Tradução:
Marai Antónia Câmara Manuel e Patrick Quillier
Edições
Salamandra, Lisboa, Novembro de 1986
Se algum dia tivesse de falar da memória, dar-lhe-ia uma
cor. Branca, como a tela dos écrans, a margem dos livros, o olhar dos afogados.
No seu vai e vem fulgurante, dar-me-ia a posse do território da ausência que é
de todos o mais vasto. Aí encontraria de novo rostos, palavras, talvez mesmo
nomes.
FACE
aos últimos acontecimentos ocorridos em Angola com a população branca é criada
uma Junta Militar à qual preside o vice-almirante Rosa Coutinho membro da Junta
de Salvação Nacional.
FOI
ENTREGUE ao Conselho de Estado pelo advogado Dr. Afonso de Carvalho um
requerimento para que o referido órgão se pronuncie sobre a inconstitucionalidade
do artigo 26 da Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé em
1940 e do artigo 1790 do Código Civil em vigor que vedam aos cidadãos que
contraíram casamento canónico depois de 1 de Agosto de 1940 o direito de
obterem o divórcio através dos tribunais.
NA
SUA PRIMEIRA conferência de Imprensa o CDS, através do Prof. Freitas do Amaral,
apresenta-se ao povo português afirmando que deseja uma distribuição melhor do
rendimento do povo português.
EM
MATOSINHOS termina a greve da pesca da sardinha.
REALIZA-SE
no Estádio 1º de Maio uma grandiosa manifestação de apoio ao MFA e ao Governo
Provisório na qual tomam parte os Partidos Comunista, Socialista e Popular
Democrático.
HELENA
NEVES publica no República do dia 24 um trabalho sobre os informadores da
PIDE/DGS. Por ano eram gastos mais de nove mil contos com a rede de
informadores. Vendiam tudo: a família, os amigos, os vizinhos, os companheiros
de trabalho, a escola, o sindicato. Alimentavam a repressão e alimentavam-se
dela.. Até simples casamentos eram objecto da vigilância dos informadores da PIDE.
Uma denúncia valia ente 250 e 750 escudos.
A
POLÍCIA JUDICIÁRIA Militar levou a tribunal um processo-crime em que é arguido
o agente da ex-PIDE/DGS António Domingues acusado do assassínio do pintor e
militante comunista na clandestinidade, José Dias Coelho.
ÀS
12,00 HORAS DE 27 de Julho o Presidente a República General António de Spínola
anunciou perante o País que, sobre reconhecer o direito dos povos das colónias
a assumirem o seu próprio destino, podendo encaminhar-se sem qualquer ambiguidade
para a independência política, Portugal está pronto a iniciar o respectivo
processo de transmissão de poderes.
Do
discurso de António Spínola:
Legenda:
Título da 1ª página do Diário de Lisboa de 27 de Julho de 1974.
Mário
Soares, Magalhães Mota, Álvaro Cunhal no comício no Estádio 1º de Maio.
.
Fontes:
Recortes de acervo pessoal, Diário de Uma Revolução, Mil Dias Editora,
Lisboa, Janeiro de 1978, Portugal Depois de Abril de Avelino
Rodrigues, Cesário Borga, Mário Cardoso, Edição dos Autores, Lisboa, Maio de
1976, Portugal Hoje, edição da Secretaria de Estado da Informação e
Turismo, A Funda, Artur Portela Filho, Editora Arcádia, Lisboa.
Eu
não quero pagar por aquilo que eu não fiz
Não me fazem ver que a luta é pelo meu país
Eu não quero pagar depois de tudo o que dei
Não me fazem ver que fui eu que errei
Não fui eu que gastei
Mais do que era para mim
Não fui eu que tirei
Não fui eu que comi
Não fui eu que comprei
Não fui eu que escondi
Quando estavam a olhar
Não fui eu que fugi
Não é essa a razão
Para me quererem moldar
Porque eu não me escolhi
Para a fila do pão
Este barco afundou
Houve alguém que o cegou?
Não fui eu que não vi
Eu não quero pagar por aquilo que eu não fiz
Não me fazem ver que a luta é pelo meu país
Eu não quero pagar depois de tudo o que dei
Não me fazem ver que fui eu que errei
Talvez do que não sei
Talvez do que não vi
Foi de mão para mão
Mas não passou por mim
E perdeu-se a razão
Todo o bom se feriu
Foi mesquinha a canção
Desse amor a fingir
Não me falem do fim
Se o caminho é mentir
Se quiseram entrar
Não souberam sair
Não fui eu quem falhou
Não fui eu quem cegou
Já não sabem sair
Eu não quero pagar por aquilo que eu não fiz
Não me fazem ver que a luta é pelo meu país
Eu não quero pagar depois de tudo o que dei
Não me fazem ver que fui eu que errei
Meu sonho é de armas e mar
Minha força é navegar
Meu Norte em contraluz
Meu fado é vento que leva e conduz
E conduz
E conduz
O
caso GES-BES tem suscitado uma pergunta simples: como foi possível que
gravíssimas práticas fraudulentas tivessem escapado durante anos à vigilância
das autoridades de regulação, incluindo à vigilância da troika sobre o setor
bancário? A resposta é tão dura quanto simples: nos últimos 30 anos muitos
governos (de direita e de esquerda) foram responsáveis pela criação dos
alçapões e das opacidades que transformaram o sistema financeiro europeu (e
mundial) num campo minado onde aventureiros põem em perigo a segurança de
milhões de pessoas. Em 1933, em plena Grande Depressão, o Congresso dos EUA
produziu uma lei (Glass-Steagall Act) que restaurou a confiança no sistema
financeiro: separou e protegeu os bancos comerciais, face aos bancos de
investimento. Por outras palavras: os bancos que recebiam as poupanças dos
depositantes e que emprestavam às empresas na economia real não podiam fazer
operações especulativas com produtos financeiros. Durante décadas essa
higiénica distância permitiu prosperidade económica, a par de visibilidade e
eficácia no trabalho dos reguladores. Contudo, o lóbi financista, embalado pelo
mantra do neoliberalismo, não descansou enquanto não meteu no bolso os governos
e os parlamentos necessários para misturar tudo de novo. Em 1999, o Congresso
americano revogou a lei de 1933, regressando à promiscuidade especulativa. Por
todo o lado, incluindo a UE, as leis "liberalizaram-se", no sentido
de criar obscuridade, onde antes havia transparência. Criaram-se condições para
mascarar a exposição da poupança das famílias, no labirinto arriscado das
ações, das obrigações e de uma miríade de derivados toxicamente imaginativos.
Os políticos que se queixam dos banqueiros deveriam ter vergonha. O caos habita
nas leis que eles próprios assinaram. Seria interessante saber como e porquê...
Viriato
Soromenho-Marques, hoje, no Diário de Notícias
Vim
no autocarro até à central de camionagem. Apanhei lá um táxi. Se for preciso, é
o que vou dizer.
Mentiras
inocentes nunca magoaram ninguém. Pelo menos era o que a sua mãe costumava
dizer-lhe. O problema era conseguir fazer a diferença entre o preto e o branco.
Rose achava que tinha conseguido organizar a vida dela até aqui com uma série
de manipulações acinzentadas da verdade.
Quando chegamos a certa idade, a memória começa a
atraiçoar-nos. Embora saibamos perfeitamente quem é aquele actor que está no
ecrã de televisão, não conseguimos pura e simplesmente recordar-nos do seu
nome, nem do título do filme, que por acaso até vimos quando estreou, há coisa
de cinco anos; se é que nos lembramos do enredo, o que vai sendo cada vez mais
raro... Pois, é uma chatice – mas não há nada a fazer e o melhor é aceitarmos
que a idade não perdoa. Com os livros, custa mais, evidentemente – e os que
lemos há menos tempo são, curiosamente, os que desaparecem primeiro, tal como
as recordações de infância são, frequentemente, aquelas que permanecem mais
vivas na memória de um velho. Mas agora há um objecto muito útil à venda, que
pode dar uma ajudinha e servir-nos de bengala nos momentos em que estivermos
desesperados por já não sabermos de que tratava determinada obra. É uma espécie
de caderno que podemos trazer sempre connosco, chamado Diário de
Leituras, e no qual podemos anotar os títulos que nos vão passando pelas
mãos, os seus resumos, as frases preferidas – e bem assim atribuir-lhes
pontuações, o que evita que se vá reler um mau livro por não nos vir à ideia se
dele gostámos da primeira vez. O preço é apenas de 7,5 euros e vende-se, tanto
quanto sei, nas Livrarias Bertrand. Eu vou ser cliente, de certeza absoluta.
Dois
dias depois do ocorrido, a Gazeta das Caldas do dia 29 de Julho de 1970, declarava
ao mundo que Salazar não morrera.
O
mundo gargalhou.
Mas
morreu mesmo.
.
Ficou
foi mal enterrado.
Daí que, passados que são quarenta anos sobre o 25 de Abril ainda seja, amiúde, ouvir: o que nos está a fazer falta é um novo Salazar!
Querem
esquecer, fazer-nos esquecer, que o Nofesratu de Santa Comba, deixou: um país
pobre, analfabeto, subdesenvolvido, a braços com uma onda imensa de emigrantes
e uma guerra trágica em África.
Página
de um Diário de João Medina, publicado na Seara Nova de Julho de 1974:
Às
11 horas telefono para a Espiral para falar com o Ary. – Uma boa notícia! diz-me
ele. A velha morreu! Será possível? Hesito por um segundo em acreditar na
notícia que tantos anos venho esperando. Morreu? O Salazar? – Morreu, morreu!
Para
trás ficou uma semana trágica: aproxima-se do milhar o número de mortos, em
Gaza, provocados pelos ataques dos israelitas. Grade parte são crianças.
Faltam
as palavras.
É
em circunstâncias como esta, que a minha fé sofre terríveis abalos:
Nós precisávamos, Sílvia, de um comboio que ultrapassasse este tempo de
derrota e angústia e nos conduzisse já ao futuro. Tempo que nada nos dará,
embora depois dele possamos beber o vinho dos heróis. E quem sabe se
sobreviveremos à noite da vergonha… Mas não é este o comboio, não é um comboio
que nos levará aonde queremos. O nosso caminho, Sílvia, é pela estrada, a pé,
sempre, sem um desfalecimento ou um assomo de desânimo.
Mário Ventura em A Noite da Vergonha
Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da
fotografia.
O Centro de produção da Peugeot Citroën em Mangualde vai
despedir cerca de 280 trabalhadores. A decisão está relacionada com a redução
de um dos três turnos. O objetivo é adaptar a produção à procura. O terceiro
turno estava pensado para durar 16 meses, mas só durou nove.
PSD e CDS rejeitaram hoje, no parlamento, dois votos de
condenação pela acção militar de Israel na faixa de Gaza, um deles apresentado
em conjunto por PS e Bloco de Esquerda e outro pelo PCP.
Há coisas que custam a engolir mas, pronto, tenho de
aceitar. Eu já não tinha gostado da PJ a vasculhar os papéis nas minhas duas
salas no Hotel Palácio, mas lá aceitei. Depois, quando o juiz me avisou de que
ia interrogar-me no dia seguinte, levantei a sobrancelha, incomodado. Mas,
pronto, tive de aceitar. Disse-lhe que lá estaria, o meu motorista haveria de
me pôr no Campus de Justiça à hora marcada, mas ele respondeu que iriam à minha
casa buscar-me. Que remédio, aceitei. De manhã, bem vi o ar pasmado da minha
empregada, ao dizer: "Estão à porta dois polícias que perguntam pelo
senhor doutor." Custou-me? Muito, mas aguentei. Percebi os sorrisinhos
trocados entre o guarda e o motorista, mas pus cara de quem não viu. Chegado ao
TIC, no corredor cruzei-me com olhares impertinentes dos beleguins, mas
aguentei. No juiz topei o revanchismo dos sans-culottes, mas respondi a tudo,
calmo. Na pausa de almoço contaram-me a histeria das rádios e televisões -
"detido!", gritavam todos - e aguentei. Voltei ao interrogatório do
Robespierre, aturei as perguntas, sofri a condição de arguido, tolerei as
acusações, resignei-me à caução a pagar... Aceitei tudo! Mas há uma coisa que
não admito. A mim, que fui estes anos todos o rosto do mercado de capitais, o
epítome da bolsa de valores, não se devia ter feito este insulto: no dia em que
fui detido, interrogado e constituído arguido, as ações do BES sobem?!
Ferreira
Fernandes, crónica no Diário de Notícias de hoje.
O principal rosto desse enorme escândalo em que transformou a
família Espírito Santo, foi hoje detido, ouvido por um juiz e, mediante caução
de 3 milhões de euros, encontra-se em liberdade.
Se este homem tiver a coragem de pôr a boca no trombone,
passaremos a saber como se processa a promiscuidade entre a política, os
grandes grupos económicos,os grandes escritórios de advogados, os construtores civis, os sucateiros.
Se tal acontecer, saberemos dos restantes rostos que constituem
os gangs que levaram o país ao estado em que se encontra, uma gentalha que
chamou aos portugueses tudo o que lhes deu na real gana, quando, verdadeiramente,
não passam de uma corja de malandros, vigaristas e corruptos.
Ainda hoje o cândido banqueiro João Salgueiro se surpreendia
como foi possível esta crise no GES, e que não é nada normal que problemas com
esta dimensão tenham passado despercebido às entidades competentes.
É um bocado inexplicável
acabou por concluir, como se a criatura não soubesse como tudo se faz e acontece.
São cada vez mais sombrios os dias que nos esperam.
VERGÍLIO
Ferreira
no seu Conta-Corrente sobre a demissão de Adelino Palma Carlos:
O
desarrói político. Palma Carlos demitiu-se. Juntaram-se-lhe os ministros PPD.
Boatos de um novo ministério presidido por um militar do MFA e uma
representação militar em várias pastas. Se assim for, saber-se-á enfim o que é
politicamente o MFA.
NO
DIA tomou
passe o II governo Provisório sendo Primeiro-Ministro o Coronel Vasco Gonçalves.
No
discurso de tomada de posse, a hipocrisia de António Spínola: «Limitar-me-ei
portanto a destacar a reconhecida estatura moral e intelectual do coronel Vasco
Gonçalves e o facto de ser o cérebro da Comissão Coordenadora do Movimento das
Forças Armadas e, como tal, o primeiro responsável pelo sei ideário.»
Do
discurso de Vasco Gonçalves: «Sem trabalho árduo de todos os
portugueses, sem um esforço gigantesco a todos os níveis (Estado, empresários e
calasses trabalhadoras), no projecto de reconstrução e modernização nacionais,
que deve ser o lema instalado na cabeça de todos nós, jamais será levado a cabo
o desenvolvimento do País. Simultaneamente, todos teremos de viver, durante
este período, em atmosfera de austeridade, gastando menos no supérfluo e
poupando quanto possível para aplicação no esforço global de investimento, que
a todos, mas a todos, diz respeito.
Composição
ministerial do novo governo:
Ministros
Sem Pasta – Majores Vitor Alves e Melo Antunes e drs. Álvaro Cunhal e Magalhães
Mota.
Ministro
da Defesa – Tenente-Coronel Mário Miguel
Ministro
da Coordenação Interterritorial: - Dr. António Santos
Ministro
da Administração Interna - Tenente-Coronel Costa Brás
Ministro
da Justiça - Dr. Salgado Zenha
Ministro
da Economia - Dr. Rui Vilar
Ministro
das Finanças - Dr. Silva Lopes
Ministro
dos Negócios Estrangeiros – Dr. Mário Soares
Ministro
do equipamento Social e Ambiente – Coronel José Augusto Fernandes
Ministro
da Educação e Cultura – Prof. Vitorino Magalhães Godinho
Ministro
do Trabalho – Capitão Cosa Martins
Ministro
dos Assuntos Sociais – Engª Maria de Lurdes Pintasilgo
Ministro
da Comunicação Social – Major Sanches Osório
O
NÚNCIO APOSTÓLICO recusou-se a receber a Comissão Pró-Divórcio.
COMO
NOVO PARTIDO político é constituído oCDS – Centro Democrático Social:«Somos uma
organização aberta a todos os democratas do centro – quer do centro esquerda
quer do centro direita – que, sinceramente identificados com o 25 de Abril,
aceitem o humanismo personalista como filosofia de acção. Representamos todos
os portugueses que defendem uma nova concepção da iniciativa privada, com base
no aprofundamento da solidariedade nacional e da fraternidade social.
Nos seus fundadores encontram-se Diogo Freitas do Amaral,
Adelino Amaro da Costa, Basílio Horta.
Legenda:
tomada de posse do II Governo Provisório
Fontes:
Recortes de acervo pessoal, Diário de Uma Revolução, Mil Dias Editora, Lisboa,
Janeiro de 1978, Portugal Depois de Abril de Avelino Rodrigues,
Cesário Borga, Mário Cardoso, Edição dos Autores, Lisboa, Maio de 1976, Portugal
Hoje, edição da
Secretaria de Estado da Informação e Turismo, A Funda, Artur Portela Filho,
Editora Arcádia, Lisboa.
Junto do Mar canta a Cigarra.
Canta p'ra iludir
a fome e a solidão;
p'ra fingir que tem pão
e p'ra fingir que está acompanhada.
Tremeluzem os Astros no céu nítido:
Dona Cigarra faz serão.
Como há-de ela dormir, se a vida é curta?
-:Cigarra que se preza quando morre
não deve estar a meio da canção.
Ninguém pára a saber porque é que canta.
Ninguém lhe dá ouvidos nem conforto.
Melhor, assim:assim, não perde tempo
quem não pode cantar depois de morto.
A parte que lhe coube por destino,
tem de morrer deixando-a já cantada.
Que faz que a não escutem nem lhe acudam?
É preciso é sentir que se está vivo.
É preciso é que as asas que sosseguem
o tenham merecido.
Canta a Cigarra à sombra da montanha
e à sua voz a solidão alastra,
deixa-a mais longe, sempre, dos que dormem.
Só a noite a entende e a agasalha.
Mas a voz não acusa nem se cansa
nem laiva de azedume ou amargura.
Ei-la crucificada de indiferença.
Serve-lhe a Noite de mortalha.
Morno ainda do Canto,
seu coração evola-se em ternura
que vai poisar no sonho dos que dormem...
E,
no perpétuo Verão húmido, desafio o seu espírito de imaginação, a não regressar
ao grito da cor, ao arrepio límpido do ar gelado, ao cheiro da lenha de pinho a
arder e ao calor acariciante das cozinhas. Pois como pode alguém conhecer a cor
no meio do verde perpétuo, e para que serve o calor sem o frio para lhe dar
doçura?
E
como Carlos lembrava a política, a ocupação dos inúteis, Ega trovejou. A
política! Isso tornara-se moralmente e fisicamente nojento, desde que o negócio
o constitucionalismo como uma filoxera! Os políticos hoje eram bonecos de
engonços, que faziam gestos e tomavam atitudes porque dois ou três financeiros
por trás lhe puxavam pelos cordéis… Ainda assim podiam ser bonecos bem
recortados, bem envernizados. Mas qual! Aí é que estava o horror. Não tinham
feitio, não tinham maneiras, não se lavavam, não limpavam as unhas… Coisa
extraordinária, que em país algum sucedia, nem na Roménia, nem na Bulgária! Os
três ou quatro salões que em Lisboa recebem todo o mundo, seja quem for,
largamente, excluem a maioria dos políticos. E porquê? «Porque as senhoras têm
nojo»!
O Banco Espírito Santo adiou hoje a apresentação dos
resultados relativos ao primeiro semestre deste ano para dia 30 de Julho,
quarta-feira da próxima semana, após o fecho do mercado.
O vice-primeiro-ministro Paulo Portas disse hoje em
Luanda que os bancos centrais de Angola e de Portugal estão a trabalhar em
conjunto na situação no Grupo Espírito Santo e ramificações nos bancos do grupo
nos dois países.
O
homem desceu na lua. Ensacado num fato espacial e de foguetão no rabo, tanto
teimou que conseguiu pôr os pés fora da terra. E lá anda aos saltos, a lutar com
a imponderabilidade, ridículo, mas triunfante. Como é natural, vivi
intensamente as diversas fases da viagem, e foi num misto de alívio e orgulho
que ouvi a notícia do seu desfecho feliz.Agora, porém, passada a ansiedade e o
entusiasmo, sinto-me triste. Que monótonas e desconsoladas aventuras nos restam
no mundo! Primeiro, comandadas por computadores
depois em vez de sonhos de arredondamento da fraternidade, propósitos
objectivos de alargamento da solidão...
Miguel
Torga em Diário, Vol. XI
Legenda:
1ª página do República de 21 de Julho de 1969.
Encontrei este anúncio em A Voz de 12 de Maio de 1967. Veio à memória que na Instrução Primária da rapaziada do meu tempo, tínhamos de saber os rios, as montanhas, as linhas ferroviárias das então províncias ultramarinas, principalmente Angola e Moçambique. Há uma canção de Simon and Gafunkel (Kodachrome) em que se diz: Quando penso em todas as cisas que aprendi na escola é um espanto conseguir ainda pensar...
Tropeçou em arbustos, se enredou pelo chão. Ajudei a
levantar-se. Mas ele preferiu ficar sentado.
- Me deixe morrer um pouco aqui. Me arraste só um nada para esse lado. Sim,
aqui está bom, aqui corre um raiozito de sol.
Ficou um tempo de olhos fechados. Voltou a tirar um pedaço de coral e pousou-o
no chão. Era outra oferta dos Deuses.
-E agora, pai?
-Agora vou para o outro lado do mar...
-Eu vou aprontar o barco e sigo com o senhor.
- Não. Voçê fica, eu vou sozinho.
Meti-o no barco mais seu velho saco. Fui empurrando até onde havia pé. Apontei
a direcção certa e disse-lhe:
-Siga sempre a direito, não desvie...
- Estou no mar, meu filho, já não preciso condução.
E se afastou. Foi a única vez que me chamou de filho. Era, eu sabia, a
despedida. Ouvir da boca dele essa palavra poderia ser uma infância nascendo.
Mas era o adeus dela.
As
minas do Pejão continuam ocupadas pelos trabalhadores.
Um
comunicado do Partido Socialista chama a atenção do Governo provisório e dos democratas
em geral para a gravidade das situações que estão a ser criadas em todo o país
com a nomeação ou a conservação em cargos de responsabilidade de pessoas
ligadas à política fascista e altamente comprometidas com ela.
É
anunciado que Franco se encontra gravemente doente.
A
grande preocupação dos Estados Unidos neste momento é a situação em Portugal,
declarou o Secretário de Estado Henry Kissinger ao jornal brasileiro Tribuna
da Imprensa.
Um
despacho do general Costa Gomes, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas
datado de 5 de Julho gradua no posto de brigadeiro o major de artilharia Otelo
Saraiva de Carvalho
No
acto de posse, Otelo Saraiva de Carvalho afirmou: «que foram
os jovens oficiais dos 25 aos 40 anos que derrubaram o governo anterior, salientando
que «os generais apesar de toda a sua juventude não tiveram coragem de o
derrubar.»
Numa
entrevista à Emissora Nacional, Adelino Palma Carlos anunciou ter formulado
pretensões concretas para poder continuar nas funções de primeiro-ministro:
-
eleições do Presidente da República no prazo de três meses;
-
referendo para a aprovação de uma Constituição Provisória como adiamento das
eleições para a Assembleia Constituinte, até Novembro de 1976;
-
amplos poderes ao Primeiro-Ministro.
Reunido
o Conselho de Estado, houve decisão favorável à terceira pretensão, sendo as
restantes rejeitadas.
Palma
Carlos disse que lhe alargaram os poderes mas «simplesmente não lhe
deram o poder.» razão
que o levou a pedir a demissão do cargo de primeiro-ministro.
Solidarizaram-se
com ele, o ministro sem pasta Sá Carneiro, o ministro da Administração Interna
Magalhães Mota, Vieira de Almeida, ministro da Coordenação Económica,
Tenente-Coronel Firmino Miguel, ministro da Defesa Nacional. Todos os outros membros
do governo mantiveram-se nos seus cargos.
«Saio agora para evitar ter de o fazer mais tarde,
envolto num banho de sangue e de lama.»
Em
25 de Junho, numa entrevista ao Diário de Notícias, alertara: «as maiorias
silenciosas têm de sair do seu comodismo ou do seu temor e de pronunciarem abertamente.»
A
História regista este episódio como «Golpe Palma Carlos», mas por trás encontramos Spínola
e Sá Carneiro, numa tentativa desesperada de um retorno à direita. O objectivo consistia em consolidar o poder pessoal do
Presidente da República e consequente afastamento dos ministrosde esquerda do
governo.
António
Spínola iniciou consultas para a escolha de novo Primeiro-Ministro. Hipóteses
várias foram aventadas e chegou a dar-se como certa a escolha do tenente-coronel
Firmino Miguel para Primeiro-Ministro, mas a escolha veio a recair no Coronel
Vasco Gonçalves.
Adelino
da Palma Carlos forma um novo partido: o Partido Social Democrata Português do
qual fazem parte também Norberto Lopes, Adão e Silva, Ângelo Almeida Ribeiro,
Paradela de Abreu, Jacinto Simões, Alfredo Guisado.
A
crise provocada por Palma Carlos, é acompanhada em Moçambique e Angola por um
surto de terrorismo branco. Consta que em Luanda o governador Silvério Marques
esteve implicado num golpe de estado para a proclamação da «independência
branca».
Legenda:
título da 1ª página do República de 10 de Junho de 1974.
Fontes:
Recortes de acervo pessoal, Diário de Uma Revolução, Mil Dias Editora, Lisboa,
Janeiro de 1978, Portugal Depois de Abril de Avelino Rodrigues,
Cesário Borga, Mário Cardoso, Edição dos Autores, Lisboa, Maio de 1976, Portugal Hoje, edição
da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, A Funda, Artur Portela Filho,
Editora Arcádia, Lisboa.
Com
os cotovelos da camisola gastos por se apoiar no balcão de linóleo, levantando
a caneca de lager, e os fundilhos dos jeans puídos por se suster no banco do
costume, à espera da tarde ou da noite de inopinada maravilha, decidiu que se
impunha, que diabo, radicalizar a mudança de vida. Persistia a chuva de
Aberdeen que molha profundamente, ainda quando não parece cair, e tardava a
Primavera mais do que seria admissível, pondo a doer, de tão imobilizadas, as
ubíquas lâmpadas de vapor de mercúrio.
O
tempo urge. Eu deveria acelerar os movimentos para chegar a tempo e, em vez
disso, vejo-me obrigado, dia após dia, a mover-me cada vez mais devagar.
Emprego mais tempo e disponho de menos tempo. Pergunto a mim mesmo, preocupado:
Será que vou conseguir? Sinto-me compelido pela necessidade… E, contudo, sou
obrigado a marcar passo, embaraçado nos movimentos, desmemoriado e portanto
obrigado a deter-me para anotar tudo de que preciso em folhas que, no momento
oportuno, não encontrarei.
João
César das Neves afirmou, em entrevista à Renascença, que “é criminoso subir o
salário mínimo”, acrescentando que um eventual aumento teria “consequências
dramáticas sobre os pobres”.
Para
o economista, a subida do salário mínimo teria como consequência a queda de
empresas mais frágeis: “vão abaixo e deixam no desemprego os mais frágeis”, nas
palavras de César das Neves.
Para
César das Neves, a questão é a defesa dos pobres: “As pessoas que não são
pobres acham que aquilo tem impacto benéfico sobre os pobres, mas a pobreza é
muito traiçoeira”.
Dermint Bolger, Roddy Doyle, Anne Enright, Hugo Hamilton, Jennifer Johnston, Joseph O'Connor, Colm Tóibín
Criado e organazizado por Dermont Bolger
Tradução: Maria Filomena Louro
Capa: Henrique Cayatte
Publicações
Dom Quixote, Lisboa Junho de 2004
O
vento assobiava fora da janela. Ele olhou fixamente para o tecto e suspirou.
Permaneceu em silêncio durante o que me pareceu uma eternidade. Quando
recomeçou a falar, a sua voz saiu firme e calma.
«O
que eu sinto realmente, pela primeira vez na minha vida, como uma certeza absoluta
e derradeira, é que não existe Deus, nunca existiu e nunca existirá. E que
estou certo em pensar assim. Que o salão de cabeleireiro, as garrafas cheias de
líquido coloridas na prateleira, a cadeira de barbeiro – que só isso existe. Os
miúdos de rua a baterem com a bola de ténis na veneziana. Nada mais. Estas
pessoas, sim. As suas esperanças por um Deus, sim. Mas nenhum Deus. Nenhum
grande ser lá fora. Nenhuma coisa escura. Existe esta conversa, este momento, e
é tudo. Aqui e agora, por exemplo, existe apenas este quarto, existe você e eu
a conversarmos neste quarto, neste hotel, nesta cidades, onde nenhum de nós
mora. Nunca nos conhecemos antes. Hoje à noite conhecemo-nos e falámos. Cinco
minutos mais cedo ou mais tarde e não teria acontecido. Mas aconteceu mesmo.
Esse é o momento sagrado. Se houver um sacramento é esse. Algo mais abrangente
que isso? Muito pouco. As coisas que nos acontecem na vida, sim. As nossas
memórias, sim. Os nossos desejos, sim. O trabalho que os artistas fazem. Se
temos filhos, então os nossos filhos. E todaos aqueles que amamos. Talvez todos
aqueles que já amámos até agora. Mas nada mais. Andamos por cá uma vez e
acaba-se tudo. Mas não faz mal.»
«E
não há vida após a morte?», perguntou ela.
«Não»,
respondeu. «Para mim, não. Porque viver pelo menos uma vez, bem, já é milagre suficiente.»
Nota
do editor: o organizador desta antologia, Dermont Bolger esclarece: Cada capítulo foi escrito
por um autor diferente, estando estes ordenados alfabeticamente e não na ordem
em que aparecem. Deixamos aos leitores a tarefa de os identificar.
Como os meus conhecimentos da literatura irlandesa são largamente escassos, não consigo identificar o autor
do conto de onde a transcrição foi retirada.
Havia girassóis à volta da casa
e as palavras imortais dos espantalhos, uma forma
de evitar que endoidecêssemos. E havia um muro
que era preciso saltar, a manhã gloriosa
da escalada, a ciência das grandes migrações.
Não haverá muitos
“pequenos” livros com tanta história atrás de si.
Falamos de Um Poeta em Nova Iorque, o livro de
poesia que Federico García Lorca (1898-1936) escreveu quando estudou na
Universidade de Columbia, na Big Apple (1929-30), mas que só seria publicado já
postumamente, quase em simultâneo nos Estados Unidos e no México, pelo seu
amigo editor José “Pepe” Bergamín.
Desde a data da edição no final dos anos 30 que se discute se os 32 poemas de
Um Poeta em Nova Iorque correspondiam ao projecto original de Lorca. Parece que
não. Mas agora é possível perceber porquê. É que o original que o poeta
assassinado pelos franquistas logo no início da Guerra Civil, em Agosto de
1936, deixara um mês antes no escritório de Bergamín, em Madrid, foi
redescoberto várias décadas depois. E foi reeditado em Espanha, pela Galaxia
Gutenberg/Círculo de Lectores, supostamente mais de acordo com a proposta
original.
No dia 13 de Julho de 1936, Lorca deixou no escritório de Bergamín, que na
altura estava fora, o original de Um Poeta em Nova Iorque, acompanhado por esta
nota: “Vim aqui para te ver, e devo voltar amanhã”. Não voltou. Seguindo a
descrição de Andrew A. Anderson, um hispanista britânico, especialista na obra
de Lorca e responsável pela nova edição da Galaxia Gutenberg, o texto original
continha poemas manuscritos e outros dactilografados, além de desenhos,
distribuídos por 124 páginas. A ideia do autor seria discutir com o editor a
organização do livro, e Anderson admite que alguns dos poemas pudessem ficar de
fora: “Lorca queria incluir a grande maioria, mas não todos. Aos sobrantes,
chamar-lhes-ia ‘órfãos’”, nota o investigador, citado pelo El País.
Bergamín pensou inicialmente em editar o livro em Paris. Acabou por fazê-lo em
Nova Iorque e no México, país onde se exilou fugindo do regime de Franco —
coube-lhe, por exemplo, como organizador do Congresso Internacional de
Escritores em Defesa da Cultura de 1937, encomendar Guernica a Picasso.
Depois de editar Um Poeta em Nova Iorque, Bergamín ofereceu o original a um
amigo no México, Jesús de Ussía. No final dos anos 1990, estava na posse da
actriz espanhola Manola Saavedra que, então se apercebeu do valor comercial do
caderno e decidiu levá-lo a leilão na Christie’s. Os descendentes de Lorca,
através da fundação com o nome do poeta, contestaram o direito da actriz ao
manuscrito. O Tribunal de Londres deu razão a Manola, e a fundação acabou por
adquirir o documento em leilão, em 2003, por cerca de 200 mil euros.
Dez anos depois, é sobre esse material que a nova edição chegou às livrarias.
Mas continuará por
se saber qual era a ideia de Lorca para o seu livro.
Fonte: Público
Legenda; Imagem de
parte da Oda Walt Whitman em Poeta en Nueva York, em Obra
Completa de Federico Garcia Lorca, Aguilar Ediciones, Madrid 1965.
As tabernas antigamente. As tabernas eram sítios onde as pessoas não
se esqueciam de si próprias. Sítios onde as pessoas falavam e eram ouvidas.
Sabes?, eu era miúdo e gostava de ver os homens a beber copos de vinho. Bebiam
os copos de vinho, assim, de repente, sem parar, e eu não percebia o prazer que
eles tinham em beber assim, de um trago, sem parara, só mais tarde é que
percebi, ficavam sem cólera e sem tranquilidade, bebiam apenas, de um trago,
vinho tinto em copos de três. As tabernas eram sítios de prazer, uma reserva de
conivências aonde os homens iam com prazer e sem preocupações.
Se
nem os carolas da política, da economia, da finança conseguem entender o filme que se anda a passar no grupo BES, que dizer dos pobres diabos que a
única coisa que sabem é viver acima das suas possibilidades e que levaram o
país à bancarrota?
O
estranho disto tudo é que o Banco de Portugal não tenha aprendido nada
com o caso BPN.
A
falta de transparência dos negócios da família Espírito Santo já se arrasta há
anos e é inadmissível que, por compadrio-político-financeiro, à espera de um
qualquer milagre, o Banco de Portugal tenha deixado chegar este caso à
miserável situação a que chegou.
E
à volta do BES, para além de outros, ainda existe o estranho caso da
Portugal Telecom.
Não
tardará muito que nos venham dizer que, a exemplo do BPN, terão de ser
os contribuintes a pagar os desvarios, a incompetência, os gamanços de uma
família que, segundo uma sua representante, gosta de brincar aos pobrezinhos
nas herdades da Comporta.
Mais
ainda: que, no meio de toda esta bagunçada, ninguém ainda se tenha demitido, ou que
ninguém tenha colocado esta gentalha atrás das grades.
O
José Cardoso Pires tinha razão quando pôs a Alexandra Alpha a dizer: