O
posto da Rádio Luxemburgo era particularmente difícil de sintonizar. Andava de
um lado para outro no quarto, com o radiozinho colado à orelha, rodava a
antena. Baixinho, para não acordar os meus pais. Se conseguisse fixar o posto,
trazia o rádio para debaixo dos cobertores e só deixava de fora a antena. Já
devia estar a dormir, na manhã seguinte tinha escola. Carradas de anúncios às
Joalharias James Walker, «numa rua perto de si», e à lotaria irlandesa com quem
a Rádio Luxemburgo devia ter um acordo qualquer. Durante os anúncios, o sinal
era perfeito, «Agora vamos ouvir Fats Domino, Bluberry Hill», e zumba, lá se ia
ele. Merda!
«Since my baby left me…» Que entrada. Que som. Foi
o gatilho que faltava. O primeiro rock and roll que eu ouvi. Uma maneira
totalmente diferente de dar vida a uma canção, um som totalmente diferente,
despojado, em chamas, sem tretas, sem violinos nem coros femininos, nem piroseiras.
Totalmente diferente. Um som nu, que ia direito às raízes que sempre tinhas
pressentido mas nunca tinhas ouvido. Só por causa disso tenho de tirar o chapéu
ao Elvis. O silêncio é uma tela, uma moldura, existe para o trabalhares, não
para o disfarçares. Foi esse o efeito que Heartbreak Hotel teve em mim. Nunca
tinha ouvido nada tão genuíno, Tinha de descobrir outras cenas do gajo.
Felizmente, apanhei-lhe o nome. Voltou o sinal da Rádio Luxemburgo: «Acabámos
de ouvir Elvis Presley, Heartbreak Hotel.» C’um caralho!
Keith Richards em Life,
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