Na revista Ler
nº 38 Primavera/Verão 1997 abordava meio século do movimento do surrealismo em
Portugal, mais concretamente em Lisboa.
«Foi uma explosão de Liberdade. Isso não é coisa que
se esqueça, irmãos! E eles, digo: o Cesariny, o Lisboa, o Seixas, o António
Domingues, noutra banda o António Pedro, o França, o O’Neill, Moniz Pereira,
tinham que lutar em duas frentes: a do regime e seus acólitos (pide, fachos) e
a dos neo-relaistões e seus próceres, já lançados na correria para o sucesso e
as coroas, as massinhas.»
Mas, neste
artigo, Luiz Pacheco fala particularmente do Mário-Henrique Leiria:
«Não referi atrás um nome principal: Mário-Henrique
Leiria. Propositadamente, deixei-o esquecido. Mas a fingir. O Mário morreu em
1980. Não sei quem, nem como, nem para quê, teceram-lhe uma legenda de morte na
miséria, no abandono. Não dei por tal. Da última vez que o visitei na Vivenda
Xavier, em Carcavelos, estava doente, acamado. Mas dotado do humor mordaz que
sempre lhe conheci. Rimo-nos muito, como de costume. Não viveria no luxo,
tão-pouco caíra no lixo. Diminuído no físico, alerta e destro no espírito. E
com obra feita e com obra por publicar. O Mário-Henrique Leiria, em matéria
escrita, é o único surreal que resistiu e ganhou público. As várias, sucessivas
edições dos seus livros na editorial estampa, os Contos do Gin-Tonic e os Novos Contos do Gin, será a melhor prova de que ele atingiu uma massa de leitores muito
mais novos, aos quais o Surreal e surrealismo lisboeta ou estranja, é mera
etiqueta a desprezar. Mas não já o feroz humor, o total non-sense das
historinhas que o Mário foi colhendo numa vivência de trota-mundos e Aventura
sem igual nos companheiros de 1947. E uma turbulência revolucionária – quem,
agora, o poderá capazmente recordar? Viajou, lutou, terá andado metido em
múltiplas causas perdidas, pois tal era o seu feitio e o seu destino. Há dois
livros dele que prefiro e, até, pensei em reeditar. São obras únicas: Conto de Natal e Lisboa ao Voo do Pássaro. Ora, por mão do Artur Manuel do
Cruzeiro Seixas recebi há pouco uma edição espanhola, bilingue, e lindíssima,
do poema Claridade Dada pelo Tempo. A ser editada como convinha, era
mister, o Leiria e nós merecíamos, custava uma fortuna. Mesmo assim, é livro a
ler, a ter no recanto dos reservados preciosos. O Mário-Henrique, com uma
personalidade vincada e nada disposto a grupelhos e mentores, em 1947 e nos
anos seguintes, ficou Bastante isolado. Que se fale nele, portanto. E noutro
morto, também votado ao silêncio: o suicida João Rodrigues que tem, segundo
suponho, por aí família e ninguém lhe liga nenhuma.»
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