Já nada será como dantes, diz ele, agora que se
aproxima mais um Natal. Aliás vendo bem, há muitos, muitos anos, que já nada
era como dantes. E, como sempre, nesta altura do ano, quando começam a
acender-se as luzinhas das iluminações das ruas, quando as montras principiam a
apelar ao consumo e as pessoas pensam em presentes, festas e reuniões
familiares, abate-se sobre ele uma angústia grande, ao recordar outros tempos.
Alguém poderia então perguntar: Que
fizeste da tua juventude?
Os filmes da infância chegam-lhe à memória. As
lágrimas com o Bambi, o
divertimento com O Feiticeiro de Oz, a animação de tantas figuras
criadas por Walt Disney, a começar num Pinóquio, que ele tinha lido
primeiro em livro cartonado, oferta do primo coronel Bento Roma, que até agora
tem nome de rua em Lisboa.
Mas, na infância, não eram os filmes que contavam. Era
si, a grande família que re reunia, todos os Natais, no casarão da rua Direita,
em Chaves. Era um peru cambaleante, bêbedo de jeropiga, nas escadas ao pé da
cozinha, o fogão a lenha a brilhar, o cheiro dos doces, a árvore e um presépio
e, tantas vezes, lá fora, neve a sério, para dar um toque naturalista. E
canções, jogos, os sinos da Matriz a chamarem para a missa do galo.
Eduardo Guerra
Carneiro em Outras Fitas
Legenda: pintura de Albrecht Durer
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