Neste dia, no ano de 1978, desde Santa Barbara, um Jorge de Sena descrente, doente, a braços com inúmeras dificuldades económicas, que sempre o acompanharam na vida que passou longe de Portugal, escrevia a José-Augusto França:
Enfim eu já não me queixo dos amigos, José-Augusto – para quê, todos tão importantes, tão rodeados de génios e talentos nessa pátria (vai subsistir ou não, nas últimas contradanças?)… Eu sei que não é por mal, é tudo pressa, correria, falta de tempo… Mas eu ficarei, mesmo que todos me traiam, e ficará só quem tiver embarcado na minha Barca do Inferno… sem remissão alguma. Desculpa o desabafo, de quem está cansado, exausto, cheio de trabalho, e até pensa pedir a cidadania cabo-verdiana, para ficar a meio caminho entre Portugal e Brasil, sem pertencer a nenhum por uma vez, e talvez até ganhando as vantagens de ser cidadão dos novos países.Contava ter um sabático na Primavera próxima e foi engano de contas da Administração. E ir a um simpósio de Fernando Pessoa, encontrar-me com uma data de «fernandinos» que ou são malandros, ou discípulos de malandros, ou raros amigos (o Lourenço riscou para mim, desde que em artigo recente, disse que eu devia estudar o Magalhães Godinho e o Saraiva – quando é sabido que eu sempre li as putas ou os patrões de putas deste país, tentando não ficar provinciano como eles), se é que o são, não tenho tempo, saúde, nem licença oficial para isso na semana em que as aulas do 3º trimestre começam aqui. Talvez que vá à Europa no Verão, mas sem mais que oito dias em Portugal – este convém que seja cada vez mais o país ideal gentil ou odiosamente ausente que sempre foi bom para se sobreviver português.
Em Correspondência Jorge de Sena/José Augusto França – Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa Junho de 2007
Legenda: fotografia tirada de Jorge de Sena, Vinte Anos Depois, Edições Cosmos, Lisboa 2001.
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