Fui sempre um péssimo aluno, no leviano julgamento
professoral. Nem me esforçava por pompear virtudes inventadas, pois os
programas escolares divergiam totalmente dos meus cujo desiderato, embora
inconsciente, resumo agora nestas palavras: «estudar para poeta.»
Quanto às provas do fim do ano, sempre as considerei
autênticos sacrifícios de humilhação vexada diante de senhores que falavam numa
linguagem inquisitorial de que eu só a custo entendia algumas noções absurdas.
Os meus cursos pouco tinham a ver com os das classes
que fingia frequentar. Ou apenas coincidiam com uma ou outra disciplina. A do
português, por exemplo (gramática à parte).
Em português, desde que me pedissem que despejasse de
cor os artigos, as preposições, os tempos dos verbos, etc., podia pelo menos
exibir-me nos pontos escritos que (malbaratados tempos esses!) nunca ninguém me
ensinou como se planeavam e faziam. Todos me afiançavam que se tratava de ter
nascido com jeito ou sem jeito. Redigir não se ensinava. Nem se aprendia. Tudo
se resumia a uma questão de jeiteira. Ou se tinha ou não se tinha habilidade.
Como o meu caso evidenciava à maravilha.
Do que eu gostava sobretudo era de faltar à escola –
frequentar a liberdade, uma das cadeiras básicas do meu curso especial, tomar
contacto com a tumultuosa riqueza da cidade nas aulas livres das ruas, dos
cafés, dos bilhares, da feira da ladra, das ruelas sórdidas, onde paradoxalmente
os miúdos ostentavam a fome através das panças enormes. Tudo isto entremeado
com uma ou duas horas de leituras repoltreadas de livros não recomendados pelos
professores que, no entanto, me ensinaram uma disciplina fundamental: a do tédio.
(Sem essa aprendizagem poderia lá ter aguentado tantos anos de bocejos!).
Em todo o caso sempre reduzi ao mínimo o enfado de
ouvir falar de aritmética, por exemplo. Nos anos normalmente incautos da
instrução primária, preferia substituí-la pela contagem rumorejante das folhas
das amoreiras do caminho da Charca, para calcular quantos bichos-da-seda
conseguiria manter na caixa de sapatos oferecida pela família para meu
laboratório pessoal, em que gastava horas a ver criar vida e fabricar casinhas
de cores redondas com uma espécie de cuspo em fios.
José Gomes
Ferreira em Coleccionador de Absurdos
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