Às oito e vinte
abria a porta da rua e por ela saía rumo ao Liceu normal de Pedro Nunes. O
percurso era sempre feito a pé, estivesse sol intenso ou fosse chuva
torrencial. E era ainda bastante longo, desde a rua Sampaio Bruno, em Campo d’
Ourique, até à Av. Pedro Álvares Cabral, na Estrela.
À hora de almoço
o mesmo trajecto. Exactamente o mesmo trajecto sem qualquer desvio, mas em
sentido contrário. Vinha sempre almoçar a casa. Passada uma hora tornava a sair
com o mesmo destino. Às seis e meia da tarde, em ponto, estava a meter a chave
à porta, uma das chaves do molhinho de chaves que se ouvia tilintar ainda ele
vinha a dobrar a esquina da Rua Coelho da Rocha para a Sampaio Bruno. Talvez
significasse, esse antecipado tilintar, alguma pressa que teria em chegar a casa,
em sentir-se envolvido nesse espaço aconchegado, arrumadíssimo, que era o seu
pequeno escritório. No parapeito da janela, as eternas violetas que regava dia
sim, dia não, esperavam pela sua discreta atenção.
Ali ficava, em
silêncio, a escrever. A telefonia, sempre no mesmo posto, vertia baixinho.
Às oito em ponto
jantava-se. Conversava-se, então, e muito! E era bom quando de verão se abria a
janela da casa de jantar que dava para os quintais das traseiras e ouvíamos,
como numa reza prévia, como uma oração, as conversas das vizinhas, de janela
para janela, sempre e sempre àquela hora.
A comer e a
conversar, ali estávamos à mesa mais ou menos uma hora. Era como a presença do
verão – a época do ano que Rómulo mais gostava – por ali, pendurado das janelas
das traseiras, mais ou menos pouco tempo.
Cristina
Carvalho em Rómulo de Carvalho/António Gedeão, Príncipe Perfeito
Legenda:
fotografia Mapio
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