segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

DE SOLIDÕES


Aos poucos, vamo-nos despedindo do Natal, e relembrando uma das mais interessantes e pungentes canções de Natal , Fairytale Of New York dos Pogues com a Kirsty MacCall,     sabemos que os rapazes do coro da polícia de Nova Iorque cantavam Galway Bay, enquanto os sinos tocavam por toda a cidade, ao mesmo tempo que José Tolentino Mendonça, numa das suas excelentes crónicas no Expresso, abordando a solidão do Natal, revelava que lera uma carta  que o do escritor Jack London escreveu na manhã de natal, em 1898 quando tinha 20 anos. quando momentaneamente abandonou as errantes vagabundagens no seu barco pelas celebrações caseiras do Natal.

«Mas no fundo dos rituais familiares a que ele assiste (a abertura dos presentes diante da lareira acesa, o risos das crianças felizes, os ornamentos aconchegantes, os reflexos de uma existência segura…) descobre-se sempre mais como um estranho, e tudo aquilo que o deveria apaziguar fá-lo afinal descobrir vencido, como se o seu “bilhete de lotaria da vida tivesse o número errado”. Ele que passou a adolescência a saltitar entre centros de reeducação, que teve de lutar para aguentar-se nos estudos, que, para sobreviver, foi ardina, pescador furtivo, agente de seguros, caçador de focas, pugilista e garimpeiro, ele homem de têmpera rija sente-se naquela manhã vacilar, perdido dentro do grande puzzle que o Natal faz parte. A carta que Jack London escreve é uma espécie de relatório do seu desconforto. Mas creio que não é só isso. É também um documento sobre a grande solidão que o Natal escancara».

Linhas à frente, José Tolentino pergunta:

“Porque é que o Natal faz sofrer?”

Guardei sempre um velho recorte do velho «Diário de Lisboa» de 27 de Dezembro de 1976:

“António Manuel, de 14 anos, no dia de Natal, lançou-se de uma janela do Coliseu do Porto, tendo sido conduzido ao Hospital de Santo António sem fala e com várias fracturas.
O jovem, que é natural do lugar de Idanha, encontra-se numa fase de recuperação, tendo começado já a articular algumas palavras”
O jornalista fechava assim a notícia:
“De acordo com estatísticas mundiais, a quadra do Natal regista sempre uma subida de tentativas de suicídio, que alguns psicólogos identificam com uma maior acuidade em relação à solidão em dias que a maioria das pessoas se reúne para confraternizar.”


Aquela canção de Brel, deixa-me ser a sombra da tua sombra, a sombra da tua mão, a sombra do teu cão, mas não me deixes.

Ainda José Tolentino Mendonça:

«O Natal é atravessado por um dramatismo que nos abala, pois nos retira do feérico entretenimento das perguntas penúltimas e nos coloca perante as perguntas últimas.» 

Legenda: pintura de Van Gogh





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