sábado, 24 de dezembro de 2016

OLHAR AS CAPAS


Contos de Natal

Charles Dickens
Tradução: Lucília Filipe
Colecção Mil Folhas
Público, Porto, Dezembro de 2002

- Feliz Natal, tio! Deus o salve! – gritou uma voz alegre. Era a voz do sobrinho de Scrooge, o qual se dirigiu a ele tão rapidamente que aquilo foi o primeiro sinal da sua aproximação.
- Bah! Disse Scrooge -, aldrabices!
Este sobrinho de Scrooge aquecera de tal maneira com a caminhada apressada pelo nevoeiro e geada que todo ele irradiava calor. O rosto era rosado e bonito, os olhos brilhavam e o seu hálito fumegava.
- O Natal é uma aldrabice, tio?! – disse o sobrinho de Scrooge. – Tenho a certeza de que não fala a sério.
- Falo – disse Scrooge. – Feliz natal! Que direito tens tu de te sentires feliz? Que razão tens para ser feliz. És muito pobre.
- Deixe-se disso – retorquiu o sobrinho jovialmente. – Que direito tem o tio de estar triste? Que razão tem para estar taciturno? É muito rico.
Scrooge, não tendo melhor resposta pronta de repente, disse «Bah!» outra vez e repetiu:
- Aldrabices!
- Não esteja zangado, tio! – disse-lhe o sobrinho.
-Que mais posso eu estar – objectou o tio -, vivendo num mundo destes? Feliz Natal! Deixa-te de Feliz Natal ! O que é para ti o Natal além da época de pagar as contas sem dinheiro, altura de dares contigo mais velho um ano, mas nem uma hora mais rico, altura de fazeres o balanço das tuas contas e teres cada parcela delas, em todos os doze meses do ano, com um saldo negativo? Se eu pudesse agir à minha vontade – disse Scrooge, indignado -, todo o idiota que anda para í com essa de «Feliz Natal» na boca devia ser cozinhado com o seu pudim e enterrado com uma estaca de azevinho espetada no coração. Isso é que devia!
- Tio! – suplicou o sobrinho.
- Sobrinho! – respondeu o tio asperamente. – Vive o natal à tua maneira que eu vivo-o à minha.
- Vive-o! – repetiu o sobrinho de Scrooge. – Mas o senhor não o vive.
- Então deixa-me não o viver – disse Scrooge – Vale de muito! Sempre te valeu de muito!
- Eu diria que há muitas coisas das quais talvez tenha tirado algo de bom e de que não tirei nenhum lucro – retorquiu o sobrinho. – Entre elas o Natal. Mas sei que sempre pensei no Natal – não falando na veneração devida ao seu sagrado nome e origem, se é que algo a ele ligado pode estar afastado dela -, pensei nele sempre como uma época boa; uma época de perdão, de caridade e de alegria; a única época de todo o ano, que eu saiba, durante a qual homens e mulheres parecem abrir, de comum acordo e livremente, os seus corações fechados e pensar nos que estão abaixo deles como se de facto fossem seus companheiros de viagem para a sepultura e não uma outra raça de seres destinados a outras viagens. E por isso, meu tio, ainda que ele não me tenha metido ao bolso uma só migalha de ouro ou de prata, acredito que me tem feito bem e me fará… bem e digo: bendito seja! 

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