Os Doutores, a Salvação e o Menino Jesus
Luiz Pacheco
Ilustração:
Henrique Manuel
Capa: Graça
Castanheira
Oficina do
Livro, Lisboa, Dezembro de 2002
1
Era no
tempo em que os animais falavam. O Menino Jesus tinha então doze anos e estava
um homenzinho.
2
Ia
crescendo em idade, em graça e sabedoria diante de Deus e diante dos homens
3
Seus pais
costumavam passar as festas da Páscoa na cidade de Jerusalém, onde tinham
alguns parentes e amigos e conhecidos.
4
Naquele
ano não faltaram e ei-los agora que partem de Nazaré a caminho da cidade
sagrada.
5
6
Depois do
almoço, o S. José tinha saído a comprar uma plaina grande, uma garlopa que lhe
fazia muita falta, e pregos,
7
E ao
mesmo tempo para saber o preço dum banco de carpinteiro, em segunda mão.
8
A Nossa
Senhora Maria acabou de dar de mamar ao José, o mais novo dos pequenos (Tiago
dormia a sesta na sua cama) e agora
9
A Nossa
Senhora Maria estava lavando e esfregando a loiça suja do almoço e não reparou
na porta só encostada e no Jesus que se esgueirava prà rua. Fugiu.
10
Ora pois: foi pla tardinha e o Menino Jesus fugiu mesmo. Ia procurar os Doutores.
11
Na rua outros miúdos da idade dele jogavam a bola, negócio de que o menino muito gostava e em que era sabido.
12
Mas o Jesus tinha a sua fisgada: queria falar aos Doutores.
13
Estes Doutores (eles não eram muitos, mas inda lá havia uma boa meia dúzia) reuniam-se todas as tardes num velho café judeu,
14
Naquele velho café judeu que uma bomba, escondida pelos árabes, transformou depois em cacaria inútil e imunda.
15
Reuniam-se à saída da Repartição — cinco horas, cinco e meia — e falavam de coisas várias.
16
Falavam.
17
Geralmente era filosofia ou religião ou política — e Ortografia.
18
As vezes até, um qualquer se aventurava pelos caminhos mais despreocupados e mais floridos das artes e das literaturas.
Sem comentários:
Enviar um comentário