Há um governo do
Partido Socialista, apoiado pelas esquerdas.
O passe de
mágica que destronou a direita, que se preparava para nos infernizar a vida por
mais quatro anos, aconteceu.
Lembrar o quanto
José Saramago ficaria feliz com a possibilidade das esquerdas -finalmente! –
terem iniciado os caminhos da unidade.
Uma unidade que
já vem dos tempos da Assembleia Constituinte, mas que certos actores, com fins então inconfessáveis, desprezaram.
Em artigos de
opinião, em conferências, em entrevistas, José Saramago nunca deixou de vincar aparece o mote da unidade com
vista ao nosso futuro de povo.
Nos dias que
correm, estão muito difíceis os tempos deste governo do Partido Socialista apoiado pelas esquerdas.
Bruxelas, os
mercados, o raio que os parta, tudo junto, a tentarem que o sonho, mesmo sendo
débil, se desfaça.
Um trabalho que,
tanto o Partido Socialista, o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda, têm de
preservar.
Sob pena de não
existir uma outra oportunidade e de todos ficarem mal no retrato.
Onde poderemos
encontrar, bem declarado, esse velho sonho de Saramago, será nas Folhas Políticas, que reúne artigos de imprensa, principalmente artigos publicados
no semanário Extra.
No meio das
nuvens cinzentas que se vão acastelando, é saudável revisitar esses textos:
Do alto da sua tribuna, o presidente da Assembleia da
República não vê a Nação: vê (quando estão todos) 263 deputados que, pela graça
da aritmética, a representam. Está a Direita, está o Centro, está a Esquerda:
Ninguém precisa de (se) interrogar sobre o que seja a Direita, ninguém acha
oportuno averiguar se o Centro o é de facto, mas todos nos inquietamos com a
Esquerda, com o passado, o presente e o futuro da Esquerda. Falta saber (o
tempo virá a dizer, por força) se essa inquietação é sinal de saúde ou de
doença, da Esquerda e de quem para ela se volta interrogativo, com uma
preocupação porventura autêntica, mas não destituída de algum comprazimento.
Outra vez em Portugal se tornou mais fácil falar das coisas adio que fazê-las,
outra vez (passe a banalidade da alusão) cuidamos mais de discutir o sexo
angélico do que de investigar os modos de levar os anjos a fazer filhos, sejam
os ditos anjos machos ou fêmeas.
(…)
Por aqui se concluirá que, segundo entendo, a questão
da Esquerda, logo a questão do Socialismo, tem de passar por uma definição do
partido Socialista no que toca ao lugar que ocupará (ou não) na futura luta,
ou, se a linguagem parecer demasiado bélica, no futuro empenhamento das forças
de Esquerda. A grande responsabilidade do partido Socialista tem sido a de
paralisar, pela sua contradição interna, a irrecusável definição: é possível,
por isso, afirmar que, no sentido mais rigoroso do termo, o Partido Socialista
adiou o Socialismo. Porque o adiou dentro de si próprio.
(…)
Encontremo-nos, pois, e confrontemos. Sabendo cada um
o lugar que ocupa, agora, no sector da esquerda que for o seu, sem
subvalorização do que, efectivamente, esse sector representar como expressão
colectiva. E tenhamos em vista que o objectivo é o Socialismo. A esquerda não é
um fim em si, um modo vitimizante ou triunfalizante de estar no mundo: é uma
estrutura, um instrumento, uma organização. Que, como todas as coisas, serão
julgados pelos resultados. E nós de caminho.
(De um texto
publicado na revista Abril, Fevereiro de 1976.
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