Obras Completas
3º Volume
O Judeu, O Inferno, A Traição do Padre Martinho
O Judeu, O Inferno, A Traição do Padre Martinho
Bernardo Santareno
Organização, Posfácio e Notas: Luís Francisco Rebello
Capa: Delgado Godinho
Editorial Caminho. Lisboa, Setembro de 1986
Engenheiro (indignado): Ajuda, ajuda, disso tenho eu
a certeza! E tu ainda o vens dizer em público, meu malandro?! (Para os
espectadores) Um Padre! Um ministro de Deus!... Vão assim os tempos de hoje.
Prezo-me de ser um bom católico. Toda a gente, nesta região, me conhece e sabe
a firmeza das minhas ideias. Creio humildemente que sou bem informado e que
pratico a caridade cristã como me ensinaram os meus maiores: portanto, tenho
alguma autoridade para falar. Sempre me dei bem com os párocos do Cortiçal: nem
doutro modo seria de esperar. Respeito e venero o senhor Bispo da Diocese, que
faz o favor de ser meu amigo. Pois bem: a este, ao Padre Martinho, por mais que
me esforce – e Deus sabe como esgotei as tentativas! -, não sou capaz de o
compreender. Deixei-o entrar na minha fábrica, confiante, lealmente. Como se
fosse sua casa. Aliás como poderia eu impedir um sacerdote católico de exercer,
em plena liberdade, o seu apostolado junto de trabalhadores meus?! (Para o
Padre Martinho) Estou a mentir? (Para os operários) É ou não, verdade?
(OPadre Martinho baixa os olhos, disfarçando um sorriso de ironia e
desprezo. Os operários contêm uma máquina de troça, em alguns hostil. Novamente
para o público) Pois querem saber a paga que recebi da minha boa fé e do meu
zelo cristão? Pelo menos duas amotinações, duas greves ridículas, são obra do
nosso Padre Martinho: que, se não fosse ele, mais as razões que lhes dava, mais
os «améns» com que apoiou as suas pretensões absurdas, nunca aquilo teria acontecido!
Estão os senhores a ver, hã? Claro, acabei por ser obrigado a proibir-lhe a
entrada na fábrica. Ai, tristes e conturbados tempos estes em que um bom
católico se vê coagido a defender-se dum sacerdote do seu próprio credo, como se
inimigo aturado e e manhoso se tratasse.
Sem comentários:
Enviar um comentário