terça-feira, 26 de abril de 2016

TRÊS CARNEIROS DO TEJO



Nasce na serra de Albarracim, em Espanha,
entra-nos em casa pelo Ródão,
arremeda-nos a sua galadela,
depois acalma, vai deitando corpo,
e aqui, já todo ancho, o atravesso
diàriamente, eu, o ribeirinho
que traz a mão na estiva de palavras
no outro lado e a cabeça algures.

Cada um com sua nuvem rente à boca,
que em alguns é o cúmulo da prosápia,
das leiras do sono nós todos arrancamos
pra Lisboa, a tão estremecida,
e ao barbeirinho opomos catadura
de quem está zangado com a vida.

E estamos.

                               *

Dragado de conversas, Tejo, darias mais calado
à nossa companhia,
mas calados só eu e a rapariga
que passou a noite a vadrulhar,
deu um pulo à tia e volta prà cidade
já quase na pele de outra pessoa,
retocado o bâton, aproveitada a olheira,
reposto o seio no lugar, tão sobranceiro!

É de dia caixeira, aposto eu.
Não vale que tu viste, digo eu.

                                *

Ó Tejo nunca inaugurado, nesta praça
devia haver comércio, esplanadas, mesas
onde eu assentaria o cotovelo e, a cafés,
diria, versejando, quem não és.


Com as Dez Odes do Dr. Armindo,
que, aliás, são um poema lindo,
ó Tejo vaidosão tu transbordaste,
tu não te contiveste, tu não te aguentaste!


Mas eu, Tejo continuado, nesta praça
minist'rial que mais te posso dar,
a ti que vens de Albarracim, meu espanhol,
que passaste Almourol,
que passaste Pereira Gomes e Redol,
senão a frase sim ou não ouvida,
com este meu ouvido, com esta minha vida,
a um rapaz que, sem malícia, veio,
da sombra de sei lá de que sobreiro,
para dar em alguém, cá na cidade:



Ser da polícia,
dá cantina, barbeiro, autoridade.

Alexandre O’ Neill em Feira Cabisbaixa

Sem comentários: