sexta-feira, 3 de junho de 2016

OLHAR AS CAPAS


Os Doutores, a Salvação e o Menino Jesus

Luiz Pacheco
Ilustração: Henrique Manuel
Capa: Graça Castanheira
Oficina do Livro, Lisboa, Dezembro de 2002

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Era no tempo em que os animais falavam. O Menino Jesus tinha então doze anos e estava um homenzinho.

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Ia crescendo em idade, em graça e sabedoria diante de Deus e diante dos homens

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Seus pais costumavam passar as festas da Páscoa na cidade de Jerusalém, onde tinham alguns parentes e amigos e conhecidos.

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Naquele ano não faltaram e ei-los agora que partem de Nazaré a caminho da cidade sagrada.

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Depois do almoço, o S. José tinha saído a comprar uma plaina grande, uma garlopa que lhe fazia muita falta, e pregos,

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E ao mesmo tempo para saber o preço dum banco de carpinteiro, em segunda mão.

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A Nossa Senhora Maria acabou de dar de mamar ao José, o mais novo dos pequenos (Tiago dormia a sesta na sua cama) e agora

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A Nossa Senhora Maria estava lavando e esfregando a loiça suja do almoço e não reparou na porta só encostada e no Jesus que se esgueirava prà rua. Fugiu.

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Ora pois: foi pla tardinha e o Menino Jesus fugiu mesmo. Ia procurar os Doutores.

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Na rua outros miúdos da idade dele jogavam a bola, negócio de que o menino muito gostava e em que era sabido.

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Mas o Jesus tinha a sua fisgada: queria falar aos Doutores.

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Estes Doutores (eles não eram muitos, mas inda lá havia uma boa meia dúzia) reuniam-se todas as tardes num velho café judeu,

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Naquele velho café judeu que uma bomba, escondida pelos árabes, transformou depois em cacaria inútil e imunda.

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Reuniam-se à saída da Repartição — cinco horas, cinco e meia — e falavam de coisas várias.

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Falavam.

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Geralmente era filosofia ou religião ou política — e Ortografia.

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As vezes até, um qualquer se aventurava pelos caminhos mais despreocupados e mais floridos das artes e das literaturas.


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