Os dias longos, as noites no meio do mar.
Espero o porto de chegada, as virtudes restituídas, o espírito enfim
reconciliado com o mundo. E desembarco, há uma qualquer experiência
surpreendente, caminho para o conhecimento. Consigo agarrar essa meada ainda irreconhecível:
a maneira como tudo se enreda em tudo. Desabituei-me dos milagres. Sabe-se como
é: quase todas as manhãs acordo angustiado, esforço-me por imaginar que este
dia é virgem e primeiro, carregado de poderes enigmáticos, destinado às
revelações. Literatura. Merda. Trata-se de mais um dia em que me vou chatear,
aturar os meus semelhantes, a filha-da-putice teológico-emocional de um Deus
que, ainda por cima, não existe. Posso especular sobre a revolução,
evidentemente. Que revolução? A revolução, claro. Pois é: a minha revolução não
dá um passo.
Herberto Helder em Os Passos em Volta
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