As Caixas Chinesas
António Maga
Ferreira
Capa: José
Teófilo Duarte
Edições
Rolim, Lisboa, Abril de 1988
As pás da ventoinha giram lentamente, com um
ruído regular, seco. Devia ser alguma mola solta, uma após outra, as pás
embatiam no obstáculo, abrandavam, depois retomavam o movimento. Martinho Dante
viu o criado aproximar-se. Deteve-se junto da mesa, com as mãos cruzadas à
frente do corpo. Martinho pediu com aplicação um gin tonic. O outro repetiu, como que a certificar-se
de que tinha ouvido bem; “Com água tónica?”
Fez que sim com um gesto. Do outro lado da
sala, entre as gelosias semicerradas ao calor húmido, desenhava-se um quadro de
Hopper: um barracão baixo e comprido com um letreiro azul por cima da porta, a
cabeça de vidro fosco das bombas vermelhas da Esso, e, mais para trás, um
recorte de azul interminável, Martinho conferiu a paisagem com as primeiras
impressões que tivera do lugar ao chegar a S. Lourenço, trinta nos antes. A
mesma ventoinha suspensa do tecto, as mesmas gelosias, o mesmo barracão; mas,
nessa altura, s sala do lado ecoava a gritaria estridente dos americanos. Havia
uma mulher ruiva sentada em frente da parede onde agora instalaram a televisão.
Martinho saíra do hall em direcção ao
bar, detivera-se à entrada, a medir a distância de fumo até às mesas do bar, a
mulher virara a cabeça de repente, quase ia jurar que era Rita Hayworth, tinha
o cigarro longo apagado entre os dedos, ela só o olhara um momento, com um ar
distraído, mas Martinho não podia saber que aquela mulher era Kate McCloud,
cuha história, trágica e magnífica, Truman Capote deixou por contar.
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