Quando se pergunta pelas causas da barbárie que campeia no
autodesignado Estado Islâmico do Iraque e Levante, ergue-se um muro de
silêncio. Isso explica-se por um paradoxo: tudo indica que para enfraquecer os
fundamentalistas será preciso uma intervenção armada externa. Contudo, os
fundamentalistas só ganharam o seu atual poderio pela sucessão de intervenções
armadas, insensatas e incompetentes, do Ocidente. Vejamos. Os primeiros
responsáveis chamam-se G. W. Bush e Blair. A sua invasão do Iraque em 2003, não
só derrubando Saddam Hussein como destruindo o Estado iraquiano, é a raiz de
todos os males. Entre nós isso tende a ser esquecido, pois a maioria dos
comentadores de assuntos internacionais bateu palmas aos semeadores da
democracia pelo cano das espingardas... O assassínio de Kadhafi, em outubro de
2011, ainda é mais sinistro. A Líbia é hoje um paraíso do terrorismo
internacional porque Sarkozy persuadiu a NATO a ser, durante meio ano, a força
aérea de grupos "rebeldes", entre os quais os que hoje ameaçam as
cidades do Ocidente com os aviões comerciais, recentemente roubados no
aeroporto de Tripoli. Suspeita-se que Sarkozy pretendia encobrir a revelação do
volumoso financiamento de Kadhafi à sua campanha eleitoral de 2007. E a
situação só não é pior porque os Comuns recusaram há um ano uma proposta de
Cameron que visava usar o poderio aéreo britânico (e, por arrastamento, talvez
o dos EUA e da França) contra o regime de Assad na Síria. Se isso tivesse
acontecido, os fundamentalistas, provavelmente, já dominariam Damasco. A
barbárie tem de ser combatida. Mas é avisado não esquecer que a génese dessa
barbárie habita também entre nós. No cabotinismo da atual política externa
ocidental. Que se esquece dos princípios e erra na definição de interesses e
prioridades.
Viriato Soromenho-Marques no Diário de Notícias, 5 de Setembro de 2014.
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