Alisubbo
é errante como alma. Não para desde o nascer ao pôr-do-sol e, mal se senta, um
novo trabalho desponta, por vezes um nada que ele efectua minuciosamente
afirmando que as plantas têm o seu destino. Profere também frases enigmáticas e
eu creio que foi por causa desse aldo envolvente que Luís M. e a Grande Dama me
enviaram para aqui. Mal acaba de regar a horta sobe à cidade na madrugada limpa
de sangue sem que eu saiba que sítio de Lisboa é esse domínio; quando regressa,
cultiva-se com a terra; quando planta as batatas fá-lo com rigor e, ao mesmo
tempo, eleva-as no ar e diz-lhes uma palavras antes de as cobrir, Faz a sesta
de maneira irrequieta levantando-se mil vezes para cuidar um tronco, desviar ou
matar insectos, erguer um feijão verde, ou trepadeira, dar água a um pé de milho
que seca na sede; nem à noite se acomoda definitivamente para dormir.
Apaixonamo-nos pelas pessoas, quando as escutamos. Amamo-las. E só
deixamos de as desejar quando deixamos de as ouvir. Com as casas passa-se o
mesmo. Depois fica apenas uma ténue lembrança. Grata. Porque cheia de memórias.
Permitam-me que insista. As casas são como as pessoas. Porque também
haveremos de amá-las mais quando elas deixarem de nos ser. Quando as perdermos.
E, então, das duas uma: ou haveremos de desejá-las em ruínas, ou haveremos de
desejar a nossa morte. Ou as duas. Depois, não teremos coragem nem para uma
coisa nem para outra. Guardaremos essa mágoa. Sobreviveremos.
Dóris Graça Dias em As Casas
Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia
Quando pelo Natal de 2003, surgiu nos escaparates uma compilação, em CD, com algumas das canções de Serge Giansbourg.
Inevitavelmente lá aparece o Je t'aime moi non plus, mas com o Gainsbourg a fazer dueto com Brigitte Bardot, no lugar da inglesinha Jane Birkin.
Como não se pode saber tudo, desconhecia que Brigitte Bardot foi o grande amor da vida de Serge Gainsbourg e que a canção foi composta, especialmente, para ela.
Tal como Harley Davidson, a canção da motard enlouquecida de cabelos ao vento.
HÁ HISTORIADORES que designam o Setembro de 1974 como tendo
sido um Setembro Negro.
O 28 de Setembro foi uma tentativa pífia de conspiração da
extrema-direita, apoiada por Spínola, tendo como pano de fundo uma manifestação
daquilo que o general designou como «maioria silenciosa» e constitui um
dos principais marcos do processo revolucionário.
Em Julho, Spínola já tinha dito: «As maiorias silenciosas têm de
sair do seu comodismo ou do seu temor e de se pronunciarem abertamente».
O PARTIDO LIBERAL, no dia 13, redige um comunicado apelando
para que as pessoas começassem «a organizar a sua vida para aderirem à Grande
Manifestação, e apoiar firmemente Sua Excelência na execução do Programa do
Movimento das Forças armadas entendido de boa fé, como via para a democracia
personalista, pluralista e livre».
MARCADA a data da manifestação da «maioria silenciosa» para
o dia 28.
DURANTE A MADRUGADA do dia 18 são afixados os cartazes.
ESTAVA PREVISTO O ALUGUER DE CAMIONETAS para transportar os
manifestantes, aluguer sinalizado antecipadamente com dinheiro emprestado pelo
Banco Espírito Santo.
NO DIA 20, num comício na Amadora, Álvaro Cunhal denuncia: «Se a
reacção aguça os dentes e se prepara para morder, é necessário partir-lhes
antes que morda»!
NA TRADICIONAL CORRIDA DE TOUROS, na Praça do Campo Pequeno,
de apoio à Liga dos Combatentes, é feito o ensaio geral da manifestação. Gratuitamente
foram distribuídos bilhetes no valor de 300 contos. Spínola marca presença,
acompanhado por Vasco Gonçalves, que é apupado enquanto Spínola é delirantemente
aplaudido. A cada passe tauromáquico a populaça gritava: «Portugal! Ultramar Ultramar!».
O cavaleiro João Zoio apareceria, no meio da arena, ostentando o cartaz da manifestação da «maioria
silenciosa», enquanto pela instalação sonora era feita uma convocatória
para a manifestação.
NO DIA 27 o Governo Provisório manifesta a Spínola a sua
discordância sobre a manifestação e este emite um comunicado agradecendo a
intenção de apoio da «maioria silenciosa» mas declarando
que neste momento a manifestação não seria conveniente
NA MADRUGADA do dia 28 populares montam barricadas em
diversos pontos do país para evitar qualquer avanço de forças reacionárias.
Organizaram piquetes, revistaram automóveis na procura de armas.
Cristóvão Aguiara escreve no seu Relação de Bordo: « …
mas quem pode, em dias tão agitados como estes, ficar em casa?»
ANTÓNIO SPÍNOLA convoca o Conselho de Estado para o dia 30, renuncia
ao mandato presidencial e os capitalistas portugueses vêem esfumar-se uma
oportunidade de recuperar privilégios perdidos, transferem os seus capitais
para o estrangeiro e, muitos, abandonam o país.
Costa Gomes é o novo Presidente da República.
ARTUR PORTELA Filho e o final de uma das suas Fundas:
O general Spínola mobilizou a maioria silenciosa.
O MFA mobilizou o País.
Foi um opção.
Que o general Spínola cometeu o erro de fazer.
Porque a maioria não é silenciosa.
Porque o MFA é o País.
Legenda: as imagens dos cartazes foram retiradas de Portugal
Século XX de Joaquim Vieira, Bertrand Editora, Lisboa, Novembro de
2007.
Fontes: Recortes de acervo pessoal, Diário de Uma Revolução,Mil
Dias Editora, Lisboa, Janeiro de 1978, Portugal Depois de Abrilde
Avelino Rodrigues, Cesário Borga, Mário Cardoso, Edição dos Autores, Lisboa,
Maio de 1976, Portugal Hoje, edição da Secretaria de
Estado da Informação e Turismo, A Funda, Artur Portela Filho,
Editora Arcádia, Lisboa.
Dia 29 na Casa da Música no Porto, dia 30 no Centro Cultural de Belém
em Lisboa.
Foi Pedro Almodôvar quem lhe fez a apresentação: “Sapatos Altos” era o filme.
Só muito vagamente, de Luz Casal, ouvira falar, mas tinha duas canções na banda
sonora que lhe ficaram no ouvido.
Ao tempo, disco da banda sonora ainda não existia, mas conseguiu encontrar
“Luz”, onde estavam incluídas as tais duas canções do filme: “Piensa en Mi” e
“Un Año de Amor”.
Acabou por gostar de todo o disco e passou a seguir, nas “músicas do mundo”, os
passos desta galega de origem.
Há três anos lutou contra um problema cancerígeno. Deu-lhe a volta e decidiu
fazer um disco de boleros.
“O apelo visceral destes boleros. Porque quando cantamos canções relacionadas
com os sentimentos, sempre nos passa algo por dentro não fica à flor da pele.
Mas tive cuidado para não exagerar, porque senão ficaria uma caricatura, não
seria verdade. Na música podemos estar à beira da lágrima mas se a lágrima cai
isso não é bom, é como um “overacting”.
É preciso calma e distância para cantar uma canção sentindo-a mas não fazendo
dela uma ferida.
Porque sangra.
”A vida vale sempre a pena, mesmo que seja uma luta desesperada como a de Luz
Casal – tanta outra gente - sim porque, sabe-se, nada disto é um jardim de
rosas.
Mas agora soube que Luz Casal cancelou todos os concertos até ao final do ano.
Uma nova luta.
Depois chegará um novo disco… chegará… Vai torcer por isso.
Horas demasiado lentas, dias demasiado rápidos.
Manda descer um charuto, coloca o disco no CD player, e sente um leve arrepio
quando a voz de Luz se deixa de ouvir, os metais surgem e os violinos ficam em
fundo.
Pedro Passos Coelho recusou hoje fazer
"striptease bancário" das suas contas no período 1997-1999.
Fê-lo depois de António José Seguro lhe ter exigido
que levantasse o sigilo bancário sobre as suas contas nesse período, para
provar definitivamente que foi mesmo deputado em exclusividade nessa altura.
"Se eu tiver que fazer o striptease para deleite
dos leitores de jornais - eu isso não faço", disse Passos.
2.
O Presidente da República sublinhou esta tarde que
Passos Coelho respondeu "a todas as questões que lhe foram colocadas"
sobre o caso Tecnoforma e que "escolheu o sítio certo" para o fazer,
a Assembleia da República, por ser a instituição que fiscaliza o Governo.
Para
o fim do Verão daquele ano vivíamos numa aldeia que, para lá do rio e da
planície, confrontava as montanhas. No leito do rio havia seixos e pedregulhos
secos e brancos ao sol e a água clara corria suavemente pelos canais. Passavam
tropas em frente da casa e desciam a estrada, e a poeirada que levantavam
cobria as folhas das árvores. Os troncos das árvores estavam também cobertos de
pó e as folhas caíram cedo naquele ano e víamos as tropas marchando pela
estrada fora e o pó que se levantava e as folhas levantadas pela brisa caíam
sobre os soldados em marcha e depois a estrada deserta e branca sem nada além
das folhas.
Lembro-me do cheiro do vinil, do Valentim de
Carvalho, das capas dos EP e LP, do Salut les Copains, e do desespero que vivi
quando o meu primeiro78 rotações do Bill Halley, que ainda cheguei a ouvir numa
reles grafonola, se partiu em cacos. E das festas e reuniões, dos namoros, da
animação e do divertimento espontâneo e saudável, tudo isso com a
"nossa" música como pano de fundo e elemento aglutinador.
Luís de Freitas Branco no Prefácio à Biografia do Ié-Iéde Luís Pinheiro de Almeida
- Vamos lá ouvir essa Malagueña – e eu tocava-a – Apanhaste-a
bem – Depois punha-me a improvisar em torno do tema, Então ele dizia: - Espera
lá, não é bem assim!
- Pois não, vô, mas podia ser.
- Estou a ver que estás bem encaminhado.
No princípio, o que mais me interessava não era tornar-me
guitarrista. A guitarra era apenas um meio para alcançar um fim: produzir som.
Mas à medida que progredia, sentia-me cada vez mais fascinado pelo instrumento
em si. Acho mesmo que, se queres ser guitarrista, o melhor é começar com a acústica
e só mais tarde passar à eléctrica. Não penses que lá porque consegues sacar um
uí, uí, uí, uá, uá e outros truques electrónicos te vais tornar num Townshend
ou num Hendrix. Primeiro, tens de conhecer a malandra. Ir para a cama com ela. À
falta de garina, dormes com a guitarra. Tem a forma certa.
O Outono, eram 02,29 horas, olhou a passadeira vermelha, e entrou
portas dentro.
O Natal está porta.
Os pássaros voltarão em Março.
Desde o Domingo 14 que, diariamente, nos fomos despedindo do Verão, com
uma pequena recolha de versões de Summertime.
Havia centenas de chaves de ouro para encerrar esta evocação.
Escolhi a versão do Sr. Sydney Bechet, e acrescento-lhe, de Ruy Belo, o Primeiro Poema
do Outono, tirado de Aquele Grande Rio Eufrates:
Mais uma vez é preciso
reaprender o outono-
todos nós regressamos ao teu
inesgotável rosto
Emergem do asfalto aquelas
inacreditáveis crianças
e tudo incorrigivelmente principia
Já na rua se não cruzam
olhos como armas
Recebe-nos de novo o coração.
Hoje fui à praça e encontrei a hortaliceira muito desanimada
com os militares no Governo.
~Tem lá algum jeito! – dizia-nos enquanto me tentava ainda
com um molhinho de rabanetes . então eles perderam a guerra que era a única
coisa que sabiam fazer e, agora, querem-nos governar?
Os patrões
querem prolongar para 2015 o pagamento pela metade das horas extra e feriados.
Defendem que as empresas continuam sem capacidade financeira para repor o
pagamento integral. O tema, levantado em encontros bilaterais, deverá subir de tom
à medida que se aproxima o Orçamento do próximo ano, mas conta à partida com a
oposição dos sindicatos.
Quão longe vão os tempos em que as férias de Verão eram mesmo Férias Grandes.
As
escolas e os liceus acabavam pelo findar de Junho e só voltávamos, consoante
fosse liceu ou primária, a 1 e 7 de Outubro.
Os
Bailes dos Bombeiros, nas noites escaldantes do Verão dos anos 60,damas ao
bufete, garrafas de vinho branco Camilo Alves metidas em gelo dentro de
um enorme alguidar de alumínio, cada taça vinte e cinco tostões, Victor Gomes e
os seus Gatos Negros a tocarem Honeymoon, não em arranjo Marino Marini, mas num
arranjo muito deles.
É Joni Mitchel que, hoje, nos traz a versão de Summertime e ao piano está o Sr. Herbie Hancock
Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.
Aqui se conta a
história de como eu, John Wayne e um bêbado que encontrara a dormir no
balcão de um “saloon” demos cabo do perigoso bando de Steps Rabbit e Paul
Doors.
A coisa durava já há demasiado tempo…
Qual Robin dos Bosques às avessas, descaradamente e com
total impunidade, o bando roubava aos pobres para entregar aos ricos...
O “Sheriff” Cave Silver, quando chamado a pronunciar-se,
balbuciava três ou quatro frases incompreensíveis e assobiava para o lado, como
se não fosse nada com ele…
A gentalha lamentava-se às escondidas, mas ninguém mexia uma
palha para mudar fosse o que fosse.
Alguns, como eu, pensavam que a brincadeira já
tinha chegado longe demais e interrogavam-se se a única alternativa não
seria corrê-los a tiro da cidade. Mas a verdade é que ninguém avançava…
Decidi então chamar a mim essa responsabilidade. Mas
precisava de ajuda, e puxei pela cabeça…
John Wayne, complicado como sempre, duvidava dos
pressupostos ideológicos da empreitada e dizia-me que era bom era com uma
espingarda Winchester 1892 na mão, e não com um par de pistolas... Para
conseguir a sua colaboração tive de lhe garantir que ficaria com a Angie
Dickinson no final, e que lhe faria um plano daqueles que só Hawks e Ford
lhe souberam fazer, em que ficava assim como suspenso no tempo, os braços e a
espingarda ao longo do corpo, a balouçar para lá e para cá como se estivesse a
ser batido pelo vento.
Quanto ao bêbado, esse ansiava por uma boa garrafa de vinho
e por justiça social, se possível exactamente por esta ordem. E nem
pestanejou quando lhe pus em frente um frasco de whisky, garantindo-me que, na
altura da verdade, as suas mãos não lhe iriam tremer, como estava a suceder
naquele preciso momento…
A cidade estava deserta e embora se vissem às janelas alguns
vultos a espreitar envergonhadamente por detrás dos cortinados, ninguém
ousara, uma vez mais, sair à rua.
O silêncio era total, interrompido, aqui e além, pelo
barulho dos cavalos que relinchavam nos estábulos e pelo ladrar dos cães do
Velho que, como sempre, andavam engalfinhados uns com os outros.
Aproximava-se o meio-dia, e desde O Comboio Apitou Três
Vezes que toda a gente sabe que meio-dia é a hora a que os bandidos descem à
cidade
Teria sabido bem, enquanto esperávamos, uma musiquinha
tipo My Riffle, My Poney And Me, mas a verdade é que nenhum de nós sabia
cantar. Ainda me lembrei de contratar Daniel Bacelar, um Ricky Nelson
português que me sairia mais barato, mas já era muito tarde para fazê-lo
embarcar de Lisboa…
Das primeiras sombras vislumbradas no horizonte até à
entrada na cidade decorreu uma eternidade e o silêncio tornara-se cada
vez mais insuportável.
Doors e Rabbit não vinham sós. Traziam com eles o
ajudante Charlie Coins, que vinha dar um último passeio pela cidade antes de
rumar a outras paragens.
Vinham descontraídos, alegres e bem dispostos, a
contarem uns aos outros anedotas de subidas de salários mínimos, novos impostos
e cortes de pensões, rebolando-se a rir à gargalhada em cima das suas selas.
Nunca pensaram que alguém os pudesse enfrentar face a face,
e quando deram por nós já era tarde demais.
John Wayne e o bêbado cumpriram a sua tarefa com uma
desenvoltura e uma rapidez que já está, como diria Molero. Rabbit e Coins
caíram como tordos para não mais se levantarem…
Havia pedido aos meus parceiros que deixassem para mim o
tipo do nariz comprido, por pensar que talvez fosse ele o menos hábil a manejar
uma pistola, mas a verdade é que não consegui matar à primeira Paul Doors.
Ficou caído no chão a espernear, a borrar-se todo e a
gritar pela sua mãezinha.
Com as poucas forças que ainda lhe restavam arrastou-se pelo
chão e agarrou-se às minhas pernas, prometendo-me lugares de administração em
tudo o que fossem ranchos nos arredores se lhe poupasse a vida.
Pareceu-me vê-lo sorrir quando lhe disse que era
irreversível, e ainda mais me sorriu quando lhe meti pela garganta abaixo o
cano da pistola, imediatamente antes de um esgar de pânico tomar conta do seu
rosto ao perceber, pelo meu olhar, que desta vez o irreversível seria mesmo
irreversível…
Fechei os olhos e disparei.
O que teria visto se os tivesse aberto não seria nada que já
não tivesse encontrado muitas vezes nos filmes do Tarantino e do Robert
Rodriguez...
Mas mantive-os fechados durante tanto tempo que me pareceu
uma eternidade. E ainda estava de olhos fechados quando o borburinho começou a
tomar conta da cidade, e os medrosos de há pouco assumiam agora, sem
qualquer risco, a sua alegria e a sua coragem.
Os restantes capangas do bando, esses haviam entregue de
imediato as suas armas sem pestanejar
O “Sheriff” Cave Silver, chamado ao local, abriu alas
por entre a multidão, olhou para os três corpos estendidos no chão, balbuciou
duas ou três frases incompreensíveis e seguiu o seu caminho, como se não fosse
nada com ele. E foi o mais acertado que poderia ter feito, porque um
passo em falso ou uma frase fora do contexto e teria ido, também ele, desta
para melhor…
Teria sido bonito sair da cidade tipo justiceiro
solitário, como nos filmes do Clint Eastwood, muito direito na minha sela,
chapéu enfiado na cabeça até aos olhos e o cavalo em passo lento,
enquanto novelos de cotão atravessavam o plano levados pelo vento.
Mas a verdade é que não me apetecia estar sozinho.
Não naquele dia em que, pela primeira vez, havia ceifado a
vida a um Ser Humano. E a sangue frio, ainda por cima…
Mas a verdade é que não havia nada a fazer.
John Wayne havia pregado dois beijos e uma palmada no rabo
da Angie Dickinson e zarpara de imediato para Hollywood, onde o esperava mais
um filme de “marines”.
O Velho mal se arrastava nas suas pernas e jamais
seria capaz de abandonar os seus cães e a cidade onde desde há muito se
habituara a viver.
O bêbado, esse tudo quanto ainda esperava da vida estava
naquele balcão daquele “saloon”, no fundo daquela garrafa.
Despedi-me de todos, sabendo que saudades, verdadeiras
saudades, só iria sentir do Velho. Das canções antigas que me cantava
enquanto bebíamos um copo de vinho e fumávamos um charuto rasca, de
pernas esticadas no alpendre… Das suas gargalhadas, dos nomes que
me chamava...
Sabia que o mais certo seria nunca mais encontrar nenhum
deles, excepto os políticos e os oportunistas porque a esses, como dizia
Chandler dos polícias, ainda ninguém inventou maneira de lhes dizer adeus.
Não tinha, por isso, grandes ilusões em relação ao futuro.
Sabia que bando morto bando posto, e aqueles abutres que havia visto
alegremente aos pulos pelas ruas da cidade não auguravam nada de bom…
Enquanto me preparava para virar costas à cidade, não me
sentia muito bem comigo próprio… A minha costela humanista não parava de
me gritar que, salvo raríssimas excepções, felicidade nenhuma
poderá ser conquistada sob a perda de um Ser Humano. Mas procurava
consolar-me dizendo-me que talvez esta tivesse sido uma dessas
excepções e, quem sabe, talvez que muita gente me viesse ainda a agradecer no
futuro…
Absorto nos meus pensamentos, só muito tarde me apercebi da
algazarra que se passava atrás de mim.
Virei-me e deparei com o Velho que, acompanhado pelo mais
fiel dos seus cães, ensaiava uns passos de dança enquanto cantarolava uma
das músicas que sabia que eu mais gostava.
Parou quanto o olhei nos olhos, receoso que o recambiasse de
volta para a cidade.
De certeza que a sua miopia não o deixaria ver as minhas
lágrimas, mas e verdade é que, de repente, soltou uma sonora gargalhada,
chamou-me um nome muito feio e perguntou-me, pela enésima vez, se alguma vez
tinha sido mordido por uma abelha morta…
Um domingo, o último do Verão deste ano, com raios e
coriscos, chuva a cântaros.
Hoje, a escolha da versão de Summertime, também é de cinco estrelas: Billie Holiday.
Conhecia a horta de Verão da casa dos velhos para onde os meus pais me
mandavam, miúdo, passar as férias, numa aldeia plana, cercada por canais de
irrigação e renques de árvores, com vielas entre arcadas baixas e
águas-furtadas muito altas. Da minha infância só me ficara o Verão. As ruas
estreitas que por toda a parte desembocavam nos campos marcavam de dia e de
noite as fronteiras da minha vida e do mundo. Era um grande acontecimento se um
automóvel, a buzinar com estrépito, vindo sabe-se lá de onde, atravessava a
aldeia pela estrada principal e se afastava sabe-se lá para onde, para outras
cidades, para o mar, levantando uma nuvem de garotos e de poeira.
Tem sido uma semana levada do diabo, tempos formidáveis.
Neste momento, em Lisboa, chove torrencialmente, chuva acompanhada de trovoada.
E ainda é Verão.
Escolho hoje a ternura de uma canção brasileira: É Isso Aí, cantada por Ana Carolina e seu Jorge.
Bom domingo!
Juntamente,
com tantos outros, ajudou a que todos os meus dias fossem diferentes.
Há uns anos atrás aborrecia-se com os jornalistas: Não percebo o fascínio que as pessoas têm com o número de mylheres que tive. A grande naioria das minha noites passei-as sozinho. E não foi por opção.
Deverão
existir meia-dúzia de canções de Leonard Cohen de que não gosto muito, mas não
sei dizer quais são.
Pelos
seu aniversário, colocar uma canção de Cohen de que gosto mesmo, é tarefa
aparentemente fácil.
Acontece
que não é. Antes terrivelmente difícil.
Arrisco
Bird On the Wire.
Como um pássaro num fio pousado
como um bêbado num coro nocturno
eu tentei a meu modo ser livre.
Como uma minhoca num anzol
como um cavaleiro de algum livro antigo
eu guardei todas as minhas condecorações para ti.
Se eu, se eu não fui amável
espero que não dês importância a isso
se eu não fui sincero
espero que saibas que isso nunca foi para ti
como uma criança nascida sem vida
como um animal com o seu chifre
eu feri todos os que me tentaram tocar
mas juro por esta canção
e por todo o mal que já te causei
que farei tudo para te compensar.
Eu vi um pobre apoiado na sua muleta de madeira
ele disse-me:«Não deves pedir tanto»
e uma mulher bonita encostada a uma porta escurecida
gritou-me, «Eh, porque não me pedes mais?»
como um pássaro num fio pousado
como um bêbado num coro nocturno
eu tentei a meu modos ser livre
(Tradução de Manuel Cadafaz de Matos)
O capricho de um segundo
roubou-me o meu futuro
provisoriamente inteiro.
Hei-de reconstruí-lo ainda mais belo
como o imaginava desde o princípio.
Hei-de reconstruí-lo sobre esta terra firme
que se chama a minha vontade.
Hei-de elevá-lo sobre os altos pilares
que se chamam o meu ideal.
Hei-de dotá-lo de um subterrâneo secreto
que se chama a minha alma.
Dotá-lo-ei de uma alta torre
que se chama solidão.
Quando
o fim de Verão cai sobre a praia – uma grande chapelada aos Chats
Sauvages –
apetece ainda um louvor às mulheres que preenchem a areia, o mar, deliciosamente descrito
por Cesare Pavese em A Praia:
No dia seguinte encontrávamo-nos no alto do escolho, eu e
Doro, e abaixo de nós Célia, deitada de costas, com os olhos tapados. O toldo,
na areia, estava deserto. Voltámos a falar de Mara e concluímos que uma praia é
feita de mulheres e, quando muito, de crianças. Falta um homem e ninguém
repara; falta uma Mara qualquer e desfaz-se o grupo.
Hoje, a aparecer por aqui, a primeira versão tocada de Summertime-
Nota do editor: Esta é uma grande canção de Bob Dylan. Infelizmente o You Tube não disponibiliza Absolutey Sweet Marie cantada por Dylan.
Certamente Dylan é Dylan, mas o Sr. George Harrison não o deixa ficar mal.
Digo eu.
Faz
hoje 80 anos e continua irresistivelmente fascinante.
Diz
a lenda que o segredo de sua beleza é o amor à vida e ao esparguete,
Tudo o que vêem devo ao macarrão, além de banhos com
azeite de oliva. quando me olho ao espelho,vejo-me feliz.
Algures,
num canto do país, num domingo à noite, 30 de Julho de 2006, Tiago Galvão
escrevia:
Que faço a esta hora da noite? Sonho, meus caros. Sonho
com os clássicos. Mais propriamente, com Sophia Loren. A doce menina que
cresceu nos arredores de Nápoles, entre a decadência e a perdição. A pecaminosa
mulher, filha ilegítima de Romilda Villani e Riccardo Scicolone. A diva, que,
ainda na adolescência, conheceu o homem, Carlo Ponti, vinte e dois anos mais
velho, com quem se haveria de casar por duas vezes, uma em 57 e outra em 66 até
aos dias de hoje. A senhora, que, em 82, cumpriu dezoito dias de prisão, por
fuga aos impostos. No fundo, a bela e imortal Sophia, a minha paixão, que tem
menos cinco anos que a minha avó Alice, o meu grande amor. Mas enquanto a minha
querida avó passa os dias silenciosamente, encostada a um canto, sentada numa
cadeira, a fazer tricô, o que faz Sophia? Sophia pousa semi-nua, para o
calendário da Pirelli. Sim, leram bem, Sophia Loren, aos setenta e um anos, em
indumentária desenhada por Giorgio Armani, com quantidades modestas de tecido,
submete-se a uma cama e deixa-se fotografar. Porquê? Não sei, ninguém sabe e,
sinceramente, ninguém quer saber. Sophia Loren não pousa em nome da luta contra
o cancro, nem sequer o da mama, e, ainda menos, pelos direitos dos pobres dos
animaizinhos, que todos os anos morrem espancados por fétidos donos como eu.
Sophia Loren pousa por nós. Pelo nosso deleite. Pelo nosso inteiro e imerecido
deleite. Pela nossa devoção.
Tradução: Fernando Gil Capa: João da Câmara Leme Colecção Livro de Bolso nº 23 Portugália Editora, Lisboa s/d
- É inacreditável – disse - , mas a alma mais antiga que
temos dentro de nós é a de crianças. Parece-me que continuo a ser uma criança.
É o mais velho hábito que possuímos…
Pelo
Verão deparava-se com sentimentos vários. Tinha dias em que o odiava, e a quietude
do Outono, que se aproximava, não o deixava sossegado.
Lera,
já não lembra onde: «No Inverno penso que a Primavera me vai salvar e, no
Verão, penso que será o Outono, e, no Outono, fico a pensar que é sempre o
mesmo; esperar de uma estação para outra.»
Maria Callas também cantou Summertime.
Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.
Com Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas, um esboço de romance, uma
reflexão sobre o poder e a violência, que chegará às livrarias no próximo dia
23 de Setembro, acaba-se a obra de José Saramago, o homem
que não queria morrer sem ter dito tudo.
O JL, saído hoje para as bancas, regista o
acontecimento.
Numa
abordagem ao livro, Carlos Reis, um dos principais especialistas da obra de
Saramago, escreve:
E assim, o que está em Alabardas, Alabardas, Espingardas,
Espingardas é tão-só uma palavra dita em fim de vida, quando o homem lúcido que
foi José Saramago entendeu que era seu dever trabalhar até ao derradeiro
alento; e tentar honradamente que a sua obra ficasse para além dele.
Nota
do Editor: o habitual desta secção é a apresentação da capa, os colaboradores,
a editora e a transcrição de um excerto da obra.
Porque
se entende que o Intróito Inaugural, da autoria de Vitor Silva Tavares, é de uma
importância extrema e clarividente – está lá tudo! - resolveu-se digitalizá-lo
e deixá-lo por aqui.
Vão faltar tantas estupendas versões de Summertime.
Mas a de Nina Simone de modo algum poderia estar nesse número.
O resto é o Verão a encaminhar os seus passos para o Outono.
Alice só tinha ido ainda uma vez à praia e chegara à conclusão de que a qualquer praia onde uma pessoa vá há-de encontrar sempre uma série de barracas, crianças a cavar na areia com pazinhas, uma fila de pensões e hotéis e, por ta deles, uma estação de caminho de ferro.
Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll, Publicações Europa-América, Lisboa Outubro de 1977.
Digo
às vezes que não concebo nada tão magnífico e tão exemplar como irmos pela vida
levando pela mão a criança que fomos, imaginar que cada um de nós teria de ser
sempre dois, que fôssemos dois pela rua, dois tomando decisões, dois diante das
diversas circunstâncias que nos rodeiam e provocamos. Todos iríamos pela mão de
um ser de sete ou oito anos, nós mesmos, que nos observaria o tempo todo e a
quem não poderíamos defraudar. Por isso é que eu digo, e esta será a epígrafe
desse Livro das Tentações: «Deixa-te levar pela criança que foste». Creio que
indo pela vida dessa maneira talvez não cometêssemos certas deslealdades ou
traições, porque a criança que nós fomos puxaria pela manga e diria: «Não faças
isso».
NUMA
CONFERÊNCIA realizada em Djakarta, o dirigente do Partido Pró-indonésio afirmou
que a 70% da população de Timor pretende a unificação política com a Indonésia.
NUMA
VIAGEM que efectuou às Lajes, Mário Soares anunciou que é propósito de Portugal
manter o acordo que permite aos americanos a utilização daquela base aérea,
obtendo porém alguma contrapartida que beneficie especialmente os habitantes
dos Açores.
NO
ESTÁDIO Universitário, em Lisboa, reúnem-se pela primeira vez em público as Testemunhas
de Jeová.
OS
TRABALHADORES do Jornal do Comércio manifestam-se irredutíveis quanto ao saneamento de
Carlos Machado, director do jornal.
OS
SINDICATOS dos trabalhadores das Artes Gráficas, Jornalistas, Administrativos e
Revisores de Imprensa e Vendedores de Jornais e Lotarias, em Assembleia
Plenária realizada na Voz do Operário, decidiram uma greve de 24 horas (4 de
Setembro),em solidariedade para com os trabalhadores do Jornal do
Comércio.
ENTRADA
no dia 5 de Setembro que Cristóvão Aguiar colocou no seu Diário «Relação de Bordo» «A
História diz-se, não se repete. Mas, se não queda mal o perguntar, não será
possível, em Portugal, uma edição revista e remodelada do Chile? É que há por
aí movimentos escudos, olhos espreitando do fundo dos seus poços de sombra
velha, aguardando a hora do grande descuido, também muitos corvos crocitando
e corujas piando nas torres de algumas igrejas…»
MILHARES
DE PESSOAS, num comício realizado no Pavilhão dos Desportos em Lisboa,
presidido por Rui Luís Gomes, exigiram o fim da repressão no Chile.
A
INTERSINDICAL, de acordo com o pedido da Central Única dos Trabalhadores do Chile
(CUT) e de acordo com todas as organizações internacionais, decidiu que no dia
11, pelas 11 horas, hora a que foi assassinado o presidente Salvador Allende,
uma paralisação de cinco de 5 minutos como forma de solidariedade e apoio à
luta do povo chileno.
SEGUNDO
O Expresso de 7 de Setembro, muitos padres estão a levantar obstáculos à campanha
de alfabetização desenvolvida por um grupo de estudantes universitários.
APROVADA
em Conselho de Ministros a nacionalização dos bancos de Portugal, de Angola e
Ultramarino.
MÁRIO
NEVES é nomeado o primeiro embaixador português em Moscovo.
EM
LUSAKA as delegações de Portugal e da FRELIMO chegam a total acordo. Deste
modo, Moçambique obterá a independência em meados de 1975.
É
ANUNCIADO em Portugal um golpe reccionário em Moçambique em que extremistas
brancos ocuparam o Rádio Clube de Moçambique e soltaram os Pides detidos na
Machava. O MFA considera estes actos como crimes de alta traição aos superiores
interesses de Portugal e de Moçambique, enquanto Vasco Gonçalves afirma que são
«obra de uma minoria desesperada que não compreende o futuro.»
É
ANUNCIADO oficialmente que os motins de Lourenço Marques originaram 100 mortos
e 250 feridos, sendo negros a maior parte das vítimas.
NO
ACTO OFICIAL de reconhecimento solene por Portugal da República da Guiné-Bissau
(10 de Setembro), o Presidente da República António Spínola, na sua comunicação ao país disse:«A
maioria silenciosa do povo português terá pois de despertar e de se defender
activamente dos totalitarismos extremistas que se degladiam na sombra
servindo-se das técnicas bem conhecidas de manipulação de massas para conduzir
e condicionar a emotividade e o comportamento do povo perplexo e confuso por
meio século de obscurantismo político.»
JOVENS
PARTIDÁRIOS DO MPP-Movimento Popular Português, foram detidos a colar cartazes
no Terreiro do Paço em Lisboa:
SEGUNDO
UM grupo de democratas espanhóis, os Pides estão a ser bem recebidos pelas
autoridades espanholas.
MÁRIO
SOARES encontrou-se em Paris com o presidente Leopold Senghor e informou que
Portugal tenciona debater a independência de Angola com o MPLA, a FNLA e a UNITA.
PÁGINA
61 de Portugal Depois de Abril:«O recurso ao financiamento estrangeiro
não foi possível: o boicote económico do capitalismo internacional era já um
facto, apesar das promessas demagógicas dos governos sociais-democratas e da
OCDE e CEE, que não se concretizaram.
O boicote do grande capital mundial intensificou-se logo que Palma Carlos foi substituído por Vasco Gonçalves.»
Legenda:
1)O Século, 7 de Setembro de 1974
2)Diário de Lisboa, 14 de Setembro de 1974
3)Expresso, 7 de Setembro de 1974
Fontes:
Recortes de acervo pessoal, Diário de Uma Revolução, Mil Dias Editora, Lisboa,
Janeiro de 1978, Portugal Depois de Abril de Avelino Rodrigues,
Cesário Borga, Mário Cardoso, Edição dos Autores, Lisboa, Maio de 1976, Portugal Hoje, edição
da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, A Funda, Artur Portela Filho,
Editora Arcádia, Lisboa.