Os Filmes da Minha Vida
François
Truffaut
Tradução Luís
Lima
Introdução: Francisco Valente
Introdução: Francisco Valente
Capa: Rui Silva
Orfeu Negro,
Lisboa, Maio de 2015
Por que razão Estradas do Inferno é um bom filme, apesar de tudo? Porque as
cenas entre Janet leigh e John Wayne são dirigidas com uma arte, uma invenção,
uma inteligência de todas as imagens; porque o erotismo deste filme é do mais
insidioso, do mais subtil, do mais eficaz e mais refinado que existe. Não
esquecerei a cena em que John Wayne tem de revistar Janet Leigh enfiada numa combinação
forrada com bolsos oblíquos no peito e no baixo-ventre; não esquecerei o
momento em que, a baloiçar o pé, a aviadora atira, pela abertura da porta, as
suas cuequinhas para serem inspeccionadas ; não esquecerei Janet em camisa de
dormir no avião, na Rússia, em todos os lugares, Janet na sua melhor forma.
Mas, como se sabe, as mulheres são um assunto especial para Sternberg; constrangido
a filmar também aviões, durante metade do tempo soube humaniza-los com
uma mestria por vezes transtornante; quando o aparelho pilotado por Janet Leigh
aparece no céu, a voar ao lado do avião pilotado por John Wayne, e ouvimos
inteligivelmente em pleno ar o diálogo apaixonado que eles mantêm via rádio,
somos invadidos por uma emoção perfeitamente pura, criada por meios poéticos;
quanta invenção e beleza a embargar-nos a garganta. O propósito do filme,
repito, é imbecil e propagandista, mas Sternberg contorna-o constantemente, e
as lágrimas vêm-nos aos olhos diante de tamanha beleza quando, por exemplo, o
avião mecho e o avião Fêmea se procuram, se encontram, se sobrepõem, se agitam
e se acalmam e voam por fim a lado a lado. Sim, realmente, neste filme os
aviões fazem amor.
(Da crítica ao
filme Estradas do Inferno de Josef von Sternberg, 1957)
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