Até que um dia me dizes e passo a entender-te melhor:
- O meu avô é que era um gajo porreiro e muito giro.
Pertencia à Carbonária. De segunda a sexta-feira trabalhava mas nos fins de
semana fazia a Revolução. Ainda tenho lá em casa o bacamarte que ele usava
contra a Monarquia...
Quero ver esse tal de bacamarte e tu convidas-me a ir
a tua casa, uma vivenda em Carcavelos, a dois passos de Lisboa, à beira-mar,
logo depois da foz do Tejo.
- Mas num domingo à noite, está a ouvir?
- Porquê domingo à noite?
- Tu vais ver...
E vejo. A vivenda onde moras, que foi dos teus pais,
que é da tua mãe, fica próximo da estação dos Caminhos de Ferro, mesmo ao lado
do cinema. À meia-noite subimos à torrinha e quando os espectadores começam a
sair do cinema para a rua, tu empunhas o bacamarte do teu avô e começas aos
tiros. Para o ar, mas aos tiros. A malta desata toda a fugir e tu a rir. E eu
também, obviamente...
Fernando Correia
da Silva em Surrealismo e Carbonária
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