Havia certas rotinas, na sua maneira de viver, que não
condiziam com os hábitos tradicionais das famílias e mesmo se vivesse nos dias
que hoje correm, seria assim. Era a sua maneira de ser e de entender a vida das
pessoas no mundo. O dia de natal, por exemplo, não apresentava nenhuma
diferença de outro dia qualquer do ano. Não se enfeitava a casa, não havia
presépio nem «espírito natalício». O costume, nesse dia, era lanchar em casa da
sua mãe.
Lá íamos.
Comprava-se um pequeno bolo-rei numa pastelaria
qualquer, apanhávamos o elétrico, descíamos na Rua de Buenos Aires,
caminhávamos um pouco, ele batia três repenicadas, a porta da rua abria-se,
abraços e beijos. Sentávamo-nos então, com amor e sem pressa, à volta da mesa
do lanche. Sem haver nenhuma troca de presentes a assinalar a data, era costume
eu receber nesse dia – e recebi durante anos e anos sem fim – o novo exemplar
do Almanaque Bertrand referente ao novo ano que daí a uma semana chegaria.
Não havia, pois, comemorações especiais neste ou
naquele dia. Não era uma questão económica. Era uma consciência plena e a
aceitação, perceção dessa mesma vontade da consciência. Também não impunha nada
a ninguém. Explicava por palavras simples e frases transparentes por que não
fazia isto ou aquilo. O seu próprio dia de aniversário era um dia igual aos
outros todos, sem festejos nem comemorações. Poderá parecer estranho tudo isto,
na sociedade em que vivemos, onde todos cumprimos com «obrigações» indistintas
e muitas vezes desinteressante. Onde se comemora tudo e nada a maior parte das
vezes sem qualquer convicção, apenas porque se deve comemorar ou faz parte ou é
costume.
Cristina
Carvalho em Rómulo de Carvalho/António Gedeão, Príncipe Perfeito
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