domingo, 7 de setembro de 2014

O OVO DA SERPENTE


Quando se pergunta pelas causas da barbárie que campeia no autodesignado Estado Islâmico do Iraque e Levante, ergue-se um muro de silêncio. Isso explica-se por um paradoxo: tudo indica que para enfraquecer os fundamentalistas será preciso uma intervenção armada externa. Contudo, os fundamentalistas só ganharam o seu atual poderio pela sucessão de intervenções armadas, insensatas e incompetentes, do Ocidente. Vejamos. Os primeiros responsáveis chamam-se G. W. Bush e Blair. A sua invasão do Iraque em 2003, não só derrubando Saddam Hussein como destruindo o Estado iraquiano, é a raiz de todos os males. Entre nós isso tende a ser esquecido, pois a maioria dos comentadores de assuntos internacionais bateu palmas aos semeadores da democracia pelo cano das espingardas... O assassínio de Kadhafi, em outubro de 2011, ainda é mais sinistro. A Líbia é hoje um paraíso do terrorismo internacional porque Sarkozy persuadiu a NATO a ser, durante meio ano, a força aérea de grupos "rebeldes", entre os quais os que hoje ameaçam as cidades do Ocidente com os aviões comerciais, recentemente roubados no aeroporto de Tripoli. Suspeita-se que Sarkozy pretendia encobrir a revelação do volumoso financiamento de Kadhafi à sua campanha eleitoral de 2007. E a situação só não é pior porque os Comuns recusaram há um ano uma proposta de Cameron que visava usar o poderio aéreo britânico (e, por arrastamento, talvez o dos EUA e da França) contra o regime de Assad na Síria. Se isso tivesse acontecido, os fundamentalistas, provavelmente, já dominariam Damasco. A barbárie tem de ser combatida. Mas é avisado não esquecer que a génese dessa barbárie habita também entre nós. No cabotinismo da atual política externa ocidental. Que se esquece dos princípios e erra na definição de interesses e prioridades.

Viriato Soromenho-Marques no Diário de Notícias, 5 de Setembro de 2014.

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