Nenhum Natal será
possível: sei
que tudo enfim suspenso
aguarda
não já Natais sempre de
guerra mas
a morte iluminada como
aurora
entre esta gente que se
junta rindo
e as luzes interiores,
muitas cabeças juntas;
entre as lágrimas de
ternura e os murmúrios de esperança,
entre as vozes e os
silêncios, as pedras e as árvores,
entre muralhas de janelas
sob a chuva,
entre agonias dos que
lutam porque são mandados
e a cobarde angústia dos
que apenas mandam,
no meio da vida, círculo
de fogo,
à luz de que se vê uma
calçada suja
de restos de comida e de
papéis rasgados
– se sei, embora saiba,
quanto soube:
ah canto do meu canto,
olhar do meu olhar,
nenhum Natal, bem sei, mas
outra gente,
e tanta gente, e mesmo que
um só fosse,
já louco, envelhecido,
apenas hábito,
que poderei fazer, senão
humildemente cantar?
Jorge de Sena em Natal… Natais
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