sábado, 2 de fevereiro de 2013

OS MASSACRES COLONIAIS


Wiriyamu esteve longe de ser o único massacre cometido por tropas portuguesas em África, mas a forma rigorosa e indesmentível como foi levado à opinião pública, assim como a sua própria dimensão, veio pela primeira vez chamar a atenção para a face oculta do comportamento das Forças Armadas. Anos mais tarde, muitos militares que não simpatizavam com o regime continuam a encarar o caso de Wiriyamu e outros como uma consequência natural da guerra, desta como de outra qualquer. Massacrava-se uma aldeia ou parte dela apenas porque nos arredores tinha havido uma emboscada ou rebentado uma mina e os habitantes não cumpriram o «dever» de avisar o Exército. Isto é justificado pelo estado de tensão psicológica, cansaço e medo que se apodera dos militares, explicando-se que só quem não esteve na frente africana não compreende as circunstâncias que levam a actuar desta forma. A solidariedade criada entre os membros de uma companhia isolada no mato ou a lealdade dos subordinados para o seu comando criavam uma rede de cumplicidades que impedia tais actos de virem a ser conhecidos no exterior.
Nem todos os militares que passaram por África comungam, no entanto, da «facilidade» com que se procura dar cobertura à prática de massacres. Costa Gomes, que era então chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, revelará mais tarde que considerava tal comportamento injustificável e contrário à doutrina portuguesa de guerra, pelo que ordenava um inquérito a cada caso de que tivesse conhecimento. Além disso – acrescentará - «por cada inocente que matávamos, arranjávamos pelo menos dez ou quinze inimigos».
Mas é bem possível que a própria doutrina de guerra contivesse em si a justificação para os massacres. Costa Gomes contará que o comandante do batalhão de Comandos de Moçambique, major Jaime Neves (sob tutela se encontravam também as tropas de Wiriyamu), lhe entregou certa vez um relatório de operação em que era referida a morte de cinquenta e quatro pessoas, tendo a tropa gasto apenas dez munições. Solicitado a dar explicações, Jaime Neves dirá que as vítimas foram executadas com arma branca, nelas se incluindo  mulheres e crianças. E adiantará que tal atitude fazia parte do regulamento dos Comandos, o que era verdade:  na instrução aconselhava-se a eliminar todos os que pudessem denunciar uma operação em curso.
Não admira por isso que, ao explicar a ocorrência de Wiriyamu, Kaúlza comunique às autoridades civis: «Não parece conveniente pressionar-se mais as tropas no sentido de um ainda maior cuidado na distinção dos elementos que se lhe deparam em muito ou pouco inimigos, pois tal avolumaria em demasia as dificuldades e eliminaria a agressividade restante, com o risco de ninguém mais se bater.» Hão há conhecimento de que qualquer dos inquéritos ordenados à prática de atrocidades tenha dado origem a punições. Pois não é verdade que oficiais traziam orelhas de negros penduradas à cintura ou conservadas em álcool? E que se matava apenas para apresentar um relatório de baixas «inimigas», justificar uma operação e, eventualmente, receber um louvor ou uma medalha?

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