Prosseguimos a leitura das Folhas a que José Saramago chamou Políticas e que admitimos serem
leitura de apoio para os dias difíceis que o governo do Partido Socialista está
a viver.
Nas margens daqueles textos,
está a vontade que José Saramago sentia de quanto o Partido Socialista,
do tempo soarista, deveria ser e que nunca foi.
Para desgosto de
quem acreditava que os ideais de Abril eram para ser cumpridos.
Os muitos
milhares que se enganaram, tal como cantava o Zé Mário Branco.
Sem dúvida que foi a vontade popular, tomada em termos
aritméticos, voto por voto, que fez do Partido Socialista (continuemos, para
sua vergonha, a escrever a palavra por extenso) partido de governo e governo:
mas não é contra o povo e, portanto, contra a vontade dele (a não ser que os
portugueses sejam irremediavelmente masoquistas) que o governo do Sr. Mário
Soares tem vindo a governar, praticamente desde que este celebrado socialista se
sentou na principal cadeira do conselho de ministros. Já foi mil vezes escrito,
já foi mil vezes denunciado que o Partido Socialista está a governar contra especificações
essenciais da Constituição, e portanto contra o povo que elegeu os que a
redigiram: evitemos, portanto, as repetições. Quando na semana passada falei de
oportunismo e traição, não estava com certeza a pensar no PPD e no CDS,
coerentíssimos partidos que sabem tão bem o que querem, que até sabem levar o
Partido Socialista a fazer o que a eles convém. Cada um na sua altura e segundo
o seu interesse. Nisso, o Partido Socialista tem óptima boca.
Mas onde as coisas atingem o delírio, onde as
palavras, coitadas delas, são magnificamente conspurcadas, é quando se fala de
dignidade da pessoa humana e de soberania. As palavras, meu caríssimo e único
leitor, são infelizes, não podem defender-se de quem lhes troca o sentido, de
quem não se sente obrigado a respeitá-las, precisamente porque é mínimo ou nulo
o seu respeito pela pessoa humana. Falar em dignidade em Portugal, quando todos
os dias se aprovam leis contra o povo, quando a polícia espanca e vem depois
esconder a mão, negar que tivesse espancado, quando a subserviência se instalou
nos corredores do poder, começa por ser indignidade e acaba por ser perda de
sentido moral. O nosso país atravessa uma crise económica gravíssima, toda a
gente o sabe. E também vive uma profunda crise moral, mas essa crise, ao
contrário do que se quer fazer acreditar, não tem os seus mais elevados
expoentes nem na droga, nem na criminalidade, nem na prostituição: paira mais
alto e tem piores consequências.
(De um artigo
publicado no semanário Extra em 29 de Julho de 1977)
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