sábado, 9 de fevereiro de 2013
O MAIOR DOS SOFRIMENTOS É NÃO TER SOFRIDO
Segundo a Lusa, um juiz chileno ordenou a exumação do corpo do poeta Pablo Neruda, no âmbito de uma investigação sobre as circunstâncias da morte, anunciou a Fundação responsável pelo seu legado literário.
O poeta, membro do Partido Comunista Chileno, que morreu 12 dias após o golpe de Estado militar de 1973, dirigido pelo general Augusto Pinochet e que implicou o derrube, e também a morte, do Presidente Salvador Allende, terá sido vítima de um cancro, de acordo com a versão então divulgada.
No entanto, responsáveis oficiais têm admitido nos últimos anos a possibilidade de Neruda ter sido assassinado às ordens dos militares da Junta.
Datado de Santa Bárbara, 24 de Setembro de 1973, Jorge de Sena escreveu o poema Pablo Neruda morreu de cancro:
Os cancros matam, vêm insidiosos,
sem preferência pelos bons ou maus.
Raízes implacáveis que se estendem
e não dão fruto mais do que só morte.
Destino fingem ser, cegos e surdos,
e mudos como a carne que vão roendo,
até que a vida não resiste já.
Na noite que se acende à beira-mar
lá onde as cordilheiras tocam céus,
o sangue brilha dos assassinados
em quem mais uma vez a liberdade
é morta nos quintais destas Américas.
O cancro alastra: os cancros são fascistas.
Importa pouco o cancro só da próstata
que assassinou Neruda, em conivência
com Pinochets, como este conspirando
há muito já, seguindo uma cartilha
que eu vira passo a passo noutro espaço
trazida à rua com panelas, tachos,
ou procissões desagravando a Virgem.
Importa pouco. É só uma raiz
humilde e pequenina de outro cancro
patriota e medalhado sobre o mundo,
abrindo em negra flor de companhias,
consórcios, trustes, negras agonias.
De 40 Anos de Servidão, Círculo de Poesia, Moraes Editores, Lisboa Setembro 1982.
Nota do editor: o título é um verso do poema Saudade de Pablo Neruda.
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