A des(arrumar)
papelada, encontrei um recorte de jornal, de muitos tempos idos, com filmes
em exibição em cinemas de Lisboa, cinemas que já não existem.
Este diz apenas
respeito ao velho e saudoso Monumental, mais o seu companheiro Satélite.
E mostram as Quinzenas
de Cinema que aconteciam, particularmente, no Monumental, no Tivoli,
no Império.
Naquela
quinzena, o dia dos anos 60 que não consegui apurar, exibia-se Esplendor naRelva.
É simples o argumento
do filme de Elia Kazan:
A relação
amorosa entre dois jovens, do interior do Texas, a que os pais põem um dramático
ponto final.
Ele é colocado numa
universidade, ela tem que ir tratar-se para um manicómio.
Diálogo final:
Bud – Casei com a Angelina. Sabes que nem ao fim do 1º
ano cheguei?
Deanie – Ela é muito simpática.
Bud – Foi maravilhosa quando as coisas se complicaram.
Deanie – És feliz, Bud?
Bud – Acho que sou. É pergunta que não costumo fazer a mim mesmo. E tu?
Deanie – Caso para o mês que vem com um rapaz de Cincinatti. Acho que ias gostar dele.
Bud – A vida às vezes leva cada rumo, não é, Deanie?
Deanie – Lá isso!...
Bud – Espero que sejas muito feliz.
Deanie – Também eu não penso muito na felicidade. Como tu.
Bud – Para quê? Temos de aceitar a vida como ela é.
Deanie – Gostei muito de te ver.
Bud – Obrigada, Bud
Deanie – Adeus.
Uma amiga,
espera Deanie no carro e pergunta-lhe:
- Achas que ainda o amas?
Não há qualquer
resposta, apenas um grande e maravilhoso plano do seu rosto, enquanto em off
começam a ouvir versos da Ode of Imitation to Immortality de William Worsworth:
«Aquele brilho outrora tão resplandecente
Dos meus olhos se ausentou para sempre
E agora, apesar de perdido o esplendor na relva
E o tempo de glória em flor,
Em vez de chorarmos, buscaremos força
No que para trás deixamos.»
Por mais que se
queira colocar de lado, há sempre uma faceta a ensombrar a vida e a obra de
Elia Kazan, um dos maiores nomes do cinema.
Em causa o seu
colaboracionismo com o senador McCarthy, no triste e dramático episódio da caça
às bruxas em que se tornou um delator de amigos e colegas de profissão.
Pergunta-se:
como é que um homem que fez Há Lodo no Cais pode ter uma atitude como
esta?
Disse ao comité
de actividades anti-americanas que fôra membro do Partido Comunista entre 1934
e 1936 e aproveitou para denunciar outros membros do Partido. A esses actores,
realizadores, argumentistas, denunciados por Kazan, e também por outros, foi-lhes, depois recusado qualquer tipo de
trabalho e passaram a viver com enormes dificuldades. Uns abandonaram o país,
outros refugiaram-se em pseudónimos, de alguns nada se sabe, enquanto outros
escolheram o suicido.
Arthur Miller
contou que, nos anos 50, Kazan lhe dissera: Não gosto de comunistas e não
acho justo abandonar a minha carreira para os defender.
O propósito da
Academia lhe atribuir um Óscar de Carreira foi rejeitada inúmeras vezes, até
que em 1999 o homenagearam.
Foi uma
cerimónia repleta de ausências, fria, sem o brilho e o fulgor que o seu talento
merecia.
Sabe-se que
morreu sem que a maior parte dos seus colegas de profissão e amigos lhe
tivessem perdoado.
Tão pouco
conheço, da parte de Kazan, qualquer reacção a todo este triste e deplorável episódio.
A memória do
cinema também se faz disto.
Como seria imperdoável
falar deste filme, não ir buscar àquele maravilhoso livro de capa azul de Ruy
Belo, Homem de Palavta(s) e não transcrever o poema Esplendor na
Relva que não se sabe muito bem se é sobre o filme, ou sobre Deannie
Loomis, ou sobre Natalie Wood.
Pouco importa.
Eu sei que Deanie Loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste
A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de Deanie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado ver o que ela era)
Mas em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais
Sem comentários:
Enviar um comentário