Victor Cunha
Rego escreveu numa crónica publicada no Diário
de Notícias:
A pessoa preparar-se para a morte é a grande
finalidade da vida.
Paulo Varela Gomes morreu hoje , aos 63 anos, de um cancro que lhe foi diagnosticado há
quatro anos.
Em Junho do
ano passado, escreveu um impressionante texto, publicado na revista Granta:
Tenho um cancro de grau IV. De cada vez que
abro o teclado do computador na intenção de escrever, ocorre-me a frase, já mil
vezes repetida, “Quando estiverem a ler estas linhas, é provável que o autor já
não esteja vivo”.
São incontáveis os artigos, livros,
documentários e filmes sobre pessoas que morrem de cancro. Nunca vi nenhum
porque não aguento o stress mas ouvi dizer que alguns são eficientes e fazem os
espectadores chorar muito. Não vou escrever aqui um artigo desse género,
primeiro, porque não sou capaz, e em segundo lugar porque a história da minha
doença e daquilo que tenho feito para lidar com ela tem algumas características
muito peculiares que podem interessar a todo o género de pessoas que se
preocupam com a vida e a morte e que pensaram com seriedade no tema deste
número da Granta: “Falhar melhor”.
Tudo começou quando acordei uma manhã com um
inchaço do tamanho de uma amêndoa no lado esquerdo do pescoço. Iludido por uma
espécie de incredulidade optimista, pensei que se tratava do resultado de uma
infecção nos dentes ou na garganta. Desenganou-me um médico especialista dessas
áreas com quem fui falar alguns dias depois: “O senhor tem uma massa na
garganta. É melhor ir ver isso rapidamente.” Estava muito grave e sossegado,
ele. Percebi depois que nunca lhe tinha passado pela cabeça que alguém não
soubesse o que quer dizer “massa” em termos orgânicos. Esta foi a única
consulta médica a que a Patrícia, minha mulher e minha “curadoura”, não me
acompanhou. Estava a ajudar a Rita a podar as videiras da Vinha Comprida.
Quando lhe telefonei a transmitir a seca mensagem do médico, percebeu tudo e
diz-me que ficou imenso tempo a olhar lá para o longe, para o pinhal sobre a
várzea, com as lágrimas a correr-lhe pela cara.
Quarenta e oito horas depois fiz a
obrigatória TAC cervical. Despi-me sem preocupações, coloquei aquela bata
ridícula dos hospitais que faz qualquer pessoa parecer que sofre
ininterruptamente dos intestinos, deitei-me na máquina. No fundo, esperava boas
notícias: não tarda, iriam informar-me de que se tratava de uma chatice menor.
Estivemos depois hora e meia debaixo da luz verde escura, crepuscular, da sala
de espera. Quando o radiologista veio falar connosco, acabou nesse preciso
instante a vida que levávamos juntos há mais de duas décadas. O radiologista
tinha a expressão macambúzia de quem apresenta os pêsames a uma família
enlutada: cancro na otofaringe com tumor na cadeia linfática cervical posterior
e metástases no pulmão. Não operável. Tratamentos em doses muito altas de
quimio e radioterapia para, daí a dois a quatro meses, deixar de poder comer ou
respirar.
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