Astrónomos Portugueses
Pedro Alvim
Capa: José
Araújo
Editorial
Caminho, Lisboa, Julho de 1978
Como quem acende o bico do esquentador, e abre a
torneira do lavatório chamando a água quente – assim o começo das manhãs. O dia
era sempre uma palavra de ordem, uma toalha molhada pelos olhos, um pente
correndo os cabelos… O dia, primeiras horas logo, era o ambiente a modificar:
eles sabiam das sílabas mal colocadas, das vogais que não riam um acento agudo,
do til ondulado sem expressão de voo. Uma outra estrofe, um outro sentido.
Esta, este:
«É verdade que, em toda a nossa história, houve sempre
portugueses que, por espírito mesquinho de classe, estiveram de cócoras diante
do estrangeiro, prontos a sacrificarem os interesses da Pátria a interesses não
nacionais. Todos nós conhecemos os nomes de tais homens, e execrámo-los. Durante
séculos e séculos, como bicho dentro da maçã, o partido castelhano corrompeu e
desfibrou o País até o levar aos opróbrios de 1580; mais perto de nós, foram os
integralistas (ora de imitação francesa, ora de figurino germanófilo e nazi)
que se entregaram à mesma tarefa. Hoje, erguem-se vozes a cantar loas à Europa –
não à Europa dos trabalhadores, claro, mas à Europa dos monopólios e das
sociedades multinacionais. Ontem, houve quem servisse Castela contra a arraia
miúda; hoje há quem deseje colocar as classes laborais portuguesas na situação
de fogueiras da fornalha da Europa capitalista…» (1)
Interrogavam-se:
«Alguém um dia falará assim?»
Respondiam:
«Certamente que sim!»
«E se vier a traição e calar estas palavras…?»
Como quem acende o bico do esquentador, e abre a
torneira do lavatório chamando a água quente – assim a circulação das palavras
certas no começo das manhãs invertas.
( (1) -Vasco Gonçalves, «Discurso de Almada»,
Agosto/75
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