domingo, 20 de março de 2016

OLHAR AS CAPAS


O País das Uvas

Fialho d’Almeida
Prefácio de Álvaro Júlio da Costa Pimpão
Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1946

Eu bem na sinto! Eu bem na sinto! apesar das fuligens do céu hal humorado, e da ventania que me apupa, através das frinchas das janelas. Uma pulsação vigora as alamedas, nas ascendências inexauríveis da seiva, rebentando em folhagens de contextura fina, por forma que já não é ficção o caso do homem que ouvia crescer erva nos campos, visto que eu há quinze dias oiço, no recanto de parque aonde vivo, sob uma umbela vermelha de paisagista, o burburinho da natureza que se revigora e emplumesce, numa dessas orgias de cor que faziam rir o olho azul de Rousseau, e punham emoções na palidez fatigada de Huet, o paisagista da ilha verde de Seguin.
A esta hora, por esses campos, nem vocês imaginam o que os melros dizem de alegre, e o que as borboletas vivem de contentes. Os murmúrios da água, que pelos regatos vai, como um sangue robusto, espalhando juventudes na cultura, dizem às velhas árvores histórias duma suavíssima poesia; e pelos ramos tufados de verdura húmida, tenra, tamisada de cintilas solares, entra a repovoar-se a cidade dos ninhos, grande cidade moderna, com avenidas, concertos, five o'clock, toilettes de plumas, e exibições de caudas roçagantes. Ontem me dizia na tapada um velho pintassilgo...
E por esses pomares, entre sebes de silvados e canaviais, que florações simpáticas, feitas com gotinhas de néctar e salpicos de sangue arterial!

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