São belos os seus cadernos de viagem, com todos os
pormenores de variados interesses: um bilhete de entrada para um qualquer
museu, um bilhete de teatro, a conta da limonada, a fatura do hotel, o bilhete
de avião, tudo, tudo com legendas e cheio de explicações. Verdadeiros
compêndios artística e sensivelmente organizados para um estudo de imagens, de
costumes e pormenores de civilizações diferentes da nossa, álbuns riquíssimos contados
quase como num diário de hora a hora.
De ti para nós.
Cuidadosamente anotados, com desenhos por mão própria,
fotografias coladas, bilhetes-postais, frases perfeitas, poemas imaginários.
Num desses cadernos de viagem escritos todos os dias
ao fim do dia – tal como um artista desenharia as suas impressões de tudo
quanto vai vendo -, dedicado a uma visita a Londres, numa das páginas está
colada uma pena de pombo. A legenda, no rodapé, é: Pena de pombo de Trafalgar Square.
Poderá parecer inocente, frágil até, esta frase.
Contudo, penso nela. Nesta frase não existe a ausência ou a distância. Nem
saudade. Existe vida. Tal e qual ela é concebida neste elemento do cosmos em
que habitamos e a que chamámos planeta, e ainda por cima, Terra. A pena do tal
pombo, apanha numa praça de Londres, ao acaso, é ela própria um microcosmos. Já
pertenceu a um corpo de ave que por sua vez pertenceu a um todo. A este todo
cósmico.
Meras conjeturas! Simples pensamentos. E quanto mais
simples mais complexos. Não foi posta ali nesse caderno por mero acaso. Rómulo,
ao recolhê-la e ao fixá-la, quis muito mais do que esse imediato pensamento – Olha! Uma pena de Pombo inglês! Que
engraçado! Do que ele se foi lembrar! – Muito mais do que isto! Porque ele
sabia o poder da interrogação, o sentimento na dúvida, e, observando a pessoa
que era, tudo continha uma intenção pedagógica.
Todos os pássaros têm penas! Esta é a verdade! Esta é
uma pena que eu tenho.
Todas as penas são diferentes.
Cristina
Carvalho em Rómulo de Carvalho/António Gedeão, Príncipe Perfeito
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