segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

SARAMAGUEANDO


Há um governo do Partido Socialista, apoiado pelas esquerdas.

O passe de mágica que destronou a direita, que se preparava para nos infernizar a vida por mais quatro anos, aconteceu.

Lembrar o quanto José Saramago ficaria feliz com a possibilidade das esquerdas -finalmente! – terem iniciado os caminhos da unidade.

Uma unidade que já vem dos tempos da Assembleia Constituinte, mas que certos actores, com fins então inconfessáveis, desprezaram.
 
Em artigos de opinião, em conferências, em entrevistas, José Saramago nunca deixou de vincar aparece o mote da unidade com vista ao nosso futuro de povo.

Nos dias que correm, estão muito difíceis os tempos deste governo do Partido Socialista apoiado pelas esquerdas.

Bruxelas, os mercados, o raio que os parta, tudo junto, a tentarem que o sonho, mesmo sendo débil, se desfaça.

Um trabalho que, tanto o Partido Socialista, o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda, têm de preservar.

Sob pena de não existir uma outra oportunidade e de todos ficarem mal no retrato.

Onde poderemos encontrar, bem declarado, esse velho sonho de Saramago, será nas Folhas Políticas, que reúne artigos de imprensa, principalmente artigos publicados no semanário Extra.

No meio das nuvens cinzentas que se vão acastelando, é saudável revisitar esses textos:

Do alto da sua tribuna, o presidente da Assembleia da República não vê a Nação: vê (quando estão todos) 263 deputados que, pela graça da aritmética, a representam. Está a Direita, está o Centro, está a Esquerda: Ninguém precisa de (se) interrogar sobre o que seja a Direita, ninguém acha oportuno averiguar se o Centro o é de facto, mas todos nos inquietamos com a Esquerda, com o passado, o presente e o futuro da Esquerda. Falta saber (o tempo virá a dizer, por força) se essa inquietação é sinal de saúde ou de doença, da Esquerda e de quem para ela se volta interrogativo, com uma preocupação porventura autêntica, mas não destituída de algum comprazimento. Outra vez em Portugal se tornou mais fácil falar das coisas adio que fazê-las, outra vez (passe a banalidade da alusão) cuidamos mais de discutir o sexo angélico do que de investigar os modos de levar os anjos a fazer filhos, sejam os ditos anjos machos ou fêmeas.
(…)
Por aqui se concluirá que, segundo entendo, a questão da Esquerda, logo a questão do Socialismo, tem de passar por uma definição do partido Socialista no que toca ao lugar que ocupará (ou não) na futura luta, ou, se a linguagem parecer demasiado bélica, no futuro empenhamento das forças de Esquerda. A grande responsabilidade do partido Socialista tem sido a de paralisar, pela sua contradição interna, a irrecusável definição: é possível, por isso, afirmar que, no sentido mais rigoroso do termo, o Partido Socialista adiou o Socialismo. Porque o adiou dentro de si próprio.
(…)
Encontremo-nos, pois, e confrontemos. Sabendo cada um o lugar que ocupa, agora, no sector da esquerda que for o seu, sem subvalorização do que, efectivamente, esse sector representar como expressão colectiva. E tenhamos em vista que o objectivo é o Socialismo. A esquerda não é um fim em si, um modo vitimizante ou triunfalizante de estar no mundo: é uma estrutura, um instrumento, uma organização. Que, como todas as coisas, serão julgados pelos resultados. E nós de caminho.

(De um texto publicado na revista Abril, Fevereiro de 1976.

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