FALA
DO HOMEM NASCIDO
(Chega
à boca de cena, e diz:)
Venho da terra assombrada,
do ventre de minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.
Trago boca para comer
e olhos para desejar.
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo
não tenho tempo a perder.
Minha barca aparelhada
Solta o pano rumo
ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem
correntes que me detenham.
Quero eu e a natureza
que a natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.
Com licença! com licença!
que a barca se fez ao mar.
não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.
António
Gedeão em Poesias Completas
Música
de José Niza
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