sexta-feira, 10 de julho de 2015

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


A des(arrumar) papelada, encontrei um recorte de jornal, de muitos tempos idos, com filmes em exibição em cinemas de Lisboa, cinemas que já não existem.

Este diz apenas respeito ao velho e saudoso Monumental, mais o seu companheiro Satélite.

E mostram as Quinzenas de Cinema que aconteciam, particularmente, no Monumental, no Tivoli, no Império.

Naquela quinzena, o dia dos anos 60 que não consegui apurar, exibia-se Esplendor naRelva.

É simples o argumento do filme de Elia Kazan:

A relação amorosa entre dois jovens, do interior do Texas, a que os pais põem um dramático ponto final.

Ele é colocado numa universidade, ela tem que ir tratar-se para um manicómio.

Diálogo final:

Bud – Casei com a Angelina. Sabes que nem ao fim do 1º ano cheguei? 

Deanie – Ela é muito simpática.

Bud – Foi maravilhosa quando as coisas se complicaram.

Deanie – És feliz, Bud? 

Bud – Acho que sou. É pergunta que não costumo fazer a mim mesmo. E tu?

Deanie – Caso para o mês que vem com um rapaz de Cincinatti. Acho que ias gostar dele.

Bud – A vida às vezes leva cada rumo, não é, Deanie?

Deanie – Lá isso!... 

Bud – Espero que sejas muito feliz.

Deanie – Também eu não penso muito na felicidade. Como tu.

Bud – Para quê? Temos de aceitar a vida como ela é. 

Deanie – Gostei muito de te ver.
Bud – Obrigada, Bud

Deanie – Adeus.

Uma amiga, espera Deanie no carro e pergunta-lhe:

 - Achas que ainda o amas?

Não há qualquer resposta, apenas um grande e maravilhoso plano do seu rosto, enquanto em off começam a ouvir versos da Ode of Imitation to Immortality de William Worsworth:

«Aquele brilho outrora tão resplandecente
Dos meus olhos se ausentou para sempre
E agora, apesar de perdido o esplendor na relva
E o tempo de glória em flor,
Em vez de chorarmos, buscaremos força

No que para trás deixamos.»


Por mais que se queira colocar de lado, há sempre uma faceta a ensombrar a vida e a obra de Elia Kazan, um dos maiores nomes do cinema.

Em causa o seu colaboracionismo com o senador McCarthy, no triste e dramático episódio da caça às bruxas em que se tornou um delator de amigos e colegas de profissão.

Pergunta-se: como é que um homem que fez Há Lodo no Cais pode ter uma atitude como esta?

Disse ao comité de actividades anti-americanas que fôra membro do Partido Comunista entre 1934 e 1936 e aproveitou para denunciar outros membros do Partido. A esses actores, realizadores, argumentistas, denunciados por Kazan, e também por outros,  foi-lhes, depois recusado qualquer tipo de trabalho e passaram a viver com enormes dificuldades. Uns abandonaram o país, outros refugiaram-se em pseudónimos, de alguns nada se sabe, enquanto outros escolheram o suicido.

Arthur Miller contou que, nos anos 50,  Kazan lhe dissera: Não gosto de comunistas e não acho justo abandonar a minha carreira para os defender.

O propósito da Academia lhe atribuir um Óscar de Carreira foi rejeitada inúmeras vezes, até que em 1999 o homenagearam.

Foi uma cerimónia repleta de ausências, fria, sem o brilho e o fulgor que o seu talento merecia.

Sabe-se que morreu sem que a maior parte dos seus colegas de profissão e amigos lhe tivessem perdoado.

Tão pouco conheço, da parte de Kazan, qualquer reacção a todo este triste e deplorável episódio.

A memória do cinema também se faz disto.

Como seria imperdoável falar deste filme, não ir buscar àquele maravilhoso livro de capa azul de Ruy Belo, Homem de Palavta(s) e não transcrever o poema Esplendor na Relva que não se sabe muito bem se é sobre o filme, ou sobre Deannie Loomis, ou sobre Natalie Wood.

Pouco importa.

Eu sei que Deanie Loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste

A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de Deanie quem desiste

na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais

lhe será dado ver o que ela era)
Mas em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais


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