Sou como o Manuel António Pina: detesto viajar.
Ainda
mal parti e começo logo a pensar no regresso. O Céline dizia que as grandes
viagens são aquelas que se fazem através da imaginação.
A melancolia do regresso, diz o Pina.
Também há quem diga que os lugares mais longe são os
que ficam dentro de nós. Não os conhecemos nunca.
Conta ÁlvaroMagalhães que em 1996, o jornalista Eugénio Alves, que dirigia uma revista do Inatel chamada Tempos Livres, pediu-lhe para fazer umas crónicas para, supostamente, incitarem as pessoas a viajar. As duas crónicas que ele escreveu tinham a mesma temática – o melhor nas viagens é o regresso. Numa delas dizia mesmo que não nos devíamos afastar de casa mais do que nos permite a metade das nossas forças, que é para termos sempre a outra metade para regressar. E sempre com a preocupação de não deixar de ver ao longe a cor no nosso telhado. Eugénio Alves acabou por o dispensar, apesar da qualidade literária das crónicas, dizendo que elas tinham o efeito contrário do desejado:: estavam a desencorajar as pessoas a viajar.
Legenda: pintura de Jack Vettriano
Dito já que começaram as iniciativas que visam
registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei
pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um
parágrafo, aquilo que constituem os milhares de sublinhados que, ao longo
dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam
a Biblioteca da Casa.
Aproveitando as
comemorações do centenário do nascimento de José Saramago, a Visâo Biografia, no seu número 10, e nas suas 130 páginas, debruça-se
sobre a vida e a obra do Nobel português.
Nunca é demais o que se lê sobre José Saramago.
Assim sendo, tratei de gastar os cinco euros e cinquenta
cêntimos do custo da revista.
«O que extingue a
vida e os seus sinais não é a morte, mas o esquecimento.»
Na revista pode ler-se, entre muitas outros textos e
apontamentos:
Página 9: Contexto
histórico por Luís Almeida Martins
«Nascido há 100
anos, o escritor português nobelizado assistiu, ao longo de quase nove décadas,
a uma sucessão de regimes, revoluções e governos em Portugal. E a uma desfile
planetário de tendências, sonhos – e guerras.»
Página 20: Primeiros
Anos por Maria João Martins
Página 26: Anos de
Definição por Maria João Martins
«Elogiado sem
entusiasmo pela crítica, Saramago esteia-se na ficção com Terra de Pecado,
entre traduções, poemas, colaborações na imprensa e o trabalho de editor na
Estúdios Cor, vai-se construindo o escritor que a todos surpreenderá com
Levantado do Chão, em 1980.»
Página 36: Décadas
de Ouro por Maria João Martins
«No princípio dos anos 90, Saramago torna-se o escritor
portugês contemporâneo mais traduzido em todo o mundo, com o Nobel, em 1998,
converte-se ainda no único autor de língua portuguesa a receber tal distinção.
Uma exposição pública que também acarretará responsabilidade ética»
Página 52: Memórias,
Saramago o Pai por Violante Saramago
Matos
«Em Maio de 1973,
foi com a minha mãe, de quem estava já separado, ver-me à cadeia de Caxias. Perguntou-me
se eu queria que pagassem a caução. Disse que não; ele respondeu que então
teria de ir buscar forças ao dedo grande do pé.»
Página 56: O Caso
DN por Maria João Martins
«José Saramago foi,
no Verão Quente, director-adjunto do Diário de Notícias, e o seu nome ficou
ligado ao saneamento de 24 jornalistas que exigiram mais pluralismo.»
Página 62: Ele era
o seu próprio comité central por Miguel
Carvalho
«Saramago e o PCP
amuaram, zangaram-se e divergiram. Mas nunca se separaram. O escritor morreu
militante, não por fidelidade ao dogma do hífen (marxismo-leninismo), mas por
lealdade a convicções das quais nunca quis desertar. Histórias de um comunista
senhor do seu nariz, que andou por vezes em roda livre.»
Este trabalho da Visão,
para além do que aqui é sumariado, tem sublinhados a que voltarei.
Por uma razão ou por outra, por uma mera necessidade de sobrevivência a
vida concede-nos pouco tempo para os mortos. Leva-nos a depositar tudo na
memória e a ir lá de vez em quando. Talvez seja melhor assim.
Pedro Garcias, cronista
do Público
Um padre que nos 90 tinha a seu cargo duas paróquias da zona norte do distrito de Lisboa é suspeito de ter abusado sexualamente de crianças. A denúncia, de pelo menos um destes casos, foi feita pela mãe de uma das alegadas vítimas, ainda nessa altura, ao então cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, e, mais recentemente, a D. Manuel Clemente, que exerce as mesmas funções. Em ambos os casos, não terá havido qualquer denúncia às autoridades civis nem um procedimento interno da Igreja.
Ferreira Fernandes escreveu no Diário de Notícias de 17 de Abril de 2020:
«Aos 29 anos, Madalena ficou viúva, com duas filhas pequenas e vivia numa ilha de Ramalde, mais pobre não podia ser. Lá está, quantos doutores não sabem que "ilha" é um pátio nas traseiras, ainda mais pobre do que o bairro à volta?»
No último quartel do
século XIX, as vilas foram a resposta à migração dos meios rurais para Lisboa.
Muitas não são bem
vilas, tão pouco vilas operárias.
São antes becos ou
pátios para onde a crise da habitação daqueles tempos empurrou as gentes vindas
da província, na busca de uma qualquer sobrevivência.
Hoje passamos pela
Vila Saraiva.
Situa-se na encosta
da Igreja da Penha de França com entrada pela Calçada Poço dos Mouros, que
desce até à Rua Morais Soares..
Quando passei por lá,
num dia chuvoso, não encontrei um único morador. Também não bati a nenhuma
porta.
«O Concerto
para violino e orquestra de Tchaikovsky é uma peça que qualquer violinista que
se preze tem de tocar.»
Valeriy Sokolov, violinista ucraniano, em conversa com Luís Miguel Queiroz em conversa no Público.
O Cigarro Denunciante
Peter Cheyney
Tradução: Fernanda
Pinto Rodrigues
Capa: Lima de Freitas
Colecção Vampiro nº
263
Livros do Brasil,
Lisboa s/d
Vallon saiu do quarto, fechou a porta e parou um instante, no corredor.
O perfume invadiu-lhe as narinas: Narcisse Noir. Quando aspirara pela última
vez aquela fragância? Pensou que talvez tivesse sido em Paris. Mas não tinha a
certeza. Desceu, devagar, a escada curva, que levava à sala de hotel, e parou à
entrada, a olhar à sua volta, a observar as pessoas.
Desde Abril que, uma vez por mês, o Público está a
publicar obras originalmente cortadas pelos censores da Ditadura. Durante
quarenta anos, os censores salazaristas e marcelistas redigiram mais de 10.000
relatórios de leitura a livros de autores portugueses, estrangeiros e em
tradução para língua portuguesa.
Esta colecção de livros fac-similados resulta de uma
seleção de exemplares recuperados após o assalto da população, em 26 de abril
de 1974, à última sede dos Serviços de Censura, em Lisboa, e que estão hoje
depositados na Biblioteca Nacional de Portugal.
O 1º volume publicado foi «10 Dias Que Abalaram o
Mundo» de John Reed.
Terá sido a minha
primeira leitura política.
Recordo o texto sobre
essa leitura e que, por aqui, já foi publicado:
Cresci rodeado de livros.
Uma sorte, um
privilégio, diga-se. Foi assim que tudo começou.
Há os que não têm nem
essa sorte, nem esse privilégio. Os que têm de procurar são as pessoas que me
merecem admiração, as pessoas de quem gosto, enquanto que os que têm livros à
disposição, entendem que ler é uma grande maçada, ignoro-os, esqueço-me que
existem, se bem que os oiça bolsar que os livros estão empoeirados, as canecas
de cerveja dão prazer, os livros apenas aborrecimento.
Havia o hábito de,
nas prateleiras mais altas, colocar os livros que se convencionava não serem
lidos em determinadas idades.
Lá em casa não havia
essa regra. Os livros, todos, eram para serem lidos.
Juntamente com os
Salgari, os Walter Scots, os Júlio Verne, ter lido o Eça de Queiroz aos 13/14
anos foi uma aventura inesquecível. Naturalmente que, mais tarde, ao Eça tive
que voltar, e não é por já tanto o ter lido e relido, que alguma vez deixarei
de lhe bater à porta.
Um livro de capa
preta tinha o título de Dez Dias Que
Abalaram o Mundo.
Tratava-se da edição brasileira
do livro de John Reed., uma edição popular, publicada em 1945 pela Editorial
Calvino Lda do Rio de Janeiro.
O Mundo, alguma vez
mudara? E em dez dias? Como teria sido?
Nada como ir ler para contar como foi.
No prefácio desta
edição a que Egon Erwin Kish dá o nome John Reed, o jornalistas das barricadas, pode ler-se logo nas primeiras
linhas:
Combateu nas barricadas. Sua arma era o lápis, como a arma do ferreiro,
lutando a seu lado, talvez fosse o martelo.
Mesmo examinada do ponto de vista jornalístico, a actividade de John
Reed foi admirável. Os acontecimentos de uma semana, que seus colegas
consideraram simples lutas episódicas entre os partidos russos ou incidentes
pouco importantes da guerra, para John Reed foram dias que abalaram o mundo.
Na abertura do
prefácio, datado de Nova Iorque 1 de Janeiro de 1919, John Reed escreve:
Este livro é um naco de história intensiva – tal como eu a vi. Nada
mais pretende ser do que uma narrativa pormenorizada da revolução de Novembro,
quando os bolcheviques, à frente dos operários e soldados, se apoderaram do
poder governativo da Rússia e o colocaram nas mãos dos sovietes.
E a fechar:
Na luta, as minhas simpatias não ficaram neutrais. Mas, ao narrar a
história daqueles dias grandiosos, tentei ver os acontecimentos com os olhos de
um repórter consciencioso, interessado em registar a verdade.
Quando aos 17 anos,
mais coisa menos coisa, em plena ditadura de Salazar, se pega num livro como 10 Dias Que Abalaram o Mundo só duas
coisas poderiam suceder: colocar de imediato o livro de lado, ou lê-lo com o
encantamento de uma aventura.
Sim, o livro é uma
apaixonante reportagem, um livro honesto porque o autor declara de que lado
está.
Penso que a vontade,
a vontade e as ideias, têm um importante papel nos tempos da adolescência.
Caminhos que nos
levam a tomar partido, não ficar naquela margem de não ser coisa nenhuma, nem
direita, nem esquerda. Ficar no meio, com uma ténue ideia, a possibilidade de
ver os dois lados.
Há uns anos, numa
entrevista, António Mega Ferreira que, necessariamente, terá lido John Reed,
dizia que o centro é uma cobardia, é uma falta de coragem, é para onde
convergem, direita ou esquerda, quando não têm coragem.
Graham Greene, em O Americano Tranquilo vai mais longe.:
Mais tarde ou mais cedo temos de pomar partido, de forma a parecermos
humanos.
É comum ouvir dizer
que se chegou a determinado olhar sem ter passado por manifestos, pelos mais
variados ismos.
Porque também se pode
chegar a esse olhar, lendo, Albert Camus, Elio Vittorini, Roger Vailland, Jorge
Amado Roger Martin du Gard, Hemingway, Soeiro Pereira Gomes, uma lista de nomes
de todo interminável.
Em 1981 Warren Beaty realizou Reds um filme que retrata a vida do jornalista John Reed, protagonizado, entre outros, pelo próprio Warren Beaty, Diane Keaton, Jack Nicholson, Gene Hacmann.
A Floresta em Bremerhaven
Olga Gonçalves
Livraria Bertrand,
Lisboa, 1998
Continua este Verão sufocante.
Conversar.
Mas de quê?
Talvez livros, sempre
os livros...
Ao acaso pego em A Lua e as Fogueiras de Cesare Pavese.
«Ele folheava os livros, batia com eles
para sacudir o mofo, mas só por os tocar um bocado as mãos ficavam-lhe geladas.
Eram coisas dos avós, do pai do sor Matteo, que tinha estudado em Alba. Havia
uns escritos em latim como o livro da missa, daqueles com mouros e feras, e foi
assim que vi como era o elefante, o leão, a baleia. Alguns, Nuto tinha pegado
neles e tinha-os levado para casa debaixo da camisola, "também",
dizia ele, "ninguém lhes dá uso".
- Para que os queres? - perguntei eu. - Não compras já o jornal?
- São livros - disse ele -, lê - os o mais que possas. Serás sempre um
desgraçado se não lês livros.»
Boris Johnson era um
homem divertido. Apenas isso. Como os ingleses o escolheram para tão importante
cargo, saberão dessas suas razões.
Antes de chegar ao
número 10 de Downing Street sempre foi um mentirosos de causas diversas, uma
delas o «Brexit».
Chegado a
primeiro-ministro revelou-se um desastre, tendo-se enfiado nas mais diversas
trapalhadas, muitas delas ocasionadas pelas pessoas que ele escolheu para o
acompanharem na governação.
No discurso de
despedida da Câmara dos Comuns não resistiu a clamar um «Hasta la vista, Baby»,
provocando uma gargalhada geral.
1.
O primeiro-ministro da Hungria, o ultranacionalista
Viktor Orbán, considerado um dos mais fortes aliados de Putin, disse este
sábado que a Ucrânia não vencerá a guerra contra a Rússia e que a paz não será
alcançada antes das próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos, em
2024.
2.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, admite o racionamento
"obrigatório" do consumo de gás, no caso de "uma
emergência". A presidente da Comissão falava na apresentação do plano de
Bruxelas focado na "redução" do consumo de gás na União Europeia.
3.
Já se começa a pensar
na reconstrução da Ucrânia. Uma estimativa do Governo de Kiev aponta para
valores próximos dos 720 mil milhões de euros que sugere que os aliados terão
de contribuir mas que a maior fatia dos encargos deve ser paga pelos fundos dos
oligarcas russos congelados nos banco do ocidente.
4.
AGNR já deteve mais
incendiários este ano do que nos 12 meses de 2021: 56 pessoas contra 52. Metade
vive em Viseu, Vila Real e Guarda. Em 79% das situações, as chamas alastraram
por negligência e em 21% a sua atuação teve como objetivo o de provocar o fogo.
Queimas e queimadas representam 62% das causas dos fogos deste ano
Arderam quase 58 mil hectares este ano. Mais do dobro que em 2021.
5.
«A região de Lisboa
vem empobrecendo. Ela não resistiu à desindustrialização e perde centros de
decisão privados que não ficam no território nacional. Grande parte dos
cidadãos que nela habita vê as suas condições de vida degradarem-se. Até pode
ter havido diminuição das desigualdades, mas num quadro global de
empobrecimento. A Área Metropolitana de Lisboa, com mais de 3 milhões de
habitantes, está em declínio. É pouco plausível que haja no país outra região
com capacidades estruturais e dinamismo que compensem esta perda.»
Manuel Carvalho da Silva no Jornal de Notícias.
É a maior festa de sempre.
Em que sentido? No sentido da sua duração. A Festa do Avante! tem duas partes: uma que acontece durante três dias na Quinta da Atalaia, no Seixal, e a da luta no espaço público que a antecede. São as duas boas, mas, sem desfazer da primeira, a da luta que precede a festa propriamente dita é extraordinária.
Este ano foi José Milhazes que, na SIC-Notícias, abriu a pista. Afirmou-se surpreendido por existirem artistas dispostos a atuar nos palcos de um evento que, recordou, é político. Mostrou o cartaz do evento, onde se podem ver nomes como Carminho, Paulo Bragança, Paula Oliveira e Ricardo Ribeiro.
Recordemos que já atuaram no Avante! Camané, Carlos do Carmo, Bernardo Sassetti, Blind Zero, Capicua, Ana Moura, Carlos Paredes, Zeca Afonso, Da Weasel, GNR, Jorge Palma, Madredeus, Trovante, Sérgio Godinho, Xutos e Pontapés e tantos outros. Difícil é encontrar grandes nomes da música em Portugal que não tenham atuado na festa.
O que mudou agora?
Milhazes lançou os artistas, que figuram no cartaz deste ano, num escrutínio popular que, sabemos, é feroz e intolerante. Estes artistas viram-se assim envolvidos numa discussão na qual provavelmente nunca participaram nem desejaram fazê-lo. Conseguiu o que queria. Muitas pessoas alinharam nessa crítica e na destilação de ódio ao partido e à Festa do Avante!. Outros, em menor número, escolheram defender a festa e a liberdade de ir ou de participar. É oficial: a festa começou.
Atuar na Festa do Avante!, ou ir lá, não implica necessariamente ser comunista. É certo que, quem lá vai, não sentirá pelo PCP o repúdio que José Milhazes sente. Não é caso único. Mais jornalistas, supostamente isentos porque o fazem no exercício desta profissão, continuam a vir a público premir o gatilho contra o partido ou incitar a que outros o façam.
As posições que o PCP
defende relativamente à guerra são diferentes das que lhe são atribuídas. Mas
adiante – já não é assunto. Sobretudo, não são merecedoras de um apagamento de
cem anos de História e de luta ao lado dos trabalhadores portugueses. Disse um
amigo que não é comunista: “Portugal não é grande coisa, mas seria muito pior
sem o PCP.”
Não gostaria de viver num país onde os artistas se recusassem atuar no Avante!. Seria sinal de tristes tempos. Tenho a convicção que parte dos artistas que aceitou atuar na festa não o fez por concordar com as posições do partido relativamente à guerra na Ucrânia ou tão pouco para marcar presença em prol do fim da precariedade laboral. Ter-se-ão limitado a reconhecer naquele evento um momento de divertimento, convívio e democracia que faz parte do calendário das festividades dos portugueses.
Retirar consequências políticas da presença no cartaz, e num tema tão polarizador como a guerra, não é sério e não é justo. Milhazes quer rebaixar o PCP à categoria de partido repulsivo e faz campanha pública nesse sentido. Sucede que, se fosse bem sucedido nessa demanda, não era a Rússia ou Putin que ficariam a perder; seriam os trabalhadores portugueses, a esquerda de um modo geral e a própria democracia.
Não se deve levar a mal porque estes episódios já são a festa. Aconteceu também no ano passado, mas com a pandemia. Houve o terrível escândalo de se atreverem a realizar o evento e de terem autorização para o efeito. Muita tinta correu. Recorde-se que fizeram tudo de forma organizada e exemplar. E que não houve notícia de qualquer surto. Recorde-se também que havia pessoas de grupos de risco a participar. Ou seja: recorde-se que, no fim, deram uma lição de como fazer as coisas bem feitas.
Alguém deveria
informar Milhazes, e seus congéneres, que esta forma de combater o Partido
Comunista Português não resulta. Sá Carneiro ao menos sabia qual era – e é – a
empreitada do PCP
Já no mês passado, em Tomar, na apresentação do seu livro, respondendo à provocação de poder vir a enriquecer com a venda, Milhazes anunciou que compraria a Quinta da Atalaia. Já queria festa. Nem o Natal se prepara com tanta antecedência.
Alguém deveria
informar Milhazes, e seus congéneres, que esta forma de combater o Partido
Comunista Português não resulta. Estão a radicalizar quem tiver uma mera
simpatia, a chamar para as trincheiras quem só estava a apanhar sol. Sá aqui não resisto: “A melhor maneira de
combater o comunismo é melhorar as condições dos trabalhadores.” Sá Carneiro ao
menos sabia qual era – e é – a empreitada do PCP.
Carmo Afonso no Público de hoje
Acontece que Montenegro não tem qualquer ideia sobre o assunto, e quando o presidente não tem ideias...
Sorridentes, e em mesa do redonda, preparam nem eles sabem o quê!
Mais uma decisão do governo passista.
E acreditem que não é so inconpetência e ignorância.
Contudo, a procissão ainda não saiu do adro... e já se vão conhecendo outras habilidades.
Poirot e os 4 Relógios
Agatha Christie
Tradução: Fernanda
Pinto Rodrigues
Capa: Lima de Freitas
Colecção Vampiro nº
288
Livros do Brasil,
Lisboa s/d
Para falar em termos policiais: às 2.59 h. da tarde de 9 de Setembro, passava por Wilbraham Crescent, na direcção oeste. Era a primeira vez que por ali passava e confesso francamente que Wilbraham Crescent me intrigava.
O país continua a
arder.
Temperaturas extremas
em Londres – Londres a cinzenta, quem diria? – danificaram uma parte da pista de aterragem e
descolagem do aeroporto de Luton, a 55 quilómetros de Londres. A pista esteve
fechada durante quase duas horas e obrigou a desviar e atrasar voos.
Por cá, ficamos a
saber que as altíssima temperaturas voltam amanhã.
Dou-me pessimamente
com o calor. Quando trabalhava, mandava as férias sempre para Setembro.
Vou agora ter com a Autobiografia Woody Allen para ele me contar da Primavera e do Outono em Central Park.
«Veja, o verão em
Nova Iorque são más notícias. É quente, sufocante, estão todos fora, e sim,
podemos andar de um lado para o outro com menos trânsito, mas é entediante,
tendo todos os amigos partido e estando tudo pegajoso e húmido. De qualquer maneira,
chega o outono e a cidade começa a mexer. Os nova-iorquinos regressam de
férias, o tempo arrefece. Quando eu era miúdo, em Brooklyn, os verões eram uma
dádiva, porque significava que não havia escola e eu podia jogar à bola todo o
dia e ir ao cinema. Era divertido, mas mesmo então, o outono significava que
todas as raparigas giras regressavam dos campos de férias, e embora o pesadelo
dos livros e das aulas pairasse no horizonte, pelo menos havia alguma anatomia
sigmoide para acelerar o fluxo sanguíneo.»
Pelos dias quentes,
vou também ter com o Billy Wilder, no filme O Pecado Mora ao Lado.
A imagem que encima o texto, tem Marilyn, da janela olhando, o vizinho do andar de baixo
Quando Marilyn Monroe, a regar as flores, numa daquelas noites do Verão de
Manhattan, quase espeta com um tomateiro na cabeça de Tom Ewel que, no terraço
em baixo, lê o jornal.
Ele levanta-se com uma fúria desmedida, mas depara com o rosto de Marilyn entre
os vasos de flores, e convida-a para uma bebida.
Marilyn aceita o convite e acontece este delicioso diálogo:
- Vou à cozinha vestir-me.
- À cozinha?
- Sim! Quando está calor guardo a roupa interior no congelador.
Vivemos da memória. E eu tenho a certeza de que nada nos resta quando a
perdemos. Existe um corpo, sim. Mas um corpo sem memória é uma casa vazia. Sem
gente, sem livros e sem retratos na parede, Uma casa nunca cheira ao bolo de
laranja ao domingo.
Carmen Garcia,
cronista do Público
Não vale de todo ir
buscar o calor de ananases de que o Eça falava.
Aveiro, Julho de 2021. Estava quente, mas nunca como o de Julho deste ano.
Outras guerras.
Guerras antigas na
Ásia, em África…
Milhares de
manifestantes em Colombo, no Sri Lanka, romperam as barreiras policiais e
ocuparam a residência oficial do presidente do País, precipitando a sua
demissão.
A falta de
comida, combustíveis e medicamentos é um dos sintomas mais evidentes
daquela que é uma das piores crises económicas das últimas décadas, no Sri
Lanka.
A fome e a crise
continuam no Sri Lanka.
Entretanto o presidente do Sri Lanka Rajapaksa já fugiu do país, refugiando-se em Singapaura, e o Parlamento, no dia 20, elegerá o substituto o presidente corrupto.
Ucrânia, outra guerra, uma guerra
sem fim à vista.
O primeiro-ministro da Hungria, o ultranacionalista Viktor Orbán, voltou a criticar a União Europeia pelas sanções impostas contra a Rússia pela invasão da Ucrânia, medida que, na sua opinião, vai causar uma recessão.
1.
As televisões portuguesas
são esgotos a céu aberto.
Tudo lhes serve para,
durante horas e dias, invadirem os écrans com directos, seja a morte, por maus
tratos, de uma criança, seja o futebol, sejam os incêndios que devastam o país.
Uma verdadeira vergonha,
uma histeria inenarrável.
Nos dias que agora correm, florestas que ardem, casas destruídas, famílias que encontram abrigo em ginásios e estádios de futebol, e os repórteres televisisvos, quais abutres, perseguindo os bombeiros para lhes arrancarem notícias sobre o evoluir dos incêndios, ou para saberem para que lado vai soprar o vento…
Retenho uma repórter a entrevistar uma velhota, por
trás a casa destruída, onde passou toda uma vida, e a pergunta: «como se sente?»
Lembro-me da tarde do
25 de Abril, a revolução a avançar e em
pleno climax, um jornalista num começo de palavrar com um capitão: não houve rendição
por parte das forças que estão sitiadas… O oficial rápido: “Porra!
Vocês são uns chatos, não deixam de fazer perguntas. Uma senhora está a dar à
luz e vão perguntar à senhora se ela está com dores?
É isso!
2.
Os 37 482 hectares de área ardida em Portugal desde o início do ano até quinta-feira, estão a fazer de 2022 o segundo pior ano da última década ao nível de fogos florestais, até ao momento.
3.
O antigo secretário de Estado da Proteção Civil José
Artur Neves e o ex-presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção
Civil Mourato Nunes foram acusados no caso das golas anti-fumo de autoproteção no âmbito do programa
"Aldeia Segura - Pessoas Seguras, implementado na sequência dos incêndios florestais
de 2017.
Yambém neste caso, o ex-ministro Eduardo Cabrita, deixou uma série de pontas soltas.
4.
O antigo banqueiro
João Rendeiro, segundo dados fornecidos pelas autoridades, teria quase dez
milhões de euros em contas bancárias que estavam congeladas na Suíça.
Estes dados foram fornecidos pelas autoridades suíças a Portugal, depois de terem sido pedidos pelo juiz Carlos Alexandre há mais de dez anos.
5.
A CP aconselhou as
pessoas a não viajar de comboio nestes dias de calor.
O surreal aviso-conselho foi entretanto retirado.
6.
A percentagem de pessoas em risco de pobreza aumentou de 16,2% para 18,4% entre 2019 e 2020.
Em
2020 um terço das famílias perdeu 25% do seu rendimento anterior.
Não sei onde li esta frase, mas gosto muito de a lembrar.
Colaboração de Aida Santos
A mexer em papelada, para algo completamente diferente, foi dar com este
anúncio publicado na página de espectáculos do Diário de Notícias de 4 de Dezembro de 1964.
O anúncio diz que Francisco José está a actuar no Chicote até ao dia 8 de Dezembro e que lhe vai ser oferecido um
jantar de despedida antes da sua partida para o Brasil.
Francisco José viu-se na contingência de sair do País por causa da sua
declaração de protesto, em directo, na Rádio Televisão Portuguesa.
O cantor de charme de voz uterina, como lhe chamava o Dudu, insurgia-se contra
o facto de os artistas portugueses serem pagos miseravelmente enquanto qualquer
badameco de meia tijela, desde que fosse estrangeiro, ganhava uma pipa de
massa.
A diatibre tinha em vista os 10.00$00 (ou seriam 20.000$00?) que a televisão
pagara a Tony Dallara por um programa de variedades.
O regime não gostou nada da brincadeira, exigiu que a Televisão deixasse de
fazer directos deste tipo de acontecimentos, e declarou Francisco José personna non grata.
Acabou por ser a sorte do cantor. Conseguiu fazer no Brasil uma carreira
que aqui, em Portugal, talvez não chegasse a tanto.
Encontros Sinistros
Peter Cheyney
Tradução: Fernanda
Pinto Rodrigues
Capa: Lima de Freitas
Colecção Vampiro nº
223
Livros do Brasil,
Lisboa s/d
Imagens calidoscópicas da festa da noite anterior entrepunham-se entre
mim e o tecto e atravessavam-me a memória um ou dois rostos – um era, sem
dúvida, o de Sammy, o outro o de uma bonita mulher -; mas sentia-me doente e
não me apetecia pensar nessas coisas. Na realidade, não me apetecia pensar em
nada.
Conheci o Joaquim Benite por meados dos anos 60.
Trabalhava o Benite n'O Século, boemava eu, pelos cafés de Lisboa, com
o José Ferraz e o Armindo, e amiúde encontrávamo-nos no último eléctrico,
que do Martim Moniz subia até à Graça.
Morava num quarto alugado na Rua Cesário Verde, uma
vida muito difícil.
Eu morava em casa dos meus pais, na Mestre António
Martins.
Descíamos na paragem do Forno do Tijolo, subíamos a
Heliodoro Salgado, madrugada dentro a falar, por exemplo, de algumas das
maneiras de deitar um ditador de botas, do trono abaixo. Nenhuma era do modo
como veio a acontecer.
Detestava o teatro que se fazia na altura, entre os
pastelões do Nacional, os
pastelões comerciais, o teatro de revista.
Tinha um sonho. Melhor: tinha muitos sonhos.
Acompanhei os seus primeiros tempos no Campolide. Uma dedicação, um
entusiasmo que não cabem em palavras.
Já a trabalhar em Almada, Benite e a sua mulher,
Teresa Gafeira, chegava altas horas da noite à casa onde viviam na Rua da Paz,
r desatava a fazer esparguete à bolonhesa, falava, falava, fumava um milhão de
cigarros.
- És um autêntico
caixeiro-viajante do teatro.
- Sabes lá o que é o
teatro, sabes lá o que é um caixeiro-viajante.
O 39º Festival
de Almada termina no próximo dia 18 de Julho.
No dia 29 de
Julho do ano passado, o Público publicou uma crónica de Augusto M. Seabra, sobre Joaquim
Benite e o Teatro de Almada.
Respigo:
«O teatro é a arte da polis
mas é também o grande teatro do mundo/o grande mundo do teatro. E o Festival de
Almada trouxe-nos mundo, isto é, estética e eticamente, conhecimento, o
cosmopolitismo que é tão urgente e, enquanto tal, uma acrescida noção de
cidadania, gesto artístico e também político, pois.
Há um quadro histórico a considerar, mesmo “pré-histórico” ao Festival.
Em 1971 surgiu o Grupo de Teatro de Campolide dirigido por Joaquim Benite,
amador de estatuto mas parte integrante da explosão dos grupos independentes
nesses inícios dos anos 70, com Os Bonecreiros, a Comuna e depois a Cornucópia.
Depois de algumas andanças, em 1978 o grupo passou para a outra margem e em
1981, há 40 anos portanto, passou a ser a Companhia de Teatro de Almada. E o
fazer, o amor e o conhecimento do teatro de Joaquim Benite fez surgir o
Festival de Almada.
Há uma particularidade nos festivais de teatro: conhecendo os maiores, Avignon e Edimburgo, e
tendo uma considerável frequência dos de cinema, música e ópera, não se me
oferecem dúvidas que é nos primeiros que festival é uma expressão da sua
etimologia em festa.
Almada é a nossa grande festa do teatro. O que devemos a Almada é incomensurável. Obrigado Companhia de Teatro de Almada, obrigado Joaquim!»
“Tudo nesta vida me lembra um filme;
é qualquer coisa que não consigo evitar”
(Jonathan Coe – “O Sr.
Wilder & Eu”
Ainda bem que Jonathan Coe me compreende…
Não apenas lembrar um filme, mas também todo o
contexto que rodeou a sua visão.
Não me basta recordar
que foi há 50 anos que vi, pela primeira vez, o “King Kong” numa sessão da
meia-noite do Cinearte. Vem-me também à memória, de imediato, tudo o que se
passou antes, durante e depois do filme, e acima de tudo uma voz que passou a
noite toda a soprar-me ao ouvido “morrer de Amor como o King-Kong”,
frase que sei muito bem ter sido roubada a Eduardo Guerra Carneiro, o que, para
o caso, não faz qualquer diferença.
Por isso, a conversa
de hoje não será sobre filmes, mas sim acerca de tudo quanto os rodeou.
Muito cedo na minha
vida me dei conta de que não haveria maior prazer que ver-me sozinho no escuro
de uma sala de Cinema.
Quando passei, com
sucesso, nos exames do então 2º Ano Liceal e tive direito a uma prenda
especial, pedi ao meu Pai que me desse dinheiro para ir uma vez por semana ao
cinema durante as férias de Verão.
E assim foi… Um
autêntico festim!
Ainda estava muito
longe de ser o “cinéfilo” que sou hoje, mas ver filmes antigos a preto e branco
era coisa que não me assustava nada. Estava habituado a vê-los na televisão…
Lembro-me de ter ido
ao Condes ver, em reposição, “A Relíquia Macabra”, muito antes de saber quem
era John Huston, Humphrey Bogart, Sidney Greenstreet ou Peter Lore. Ou, no
Tivoli, “Os Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras”, esse bastante mais
recente, em ecrã largo e a cores.
Mas onde ia mais
vezes era ao Avis, que ficava mais perto de minha casa. Lembro-me de ter visto
aí (e só muito mais tarde os pude identificar…) “A Torre de Londres”, do Roger
Corman e o “Inferno Verde”, do James Whale, que hoje já se podem considerar
“clássicos”.
Em boa verdade, não
fazia nem sabia fazer grande seleção e ia ver o que estivesse disponível para a
minha idade, já que o meu maior prazer era o de me sentir sozinho naquelas
salas escuras defronte de um ecrã de cinema.
Antes disso ia ao
Cinema muito raramente, e sempre acompanhado.
A primeira vez com a
minha Prima Lena, como já contei.
A segunda foi
com o meu irmão José Carlos, também no Monumental e também para ver um filme de
Walt Disney, “A Branca de Neve e os Sete Anões”.
Foi nessa ocasião que
se passou uma célebre cena da qual me recordo perfeitamente e com a qual tramei
o meu Querido irmão.
Essa história, que
tantas vezes recordei na presença dele, deixem-me contá-la uma vez mais, como
se ele permanecesse aqui a meu lado a olhar-me de novo com aquele ar de censura
que sempre punha no rosto quando eu falava dela.
Tínhamos ficado no balcão e a meu lado ficara sentada uma rapariga mais ou menos da idade do meu irmão, que, por sua vez, estava a acompanhar um miúdo que também deveria ter a minha idade.
O certo é que eu, mauzinho, regressei primeiro do que ele à sala, como tínhamos combinado, mas fui sentar-me de novo no meu preciso lugar, ou seja, ao lado da menina. Pouco depois entra o meu irmão, vê que eu não mudei de lugar, fulmina-me com o olhar e vai sentar-se no seu lugar, já que não havia outro… Quando as luzes se começaram a apagar e o pano a subir, eu levanto-me no meu lugar, viro-me para o meu irmão e digo-lhe bem alto: “Zé Carlos, tu que querias ficar ao lado desta menina podes passar para aqui…!”. Não deu para ver porque, entretanto, as luzes se apagaram e o filme recomeçou, mas imagino a reação dele e da menina…
No final do filme o
meu irmão, certamente envergonhado, esperou que a menina e o miúdo saíssem
primeiro e deu-me um tremendo raspanete, jurando que era a última vez que vinha
comigo ao cinema.
Mentira, porque uns tempos depois levou-me ao “Império” ver “Há Festa na Aldeia” e contribuir, em muito, para a minha eterna devoção ao Jacques Tati…
Mas porque fui eu
fazer, com tão tenra idade, aquela maldade ao meu irmão…? É um verdadeiro
enigma… Manifestação precoce de uma característica que alguns amigos, ainda
hoje, persistem em me apontar frequentemente, sobretudo quando lhes dou algumas
bicadas acerca dos atuais grandes sucessos desportivos do seu Benfica: a de ser
um “cabrãozinho pequenino”…?
Mas a verdade é que
depois do Jacques Tati não me recordo de ter voltado a ir ao cinema com o meu
irmão Zé Carlos.
Sozinho com o meu
irmão Jorge nunca fui e apenas me recordo de ter ido uma vez com ele e com os
outros dois irmãos ao Roma, ver “Mocidade em Férias”, com o Cliff Richard. Isto
para não falar daquelas duas ou três vezes em que, no Verão de Paço d’Arcos, os
meus irmãos terão sido obrigados a levarem-me com eles ao cinema.
Com a minha irmã fui
muitas vezes, mas bastante mais tarde, entre os meus 14 e 16 anos, quando
ela, já empregada, me levava ao Domingo às sessões duplas do Paris, ali para as
bandas da Estrela. Gloriosas tardes essas em que eu tinha pretexto para me
baldar ao “passeio dos tristes” com os meus Pais, ver dois filmes e ainda comer
um gelado ou beber um Sumol de ananás. A chatice é que tínhamos de ir e vir de
autocarro e só às vezes, no regresso, vínhamos de táxi, mas apenas quando
corríamos o sério risco de desrespeitar o sagrado dever de estarmos sentados à
mesa às 20h00 para jantar, de mãozinhas devidamente lavadas.
Mas que magníficos
filmes vi eu nesses Domingos à tarde, na companhia da minha Querida irmã Rosa
Maria! Entre tantos outros, a primeira versão de “O Grande Mestre do Crime”, “A
Festa”, com o Peter Sellers, “Bullit”, com o Steve McQueen a voar nas
colinas de São Francisco, “O Passageiro da Chuva”, do René Clément, e muitos
outros policiais franceses dos anos 60, que à época estavam na moda.
Na altura não havia
vídeos e, muito menos, DVD’s, e os filmes modernos só passavam na televisão
muitos anos depois. Mas era normal passarem nesses “cinemas de reprise” poucos
meses após a sua estreia.
Mas porque razão
íamos nós tão longe ao Paris, quando tínhamos, bastante mais perto de nossa
casa, idênticas “salas de reprise”, como era o caso do “Liz” ou do “Imperial”…?
É um enigma para mim, mas imagino que talvez o meu bom Pai tivesse dito à minha
Querida irmã que meninas bem comportadas não frequentavam aquelas bandas da
Almirante Reis…
Com o meu Pai não me
lembro de ter ido uma única vez ao cinema. Aliás, guardo na memória que vi o
meu Pai ir uma única vez ao cinema e na companhia dos meus irmãos, ver um
documentário que então era muito badalado e se chamava ”O Mundo Cão”. E a
verdade é que o meu Pai só se terá decidido a ir porque lhe tinham contado que
havia uma cena em que o Nuno da Salvação Barreto, que então capitaneava o Grupo
de Forcados Amadores de Lisboa, pegava pelos cornos um touro em pontas…
Com a minha Mãe
lembro-me de ter ido, apenas, duas vezes ao cinema.
A primeira vez foi
para ver “Música no Coração”.
Para os espectadores
de cinema de hoje, em que os filmes se aguentam muito pouco tempo em exibição
comercial e num ápice saltam para os ecrãs de televisão e para o DVD, em que há
filmes que nem sequer para o “grande ecrã” vão e são produzidos e lançados
diretamente nas grandes plataformas de “streaming”, será muito difícil perceber
um fenómeno como foi, em Portugal, “Música no Coração”.
Em Lisboa o filme
estreou-se no “Tivoli” em Janeiro de 1966, tinha eu acabado de fazer 12 anos e,
se a memória não me falha, manteve-se em exibição consecutiva durante 9 meses.
Impensável nos dias de hoje…
Não se falava noutra
coisa. Sobretudo na “conversa das Senhoras”…
Por uma qualquer
razão, a minha mãe (que raramente ia ao cinema, diga-se de passagem…) terá
perdido a oportunidade de ir ver o filme com uma das suas amigas, deixou-se
arrastar e quando, finalmente, se decidiu, eu era a única pessoa que ela tinha
mais à mão, já que sozinha jamais se atreveria a ir.
Eu devo ter torcido o
nariz, porque já na altura devia ter alguns laivos de pretensiosismo e pensado
que filme tão badalado pelas “Senhoras” não deveria ser, certamente, flor que
se cheirasse. Mas como ir ver um filme à borla e lanchar uma bola de
Berlim e um “Sumol” de ananás também não era coisa que se recusasse, lá me
disponibilizei a ir sem grande regateio. A não ser essa tal exigência do
lanche, claro está…
Mas não adivinharia
que a cena iria ter uma preparação prévia…
Segundo ela então me
contou, a minha Mãe fora uma vez ao cinema com o meu irmão Zé Carlos, quando
ele ainda era miúdo, ver um dos filmes da “Sissi”. O primeiro filme dessa
trilogia estreou-se em Portugal em Outubro de 1956, pelo que o meu Querido
irmão teria, no mínimo, 12 anos acabadinhos de fazer.
E parece que numa
cena de beijos o meu Querido irmão, que tinha fama de malandreco, terá armado
um escarcéu de todo o tamanho, assobiando, batendo palmas, largando “bocas”, eu
sei lá, deixando a minha pobre Mãe passar uma autêntica vergonha em plena sala
de cinema.
Eram tempos em que
ainda não tinha chegado a televisão e a miudagem ainda não estava habituada a
cenas dessas…
Mas a minha Mãe terá
ficado de tal maneira traumatizada com essa fita do meu irmão que que a
primeira coisa que fez, quando se decidiu que iriamos os dois ao cinema, foi
fazer-lhe jurar que me portaria convenientemente se no filme houvesse alguma
cena dessa natureza.
Ofendido, ter-lhe-ei
respondido que já era um espectador de cinema muito batido e que cenas dessas
papava eu todos os dias ao pequeno-almoço…
Agora já não me
recordo, mas é altamente provável que, durante o filme, haja pelo menos uma
cena de decente beijocada entre a perceptora das crianças e o Capitão Von
Trapp.
E também não quero
estar aqui a inventar, mas é muito provável que, a existir essa cena, a minha
Mãe e eu tenhamos trocado o olhar e eu lhe tenha dado uma piscadela de olhos,
em sinal de cumplicidade.
Depois disso, só
voltei ao cinema na companhia da minha Mãe aí uns 15 anos depois, para lhe
apresentar a namorada com quem me preparava para casar. Foi no Condes, para ver
o “Rebeca” do Hithcock, filme de que ela gostava muito e do qual me falava
frequentemente.
Constato agora que
isto já vai muito longo e que, em boa verdade, eu já dei volta às minhas
memórias cinéfilas de infância e já vos contei tudo quanto vos tinha para
contar…
Mas apercebo-me que tenho de arranjar algum pretexto para vos ter vindo aqui massacrar com toda esta lenga-lenga. E, uma vez mais, recordações de viagens é o que está mais à mão…
Não foi a pensar na minha
Mãe nem em “Música no Coração” que visitei, por duas vezes, Saltzburgo, na
Áustria, mas também não se pode visitar essa cidade, nem toda essa magnífica
região dos Lagos que lhe é tão próxima, sem que sejamos invadidos pela memória
desse filme.
Os miúdos na ponte
com a Fortaleza de Hohensaltzburg ao fundo…
Os miúdos a dançarem
no Schloss Mirabell , defronte da casa amarela onde viveu Mozart…
Os miúdos no comboio
a vapor, pela montanha acima…
Julie Andrews a
esvoaçar no alto da montanha…
Mas se é verdade que
não fui a Saltzburg de propósito por isso, também é certo que não deixei de
levar bem viva no coração e no olhar a memória da minha Querida Mãe. O que ela
gostou das paisagens desse filme e o que ela não daria para ter ido oportunidade
de as ver pessoalmente, ela – coitada…! - que de viagens ao estrangeiro a única
coisa que levou desta vida foi fazer “tricot” nas diversas cidades de Espanha
em cujas praças de toiros o meu pai poisava o seu traseiro.
E ainda hoje, ao ver
uma cena de beijos, por vezes me recordo da minha Mãe. Dou-lhe uma piscadela de
olho e tenho a certeza que, esteja lá ela onde estiver, não deixará de me
responder com um sorriso…
Texto e Fotografias de Luís Miguel Mira