quinta-feira, 29 de setembro de 2022

NÃO GOSTO DE APARELHÓMETROS


Ficou dito que haveria um retorno à autobiografia deWoody Allen.

E aqui estamos na página 97:

«Harlene e eu vivíamos com os nossos pais e eu telefonava-lhe todas as noites. Fazíamos o que fazem os casais de namorados. Já agora, por essa altura, tinha carro. Adquirira um descapotável Plymouth de 1951 por seiscentos dólares. Tinha alimentado fantasias grandiosas de como um carro iria mudar a minha vida. Libertar-me-ia; poderia conduzir sobre a ponte para Manhattan sempre que quisesse, escapar para Long Beach para visitar velhos poisos nostálgicos, ir até Connecticut numa manhã de primavera para comungar com a natureza. Não faço ideia em que raio estaria eu a pensar; odiava a natureza e, mais do que a natureza, odiava ser dono de um carro. Como todos os objectos mecânicos, tornámo-nos imediatamente arqui-inimigos. Não gosto de aparelhómetros. Não tenho relógios, não ando de chapéu de chuva, não sou dono de câmaras ou gravadores e até hoje preciso da minha mulher para me ajustar o aparelho de televisão. Não tenho computador, nunca me aproximei de um processador de texto, nunca mudei um fusível, enviei um e-mail a alguém ou lavei um prato.

Sou um desses velhos baralhados que neceessitam que lhe inutilizem todos os botões da televisão com fita-cola para que possa usar apenas o botão de ligar e desligar, e os do volume.»

Woody Allen em A Propósito de Nada

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