Aos poucos, vamo-nos despedindo do Natal, e relembrando uma das mais
interessantes e pungentes canções de Natal , Fairytale Of New York dos Pogues
com a Kirsty MacCall, sabemos que os rapazes do coro
da polícia de Nova Iorque cantavam Galway Bay, enquanto os sinos tocavam
por toda a cidade, ao mesmo tempo que José Tolentino Mendonça, numa das suas
excelentes crónicas no Expresso, abordando a solidão do Natal, revelava
que lera uma carta que o do escritor
Jack London escreveu na manhã de natal, em 1898 quando tinha 20 anos. quando
momentaneamente abandonou as errantes vagabundagens no seu barco pelas
celebrações caseiras do Natal.
«Mas no fundo dos rituais familiares a que ele assiste (a abertura dos
presentes diante da lareira acesa, o risos das crianças felizes, os ornamentos
aconchegantes, os reflexos de uma existência segura…) descobre-se sempre mais
como um estranho, e tudo aquilo que o deveria apaziguar fá-lo afinal descobrir
vencido, como se o seu “bilhete de lotaria da vida tivesse o número errado”.
Ele que passou a adolescência a saltitar entre centros de reeducação, que teve
de lutar para aguentar-se nos estudos, que, para sobreviver, foi ardina,
pescador furtivo, agente de seguros, caçador de focas, pugilista e garimpeiro,
ele homem de têmpera rija sente-se naquela manhã vacilar, perdido dentro do
grande puzzle que o Natal faz parte. A carta que Jack London escreve é uma
espécie de relatório do seu desconforto. Mas creio que não é só isso. É também
um documento sobre a grande solidão que o Natal escancara».
Linhas à frente, José Tolentino pergunta:
“Porque é que o Natal faz
sofrer?”
Guardei sempre um velho recorte do velho «Diário de Lisboa» de
27 de Dezembro de 1976:
“António Manuel, de 14
anos, no dia de Natal, lançou-se de uma janela do Coliseu do Porto, tendo sido
conduzido ao Hospital de Santo António sem fala e com várias fracturas.
O jovem, que é natural do lugar de Idanha, encontra-se numa fase de recuperação, tendo começado já a articular algumas palavras”
O jornalista fechava assim a notícia:
“De acordo com estatísticas mundiais, a quadra do Natal regista sempre uma subida de tentativas de suicídio, que alguns psicólogos identificam com uma maior acuidade em relação à solidão em dias que a maioria das pessoas se reúne para confraternizar.”
O jovem, que é natural do lugar de Idanha, encontra-se numa fase de recuperação, tendo começado já a articular algumas palavras”
O jornalista fechava assim a notícia:
“De acordo com estatísticas mundiais, a quadra do Natal regista sempre uma subida de tentativas de suicídio, que alguns psicólogos identificam com uma maior acuidade em relação à solidão em dias que a maioria das pessoas se reúne para confraternizar.”
Lembro, com muita tristeza lembro, uma noite, as festas felizes a
findarem, que o poeta Eduardo Guerra Carneiro, feito rapaz do trapézio voador,se mandou, no meio do silêncio, para um qualquer céu estrelado.
Aquela canção de Brel, deixa-me ser a sombra da tua sombra, a sombra da
tua mão, a sombra do teu cão, mas não me deixes.
Ainda José Tolentino Mendonça:
«O Natal é atravessado por
um dramatismo que nos abala, pois nos retira do feérico entretenimento das
perguntas penúltimas e nos coloca perante as perguntas últimas.»
Legenda: pintura de Van Gogh
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