quinta-feira, 16 de junho de 2016

OLHAR AS CAPAS


M Train

Patti Smith
Capa: Rui Rodrigues
Tradução Helder Moura Pereira
Quetzal Editores, Lisboa, Maio de 2016

Não é assim tão fácil escrever sobre coisa nenhuma.
Isto era o que um cowboy estava a dizer quando eu ia mesmo quase a entrar num sonho. Vagamente bonito, intensamente lacónico, ele balançava-se numa cadeira desdobrável, reclinado para trás, com o seu Stetson a roçar a parede exterior de um café isolado de cor parda. Digo isolado porque parecia não haver mais nada ali por perto, exceto uma bomba de gasolina fora de uso e um bebedouro enferrujado, enfeitado com um colar de moscas pousadas sobre os últimos resíduos da sua água estagnada. Também não havia ninguém por ali, mas isso não era coisa que o importunasse; limitou-se a puxar a aba do chapéu para cima dos olhos e continuou a falar. Era o mesmo modelo Silverbelly Open Road que Lyndon Johnson costumava usar.
- Mas nós continuamos o nosso caminho – prosseguiu ele, alimentando todo o tipo de esperanças loucas – Para redimir a perda, um pequeno momento de revelação pessoal. É um vício, como jogar nas máquinas ou uma partida de golfe.
- É muito mais fácil falar sobre coisa nenhuma – disse eu.
Ele não ignorou a minha presença completamente, mas foi incapaz de contestar.

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