O País das Uvas
Fialho d’Almeida
Prefácio de
Álvaro Júlio da Costa Pimpão
Livraria
Clássica Editora, Lisboa, 1946
Eu bem na sinto! Eu bem na sinto! apesar das fuligens
do céu hal humorado, e da ventania que me apupa, através das frinchas das
janelas. Uma pulsação vigora as alamedas, nas ascendências inexauríveis da
seiva, rebentando em folhagens de contextura fina, por forma que já não é
ficção o caso do homem que ouvia crescer erva nos campos, visto que eu há
quinze dias oiço, no recanto de parque aonde vivo, sob uma umbela vermelha de
paisagista, o burburinho da natureza que se revigora e emplumesce, numa dessas
orgias de cor que faziam rir o olho azul de Rousseau, e punham emoções na
palidez fatigada de Huet, o paisagista da ilha verde de Seguin.
A esta hora, por esses campos, nem vocês imaginam o
que os melros dizem de alegre, e o que as borboletas vivem de contentes. Os
murmúrios da água, que pelos regatos vai, como um sangue robusto, espalhando
juventudes na cultura, dizem às velhas árvores histórias duma suavíssima
poesia; e pelos ramos tufados de verdura húmida, tenra, tamisada
de cintilas solares, entra a repovoar-se a cidade dos ninhos, grande cidade
moderna, com avenidas, concertos, five o'clock, toilettes de plumas, e exibições de caudas
roçagantes. Ontem me dizia na tapada um velho pintassilgo...
E por esses pomares, entre sebes de silvados e
canaviais, que florações simpáticas, feitas com gotinhas de néctar e salpicos
de sangue arterial!
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