28 Crónica de um Percurso
José-Augusto
França
Fotografias:
Pedro Soares
Capa; Carlos
Nogueira
Livros
Horizonte, Lisboa, Junho de 1999
De cada eléctrico ficou só o guarda-freio cobrador, de
“pull-over” desportivo, a quem se deu assento e um mostrador complexo de botões
e luzes, para além do manípulo simples de ligar e desligar a corrente e
acelerar até aos nove pontos, quando podia “ir a nove”, e de um ou dois travões
niquelados, verticais, que se rodavam nas descidas, a propósito, e agora jazem,
pendurados e inúteis. Amarelos que eram, na cor movente de cidades e carros
recebem hoje em dia camuflagem de reclamos para vãs cobiças. Há muito perderam
os salva-vidas de baixar e levantar, e já não os há abertos, para o Lumiar,
para Benfica, para o futebol ou para a praia do Dafundo, em tempo caldo.
Guardam ainda as janelas de puxar para cima e fixar a várias alturas, e
madeiras no interior, envernizadas, mas a palhinha dos assentos de virara (que
não viram mais) nem recordação já é, e não serve mais o corrimão vertical, de
pau, que se agarrava saltando para o estribo, lá ficando pendurados os cachos
de gente. Como não há atrelados nem grandes articuladas, de lagarto, para abrir
e fechar, à entrada, consoante o sentido da marcha. E um silvo estridente esguicha
agora para abrir passagem, que outrora era o caso de pedal pisado com variada
fúria. E mesmo as paragens já não são o que eram…
O trajecto faz-se, só impedido e atrasado, aqui e ali,
por automóveis a mais, no seu trânsito sem lei nem roque – e o 28 leva sempre
turistas para o Castelo e muitas vezes carteiristas conhecidos no ofício e
impunes pelo pitoresco; e também gente normal, de ir à Baixa e voltar para
casa, como existe ainda, mas cada vez menos, em Lisboa… E foi também este o
eléctrico que o Tanner tomou, filmando ruas, fora e dentro da carruagem, na sua
fascinada demanda “dans la ville blanche” de há quinze anos.
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