domingo, 25 de dezembro de 2016

A SUA MISSÃO DIZIA RESPEITO AOS VIVOS


- Minha gente – disse o Dr. Copeland, sem expressão, e depois houve uma pausa. E as palavras acudiram-lhe de repente:
É este o décimo nono ano em que nos reunimos nesta sala para celebrar o Dia de Natal. Foi uma época sinistra, aquela em que o nosso povo ouviu falar pela primeira vez do nascimento do Nosso Senhor. Os negros escravos eram vendidos na praça do tribunal desta mesma cidade. Desde então, temos ouvido e contado a história da Sua vida um sem-fim de vezes. Assim, hoje a nossa história vai ser outra.
Há cento e vinte anos, outro homem nasceu num país conhecido pelo nome de Alemanha… longe, do outro lado do oceano Atlântico. Este homem compreendia, tal como Jesus Cristo. Mas os seus pensamentos não estavam dominados pela ideia de céu, ou do destino dos mortos. A sua missão dizia respeito aos vivos. À grande massa de seres humanos que labutam e sofrem, e mourejam até à morte. Às pessoas que ganham a vida a lavar roupa, a cozinhar para os outros, a colher algodão, a trabalhar com as tinas de tinturas escaldantes nas fábricas. A sua missão dizia-nos respeito a nós, e o seu nome era Karl Marx.
Karl Marx era um homem de senso, um sábio. Estudou e trabalhou e compreendeu o mundo em que vivia. Disse ele que a humanidade estava dividida em duas classes, os pobres e os ricos. Por cada rico havia mil pobres que trabalham para o tornar mais rico. Não dividiu o mundo em negros e brancos ou chineses: segundo Karl Marx, ser um dos milhões de pobres, ou um dos poucos ricos, era mais importante para um homem do que a cor da sua pele. A missão da sua vida era tornar todos os homens iguais, e repartir as grandes riquezas do mundo de tal forma que não houvesse mais ricos nem mais pobres, e que cada qual recebesse a sua quota-parte dos bens do mundo. Eis um dos mandamentos que Karl Marx nos deixou: «De cada um segundo a sua capacidade, a cada qual consoante as suas necessidades.»

Carson McCullerrs em Coração Solitário Caçador

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