quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

SARAMAGUEANDO


Publicamos os últimos excertos das Folhas Políticas que, de um modo ou de outro, se entendeu terem a ver com a unidade que se formou à esquerda, para apoiar o Governo do Partido Socialista.

O texto foi publicado no semanário Extra no dia 12 de Janeiro de 1978:

Se ainda alguma coisa espero no meio deste descalabro, desta paródia dum CDS anti-socialista a participar (subtilmente, Soares dixit) num governo comprometido com uma Constituição como a nossa, se alguma coisa ainda espero é que os socialistas militantes se sintam ofendidos pelos factos e reajam como quem ofendido foi e está a ser. E não é, como se pensaria, na mira de uma legítima maioria de esquerda, que faço este voto: sabemos que a maioria de esquerda foi possível, não desde 25 de Abril de 1976, mas desde 25 de Abril de 1974, e contudo, não se fez: não é agora que lhe poderíamos dar a vida que nunca teve. Se peço aos militantes socialistas que reajam, é apenas, e tanto, para que não morram as esperanças de socialismo em Portugal. Não dou ordens em casa alheia, porque as não admito na minha. Limito-me a dizer ao meu vizinho: «Tens o telhado a acir. Olha que morremos todos.» Só isto e nada mais.
(…)
Dir-se-á que detesto o Partido Socialista. Puro engano. Detesto-o tão pouco, que se não fosse comunista seria socialista (E isto, que pode parecer uma simples frase, um mero efeito verbal, exprime rigorosamente, na alternativa lógica que comporta, o absurdo da divisão existente entre os dois partidos, como tal.) O que eu detesto é a política de nenhuma verdade que a direcção do PS tem vindo a praticar sistematicamente, é o descrédito que o PS está a fazer cair sobre a política e sobre a democracia: não dignifica a política quem a transformou no rapa, tira, põe e deixa de interesses que o país nada sabe, não serve a democracia quem utiliza a palavra para iludir a instituição que ela é e os trabalhadores a quem deveria servir.
O povo português está calado. Apagou-se o entusiasmo, o gosto de agir, a criatividade múltipla, que em 1974b e 1975 se manifestaram. Chegaram os portugueses a gostar de si próprios, e essa foi a maior conquista de Abril. E agora? Agora vivemos na Feira da Ladra, comprando e vendendo trapos em segunda mão, enquanto uma voz conhecida, toda voltada para a direita, faz negócios de ministérios: «E quem comprar dois, leva três!» Boa venda, Sr. Mário Soares.

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