domingo, 25 de dezembro de 2016

O QUE RESTA DO MEU SONHO AMERICANO


Hoje, dia de Natal (que notícia mais estranha, ouvida a olhar para o pinheiro), morreu a alegria ela mesmo, a melancolia ela mesmo, a esperança ela mesmo, a geometria exacta do lirismo: morreu Charlie Chaplin. Realmente, só faltava esta: morrer o Chaplin. Não era possível, realmente, descobrir notícia mais interessante, realmente, para dar no dia de Natal, do que nos virem dizer que morreu o Chaplin. O que vale, menino, é que já nada nos surpreende.
Cá por mim, íntimo de Charlot até à última costela, que passei com ele as passas do Algarve, já nem ligo. O meu amigo Charlie, ninguém o mata. É o matas. Seria matar esta gargalhada que ainda hoje dou, esta fraternidade de estar de pé, para estar de pé. Nisso, sou intransigente. Ninguém mata o Charlot porque não quero. Ninguém mata as luzes da cidade, ninguém mata as quimeras de oiro.
Estou aqui para defender esta ideia, defendê-la contra a morte. Nem que tenha de pedir a pistola emprestada ao Bogart, nem que tenha de não sei quê.
Porque é isto que resta do meu sonho americano.

Dinis Machado em O Lugar das Fitas

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