Um dos cantores com o qual me cruzei muito, Richie Havens, tinha sempre uma
rapariga giraça com ele a passar o chapéu e reparei que sempre se deu bem com isso.
Ela chegou mesmo a passar dois chapéus. Se não se tivesse um truque qualquer,
acabava-se como uma presença invisível, o que não era bom. Um par de vezes,
fisguei uma rapariga que conhecia do café Wha?, uma empregada que era boa de
ver. Íamos de sítio em sítio, eu tocava e ela dedicava-se à colecta, usava um
pequeno boné esquisito, rímel preto carregado, blusa curta de renda – parecia
quase nua da cintura para cima, por baixo de um casaco tipo capa. Dividia o
dinheiro com ela mais tarde, mas era uma confusão passar a vida naquilo. Ainda
assim, conseguia mais dinheiro com ela do que quando trabalhava por minha
conta.
O que realmente me fazia sobressair naqueles tempos
era o meu reportório. Mais formidável do que o do resto dos cantores de café, o
meu género eram as canções folk
«hard-core» acompanhadas por acordes estridentes e incessantes. Das
duas uma, ou afastava o público ou o fazia aproximar para ver o que era aquilo.
Não havia meio termo. Os melhores cantores e músicos paravam nestes sítios mas
ninguém que se aproximasse em essência ao que eu andava a fazer. As canções folkeram
a maneira como eu explorava o universo, eram imagens e as imagens valiam mais
do que tudo o que eu pudesse dizer. Eu conhecia a substância interior da coisa.
Podia facilmente relacionar as peças. Não tinha problema nenhum em despachar de
uma só vez as canções «Columbus Stockade», «Pastures of Plenty», «Brother in
Korea» e «If I lose, Let me Lose», como se fossem uma única longa canção.
Grande parte dos outros artistas tentava promover-se em vez de destacar as canções
mas isso não me interessava. Comigo tratava-se de tirar partido da canção.
Bob Dylan em Crónicas
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