A notícia poderia
ser o Jorge Silva Melo quando chama mentiroso ao Presidente da República ao
dizer que estivera no primeiro espectáculo da Cornucópia, O Misantropo, de
Moliére, em 1973, «é que eu é que tratava dos bilhetes, tenho memória
infalível, era a nossa estreia e sei lindamente quem foi (muitos já morreram) e
quem não foi.»
Mas volto-me
para o texto que a Maria do Rosário Pedreira publicou ontem no seu blogue Horas Extraordinárias:
Desde que comecei a trabalhar na edição que vejo
muitos jornalistas de qualidade desaparecerem de cena em levas sucessivas de
despedimentos colectivos. E reparo que, frequentemente, os que saem são
justamente aqueles que eu achava desempenharem melhor a sua função,
substituídos por moleques e miúdas que têm quantas vezes ordenados de miséria
mas dizem a tudo que sim. Desta feita, a injustiça tocou a alguém que está
perto de mim – uma autora que, além de galardoada desde muito cedo como
jornalista com quase todos os prémios de jeito que havia para ganhar, ainda
arrecadou com o seu romance de estreia o prémio mais cobiçado atribuído
anualmente a uma obra de ficção. Falo, evidentemente, de Ana Margarida de
Carvalho (e de Que Importa a Fúria do Mar), que acaba de ser dispensada da
revista Visão, para a qual trabalhava havia muitos anos, e que tinha
seguramente mais bagagem, experiência e talento do que muitos dos seus
confrades que lemos ou ouvimos actualmente nos meios de comunicação
portugueses. Segundo um post que ela própria publicou no seu mural do
Facebook, a terrível notícia foi-lhe dada por um membro dos Recursos Humanos da
empresa, nem sequer por aqueles que chefiam a redacção ou dirigem a revista,
como se as pessoas já nem fossem pessoas, mas meros números, e não merecessem
respeito nem gratidão pelo trabalho que fizeram durante anos. Fico muito triste
– não só por ela, mas pelo estado a que as coisas chegaram num país que teve de
lutar pela liberdade de expressão durante tanto tempo e que, afinal, mais de 40
anos decorridos do estabelecimento da democracia, volta a comportar-se como se
estivesse numa ditadura (a ditadura do dinheiro e das vendas): Pensas, logo não
podes existir.
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