quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

OLHAR AS CAPAS


28 Crónica de um Percurso

José-Augusto França
Fotografias: Pedro Soares
Capa; Carlos Nogueira
Livros Horizonte, Lisboa, Junho de 1999

De cada eléctrico ficou só o guarda-freio cobrador, de “pull-over” desportivo, a quem se deu assento e um mostrador complexo de botões e luzes, para além do manípulo simples de ligar e desligar a corrente e acelerar até aos nove pontos, quando podia “ir a nove”, e de um ou dois travões niquelados, verticais, que se rodavam nas descidas, a propósito, e agora jazem, pendurados e inúteis. Amarelos que eram, na cor movente de cidades e carros recebem hoje em dia camuflagem de reclamos para vãs cobiças. Há muito perderam os salva-vidas de baixar e levantar, e já não os há abertos, para o Lumiar, para Benfica, para o futebol ou para a praia do Dafundo, em tempo caldo. Guardam ainda as janelas de puxar para cima e fixar a várias alturas, e madeiras no interior, envernizadas, mas a palhinha dos assentos de virara (que não viram mais) nem recordação já é, e não serve mais o corrimão vertical, de pau, que se agarrava saltando para o estribo, lá ficando pendurados os cachos de gente. Como não há atrelados nem grandes articuladas, de lagarto, para abrir e fechar, à entrada, consoante o sentido da marcha. E um silvo estridente esguicha agora para abrir passagem, que outrora era o caso de pedal pisado com variada fúria. E mesmo as paragens já não são o que eram…
O trajecto faz-se, só impedido e atrasado, aqui e ali, por automóveis a mais, no seu trânsito sem lei nem roque – e o 28 leva sempre turistas para o Castelo e muitas vezes carteiristas conhecidos no ofício e impunes pelo pitoresco; e também gente normal, de ir à Baixa e voltar para casa, como existe ainda, mas cada vez menos, em Lisboa… E foi também este o eléctrico que o Tanner tomou, filmando ruas, fora e dentro da carruagem, na sua fascinada demanda “dans la ville blanche” de há quinze anos.

Sem comentários: