Em fim de
mandato, os presidentes da república desatam a galardoar uma série de gente,
irrelevante gente, que pode ir do cabeleiro da mulher ao fornecedor de
suspensórios.
Na semana
passada, Cavaco Silva, cumpriu essa tradição.
Acontece que
entre os condecorados estava António Costa de Albuquerque de Sousa Lara, com a Ordem
do Infante D. Henrique, destinada a quem houver prestado serviços relevantes
a Portugal, no país e no estrangeiro.
Ora, Sousa Lara ficou
para a história por ter tomado, como subsecretário da cultura, a iniciativa de
vetar o Evangelho Segundo Jesus Cristo de José Saramago, da lista de candidatos
ao Prémio Literário Europeu do ano de 1992.
Fiama Hasse Pais
Brandão e Pedro Tamén, também estavam nessa lista, mas em solidariedade para
com Saramago, pediram para ser excluídos da candidatura.
Ao tempo, Sousa
Lara, um idiota vaidoso, argumentou que a obra não representava Portugal, e a
sua moral pífia, de mera rata-de-sacristia, levou-o a bolsar que o livro ataca
princípios que têm a ver com o património religioso dos cristãos e, portanto,
donde em vez de unir os portugueses, desunia-os.
Era Santana
Lopes o secretário de estado da cultura e Aníbal Cavaco Silva o
primeiro-ministro, o tal que nunca se engana e raramente tem dúvidas.
Nem Santana, nem
Lara foram demitidos e Cavaco Silva sempre concordou com a decisão. Lara referiu
mais de uma vez que a sua decisão teve o apoio do primeiro-ministro.
Houve mesmo um
jantar de homenagem a Lara no Muxaxo, no Guincho.
Entre os
duzentos convivas, estavam ministros do governo, representando o espirito de Cavaco,
que acabou por enviar um telegrama de
solidariedade e D. Duarte Pio, em discurso, afirmou, com elegância monárquica e
cristã que o livro era uma merda.
Interrogada pelo
Público em relação à atitude de Sousa Lara, Agustina Bessa-Luís
respondeu: Foi um acto impolítico. Deviam-me ter perguntado, eu explicava
tudo, ninguém percebia nada, mas
ficavam todos contentes.
Por efeito do triste
e lamentável acto censório de que foi vítima, José Saramago passou a viver em
Lanzarote.
Quando o senhor Sousa Lara já nem a si mesmo se
representar, eu ainda representarei este país, disse, então, Saramago ao Expresso.
Hoje, não
existem dúvidas que o estúpido, o abjecto acto de censura que o governo de Cavaco
Silva exarou sobre O Evangelho Segundo Jesus Cristo, desencadeou uma repercussão
internacional, que fez voltar as atenções para a pessoa e o escritor José
Saramago.
Do lamentável
incidente governativo ao Nobel, foram apenas alguns passos.
Cavaco Silva,
que não gosta de livros nem de comunistas, arrasta consigo o pesadelo de ter
feito com que José Saramago entrasse na engrenagem da Academia sueca para
atribuição do Nobel.
Cavaco Silva
nunca leu José Saramago.
Certa vez,
titubeou que tentara mas achou-o maçador, não sabe se por falta dos
pontos finais, das vírgulas, dos pontos e vírgulas.
Sousa Lara foi o
idiota vaidoso a quem deram uma cadeira de poder.
Apenas agarrado
ao poder por mera vaidade e não pelo dinheiro.
Segundo
Francisco Sousa Tavares, num artigo no Publico desse ano de 1992, Lara é
milionário por dois lados: o lado Alnodovar da sua mãe – das maiores fortunas
em posse de terras do Alentejo – e a herança dos Sousa Lara que, na exploração
do café e dos negros, trouxeram de Angola uma enorme riqueza.
José Saramago
dirigiu sempre as suas críticas para a pessoa do primeiro-ministro Cavaco
Silva, ele sim o grande culpado pelo lamentável incidente, não só por ter
escolhido atrasados mentais para o seu governo, como nunca se ter desmarcado do
acontecimento.
Não cabe nas minhas forças evitar a existência dos
«dráculas», mas nada poderá obrigar-me a apertar-lhes as mãos, escreveu no 3º volume dos Cadernos de
Lanzarote.
Pilar del Rio,
viúva de Saramago, qualifica a condecoração de Cavaco a Lara de triste fim.
Acrescentando: Coitados,
um e o outro.
Com esta
condecoração ao Lara Cavaco Silva mostra aquilo que sempre foi: um rancoroso,
um insensível, um vingativo, um inculto, um medíocre, um cínico.
Enfim: um ser DESPREZÍVEL!
Legenda: na
fotografia, o Lara idiota é o segundo a contar da esquerda.
3 comentários:
Olá, parabéns pelo blogue; os seus arquivos oferecem um fascinante olhar sobre os meandros da nossa cultura de há décadas.
Sabe indicar-me a data do jornal onde Agustina disse: "Foi um acto impolítico. Deviam-me ter perguntado, eu explicava tudo, ninguém percebia nada, mas ficava tudo, ninguém percebia nada, mas ficavam todos contentes."?
Obrigado pelas suas palavras.
Peço-lhe desculpa pela demora na resposta.
Fiz uma busca no meu dossier sobre José Saramago e não encontrei o recorte do «Público», tão pouco lembro se alguma vez o tive.
Ocorreu-me, então, que a citação foi tirada do Eduardo Prado Coelho «Tudo o Que Não Escrevi», Vol. II - Edições ASA, Porto Abril de 1994.
Está datada de 11 de Maio de 1992 e faço a respectiva transcrição:
«Segundo o PÚBLICO, interrogada em relação à atitude de Sousa Lara no caso do romance de José Saramago, Agustina Bessa-Luís respondeu: «Foi um acto impolítico. Deviam-me ter perguntado Primeiro, eu explicava tudo, ninguém percebia nada, mas ficavam todos contentes.»
A literatura é exactamente isto.»
Um abraço
Olá,
Fico-lhe muito grato pela sua resposta; deu-me óptimas pistas.
O seu blogue é incrível; é um arquivo fascinante da nossa história.
Um abraço,
Miguel
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