domingo, 29 de dezembro de 2019

QUOTIDIANOS


No que toca a comidas e bebidas vivo enrolado num conservadorismo bacoco.
Não brinquem comigo, não me venham com histórias de comidas de chefs e de comida que dizem aos quatro ventos que é saudável, que poderá ser mesmo saudável mas não me sabe a comida.
Desculpem.
No tocante a bolo-rei, falem-me só do velho bolo-rei não me venham com cantilenas de bolos-raínha, o que quer que seja.
Hoje tropecei na Avenida Guerra Junqueiro nesta ardósia que me convidava a um bolo-rei de castanha. Tirei o boneco, o outro eu que anda comigo, que é um chato de todo o tamanho, disse: «devias provar!...»
Não provei, segui em direcção à Praça de Londres que já não arde como naquela canção do Zeca, Rio largo de Profundis, uma neta para nascer, amor avenidas novas Praça de Londres a arder, do álbum Venham mais Cinco.
E não resisto, sobre isto do veganismo, dos vegetais, a copiar um delicioso texto do Manuel S. Fonseca na sua Página Negra:

«Olhos vegan espreitam-nos a cada esquina, tremendas máquinas de olfacto perseguem o aroma de um Partagas série D n.º 4, príncipe dos havanos. São olhos vigilantes: perseguem cada garfada, cada copo ou cálice. Trocaram a velha treta da exploração do homem pelo homem, pela marcação homem a homem. Há um exército de conspícuos e virtuosos especialistas prontos a proibir, prontos a culpar-nos pela boca, narinas, palavras, desejos e mesmo omissões. Estão prontos a pendurar o último hedonista, pela língua, nos pelourinhos da Imprensa e das redes sociais. Em ataque às gorduras, molhos, carnes, aos vinhos que o poeta persa cantou, ouçam essas vozes mansas, todas derretidas em inflexões angélicas, a culparem-nos, prometendo-nos estágios num purgatório de onde só se sai para o inferno. Impele-as o terrorismo de um bárbaro bem-estar.
A darmos ouvidos, melhor será dar ouvidos ao passado. Mesmo o naturalíssimo bom selvagem que talvez houvesse em Rousseau nos avisou: “Sempre notei que as pessoas falsas são sóbrias e a grande reserva à mesa anuncia muitas vezes virtudes fingidas e almas dúplices.” Uma variada mesa à sua frente e nela a estética natureza morta de vinhos, peixe e carne, outro filósofo, um deliciado Voltaire, põe-me estas palavras na boca: “Escolhi ser feliz, porque é bom para a saúde.»

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