Entre
a enxerga e as tábuas da cama, eu encontrara, com efeito um velho bocado de
jornal, amarelecido e transparente, quase colado ao pano. Relatava um
acontecimento cujo início faltava, mas que devia ter sucedido na
Tchecoslováquia. Um homem partira de uma aldeia para fazer fortuna. Ao fim de
vinte e cinco anos, rico, regressara casado e com um filho. A mãe dele,
juntamente com a irmã, tinham uma estalagem na aldeia. Para lhes fazer uma
surpresa, deixara a mulher e o filho noutra estalagem e fora visitar a mãe, que
não o reconheceu. Por brincadeira, tivera a ideia de se instalar num quarto
como hóspede. Mostrara o dinheiro que trazia. De noite, a mãe e a irmã
tinham-no assassinado à martelada e atirado o corpo ao rio. No dia seguinte de
manhã, a mulher do desgraçado viera à estalagem e revelara, sem saber, a
identidade do viajante. A mãe enforcara-se. A irmã atirara-se a um poço. Devo
ter lido esta história milhares de vezes. Por um lado era inverosímil. Por
outro lado, era natura. De todos os modos, achava que o viajante merecera até
certo ponto a sua sorte e que nunca se deve brincar com estas coisas.
segunda-feira, 30 de junho de 2014
domingo, 29 de junho de 2014
PORQUE HOJE É DOMINGO
Hoje
é Dia de São Pedro.
Por
este ano, acabaram os Santos Populares.
Como
diz a canção: Santo António já se acabou, o São Pedro está-se a acabar e eu
nunca entendi muito bem porque se um acabou , outra está a acabar, ainda se vai
buscar o São João, que no meio está e também já acabou.
Questões
de rima, possivelmente.
Pouco
importa.
Agora
estamos no Verão, de repente verificaremos que Setembro já se aproxima e que,
tudo num grande galope, estaremos de novo no Natal.
Bom
domingo!
São João santo Bonito,
Bem bonito que ele é. Bem bonito que ele é
Com os seus caracóis de oiro,
E seu cordeirinho ao pé. E seu cordeirinho ao pé
Não há nenhum assim, pelo menos para mim
Nem mesmo São José.
Bem bonito que ele é. Bem bonito que ele é
Com os seus caracóis de oiro,
E seu cordeirinho ao pé. E seu cordeirinho ao pé
Não há nenhum assim, pelo menos para mim
Nem mesmo São José.
Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
São João vem ver as moças
Que bonitas que elas são, que bonitas que elas são.
São ainda mais bonitas
Na noite de São João, na noite de São João.
Não estavam só rapazes
Mais uma luz além.
Que bonitas que elas são, que bonitas que elas são.
São ainda mais bonitas
Na noite de São João, na noite de São João.
Não estavam só rapazes
Mais uma luz além.
Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
sábado, 28 de junho de 2014
OLHARES
Do que eu gostava mais no jardim Zoológico era do rinque de patinagem
sob as árvores e do professor preto muito direito a deslizar para trás no
cimento em elipses vagarosas sem mover um músculo sequer, rodeado de meninas de
saias curtas e botas brancas, que, falassem. Possuíam seguramente vozes tão de
gaze como as que nos aeroportos anunciam a partida dos aviões, sílabas de
algodão que se dissolvem nos ouvidos à amaneira de fins de rebuçado na concha
da língua.
António Lobo Antunes em Os Cus de Judas.
sexta-feira, 27 de junho de 2014
AGORA ACABOU-SE TUDO, BABY BLUE
Deves partir agora, leva o que precisas, o que pensas que há-de durar
Mas o que quer que desejes guardar, é melhor agarrá-lo depressa
Além está o teu órfão com a sua arma
Chorando como uma fogueira ao sol
Cuidado que os santos estão a passar
E agora acabou-se tudo, Baby Blue
A estrada é para os jogadores, é melhor usares o teu bom senso
Leva tudo o que juntaste da coincidência
O pintor de mãos-vazias das tuas ruas
Está a desenhar padrões loucos nos teus lençóis
Também este céu se está a dobrar debaixo de ti
E agora acabou-se tudo, Baby Blue
Todos os teus marinheiros enjoados, eles estão a remar para casa
Todos os teus exércitos de renas, estão todos a ir para casa
O apaixonado que acabou de sair pela tua porta
Tirou todos os seus cobertores do chão
Também o tapete se está a mover debaixo de ti
E agora acabou-se tudo, Baby Blue
Deixa o trilho de pedras para trás, algo chama por ti
Esquece os mortos que abandonaste, eles não te seguirão
O vagabundo que bate levemente à tua porta
Está com as roupas que dantes usavas
Acende outro fósforo, vai e começa de novo
E agora acabou-se tudo, Baby Blue
Bob Dylan
Canção do
álbum Bringing It All Back Home (1965)
Bob Dylan em Canções Volume I (1962-1973)
Relógio D’Água, Lisboa Setembro de 2006.
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
quinta-feira, 26 de junho de 2014
NOTÍCIAS DO CIRCO
Portugal disse adeus ao Mundial de Futebol.
No fundo... no fundo... é uma questão de unhas!...
Legenda: O Fado, pintura de José Malhoa.
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Notícias do Circo
OS IDOS DE JUNHO DE 1974
15
a 23 de Junho
NA ILHA TERCEIRA, Spínola e Richard Nixon analisaram o problema dos territórios do
ex-Ultramar e da cedência da Base das Lajes.
AINDA sem solução greve dos pescadores de sardinha de Matosinhos.
CONTINUANDO o impasse na Timex os trabalhadores aventam a hipótese de vender os relógios armazenados.
O MAJOR Pedro Pires, chefe da delegação do PAIGC às conversações de Argel declarou
que não houve respostas concretas da parte da delegação portuguesa.
AdAM MALIK, ministro indonésio dos Negócios estrangeiros, afirma que a Indonésia não
intervirá nos assuntos de Timor.
CERCA de 35 mil trabalhadores dos CTT estão em greve.
COMEÇOU a ser discutido em Conselho de Ministros o diploma de criação da comissão «ad hoc»
para controlo dos meios de comunicação social, até à publicação das novas leis
especificas.
O
jornal República recordava:
Num
artigo «Política e Cinema Político», assinado por João Lopes e publicado na Seara
Nova de Junho de
1974 citava-se Jean-Luc Godard:
É preciso começar por aprender a pôr os problemas de uma
forma diferente. De outro modo, no cinema como em qualquer outra luta social,
não saberemos responder senão de uma forma antiquada a questões completamente
novas.
EFECTUA-SE a primeira homenagem pública a José Dias Coelho com o descerramento de uma
lápide na Rua da Creche, onde em Dezembro de 1961, o pintor e escritor
comunista foi assassinado por elementos da PIDE.
O PAINEL executado em 10 de Junho por 48 artistas do Movimento Democrático de
Artistas Plásticos, passará a estar exposto na Galeria de Arte Moderna em
Belém.
COMPLICOU-SE inesperadamente a situação na Siderurgia Nacional. Os trabalhadores aguardam um
encontro com António Champalimaud.
FINAL DE UMA Carta Aberta a 200 Capitães da autoria de Artur Portela Filho e publicada no República
de 17 de Junho
de 1974:
Uma revolução não aparece feita, faz-se.
Uma revolução não se deixa a meio acaba-se.
Quando defendemos, u unidade entre o povo e as Forças
Armadas, não estamos a apenas a defender a unidade entre o povo e a totalidade
das Forças Armadas, de que a Junta de salvação Nacional é uma parte.
De resto, estamos a descobrir uma coisa enorme que é o
facto de que as Forças Armadas somos nós.
A nossa força é sermos todos.
Sermos um é a nossa fraqueza.
Fontes:
Recortes
de acervo pessoal, Diário de Uma Revolução, Mil Dias Editora, Lisboa,
Janeiro de 1978, Portugal Depois de Abril de Avelino Rodrigues,
Cesário Borga, Mário Cardoso, Edição dos Autores, Lisboa, Maio de 1976, Portugal Hoje, edição da Secretaria
de Estado da Informação e Turismo,
A
Funda,
Artur Portela Filho, Editora Arcádia, Lisboa
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António Spínola,
Censura,
Jornais,
José Dias Coelho
POSTAIS SEM SELO
Sim eu sei que sou um solitário e jamais encontrarei a forma de
destruir a minha solidão. No meio de milhões de seres, ombreando com eles,
encarando-os, respirando o seu hálito, tocando-lhes as mãos, sentir-me-ei
sempre perdido, isolado, crescendo num deserto. É o mal de todos nós na nossa
época: a solidão. Mas uma solidão estranha, paradoxal; não resistiria à ideia
de fazer esta viagem sem ver ninguém, e agora, aqui, rodeado por esta gente,
sinto-me infeliz e anseio por um reduto impossível.
Mário Ventura em A Noite da Vergonha
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Postais Sem Selo
quarta-feira, 25 de junho de 2014
POSTAIS SEM SELO
Quando chegavam cartas da América eu era requisitado para a leitura. A
minha fama de bom aluno do seminário fazia de mim o confidente necessário das
intimidades dos emigrados. Eu ia assim conhecendo a saudade crioula dos filhos
das ilhas. Tão variadas as cartas, mas todas elas revelavam a voz do arquipélago
chamando tenazmente os emigrantes para o canto do mundo donde partiram.
terça-feira, 24 de junho de 2014
AVENTUREIROS SEM GLÓRIA
Não quero entrar nos detalhes da história da ascensão e
queda de Ricardo Salgado. Tem demasiado odor a suor e outras secreções para ser
um assunto sobre o qual alguém que preserve um sentido apolíneo da decência e
da beleza queira escrever. O problema é de outra natureza. Salgado, Oliveira e
Costa, Rendeiro, Dias Loureiro são as ovelhas negras de uma casta que domina a
Europa inteira: os banqueiros da UEM. Uma elite certificada pelo Tratado de
Maastricht e pelas regras de funcionamento da zona euro. Tal como os
aristocratas da Europa do absolutismo, também eles estão acima da lei geral.
Inimputáveis, manipulam os governos e fazem do sistema de justiça um
interminável jogo de paciência que termina, invariavelmente, em absolvição por
cansaço e prescrição. Foi a sua desmesura que transformou o sistema financeiro,
de importância vital para uma sociedade de mercado funcional, no palco para uma
tragédia de Shakespeare. Nem todos os membros desta elite se comportaram
abusivamente, mas a simples possibilidade de o abuso de poder passar sem
castigo, provocou o carrossel de especulação e a avalancha de crédito Norte-Sul
dos primeiros anos do euro. Foi sobretudo a ganância do sistema financeiro, e
não o despesismo dos Estados, que conduziu a Europa ao atual beco sem saída. A
mesma ganância conduziu à Grande Depressão de 1929. Nessa altura, sob liderança
dos EUA de F. D. Roosevelt, o financismo foi colocado no seu lugar por uma
firme regulação do negócio bancário, que garantiu a prosperidade económica
durante muitas décadas. Hoje, a União Europeia continua paralisada, sem a
necessária coordenação e firmeza políticas, indispensáveis para colocar o
sistema financeiro dentro dos limites da lei e da ordem.
OLHAR AS CAPAS
Alexandra Alpha
José
Cardoso Pires
Capa:
Fernando Felgueiras
Publicações
Dom Quixote, Lisboa. Abril de 1997
«Lamentável», repetia ele com o enojado do olhar, em
resposta a qualquer coisa que acabava de ser dita. Tinha pelas costas um poster
da Ars Planetarium afixado na parede, com uma lua salpicada de crateras que
ficava mesmo a condizer com a cara dele, pensou Alexandra, mas Amadeu Gruyère é
que jamais, mas jamais, saberia reconhecer isso. Agora tirava da sua bolsa a
tiracolo o último número da Communications e preparava-se para mergulhar nele. Queria
esquecer o lamentável desta coisa, deste país onde todo o idiota aventurava
opiniões. Principalmente desde que o Barthes andava em visita a Lisboa, não
havia bicho-careta que não emitisse o seu zumbido.
Alexandra: «Isto não é um país, é um sítio mal
frequentado.»
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Olhar as Capas
segunda-feira, 23 de junho de 2014
OS CROMOS DO BOTECO
Já por diversas vezes tenho dito que no Boteco não lá lugar apenas para Cromos.
Por vezes encontro bonitos discos dos meus tempos de juventude.
Este é um desses casos.
Os violinos mágicos de Helmut Zacharias.
Um bonita capa de disco onde se pode ouvir:
Lado A
Rustle of Spring
Ack, Varmelandd, Du Skona
Lado B
Midsummernight in Gotland
Solveig's Song
NOTÍCIAS DO CIRCO
Como se os roubos, os atropelos, as trafulhices, a arrogância, etc. e tal do governo, não fossem por si suficientes para nos darem cabo dos dias, ainda temos que levar pelas trombas com a triste figura que a selecção, que tem o melhor jogador do mundo, anda a fazer no Mundial do Brasil.
Legenda: imagem do Diário de Notícias.
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Notícias do Circo
domingo, 22 de junho de 2014
PORQUE HOJE É DOMINGO
Hoje, seria o primeiro domingo de Verão mas está mais de Inverno.
Chico Buarque fez 70 anos na passada quinta-feira , mas como o blogue tem andado um pouco aos tropeções, a efeméride não foi assinalada.
Também sempre dissemos que nunca havia uma grande preocupação com datas redondas.
Quem aparece, aparece quando a gente quiser e é dentro desse princípio que fica aqui o Chico e o seu Apesar de Você.
Sim, porque apesar do governo Passos Coelho, da má figura que, futebolisticamente, andamos a fazer por terras brasileiras, é bom não esquecer que amanhã será sempre um outro dia.
Temos é que marrar por isso.!
Apesar de tudo, fica o habitual Bom Domingo!
Amanhã
vai ser outro dia
Hoje
você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão
Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão
Apesar
de você
Amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar
Amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar
Quando
chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Esse samba no escuro
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Esse samba no escuro
Você que
inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
De "desinventar"
Você vai pagar, e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Ora tenha a fineza
De "desinventar"
Você vai pagar, e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar
de você
Amanhã há de ser outro dia
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Amanhã há de ser outro dia
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai
se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou
morrer de rir
E esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
E esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Apesar
de você
Amanhã há de ser outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Amanhã há de ser outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai
se explicar
Vendo o céu clarear, de repente
Impunemente?
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Vendo o céu clarear, de repente
Impunemente?
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Apesar
de você
Amanhã há de ser outro dia
Você vai se dar mal,
Amanhã há de ser outro dia
Você vai se dar mal,
Etc e
tal
sábado, 21 de junho de 2014
NOTÍCIAS DO CIRCO
É por isto tudo que não aceito a culpabilização
sistemática dos mais pobres e mais fracos e da classe média, por terem vivido
“acima das suas posses”, mesmo quando não o fizeram. E mesmo quando havia uma
casa a mais, um carro a mais, um ecrã plano a mais, um sofá a mais, um vestido
ou um fato a mais, umas férias a mais, uma viagem a mais, recuso-me a colocar
estes “excessos” no mesmo plano moral dos “outros”. Algum moralismo salomónico,
que coloca no mesmo plano a corrupção dos poderosos e dos de cima com os
pequenos vícios dos de baixo e do meio, tem como objectivo legitimar sempre a
penalização punitiva de milhões para desculpar as dezenas. É por isto que esta
crise corrompe a sociedade e vai deixar muitas marcas, mesmo quando ninguém se
lembre de Portas e de Passos.
José Pacheco Pereira no Público sobre o que se vai
passando na banca portuguesa.
QUOTIDIANOS
O chefe de escritório assina a correspondência. Viviana dactilografa
uma carta. O meu colega Bernardo – Bernardo José da Costa e Silva – alinha parcelas
com uma letra cheia de grossos e finos; e eu arquivo, por ordem alfabética,
toda a correspondência do dia anterior. Assim_ - Alves, depois Assis, Biscaia,
Castro – um mar de apelidos e de sono.
O escritório é grande. Tem muitas janelas, muitos móveis, muitos
empregados. Tem mapas coloridos pelas paredes, e um relógio que é o relógio
mais vagarosos do mundo. Tem dez salas e um corredor comprido. Ao fundo do
corredor ficam os lavabos: - para senhoras, à direita; para homens, à esquerda.
Os lavabos dos homens têm duas divisões: - uma pequena para os 47 empregados;
outra, bastante maior, com água quente e fria, para os 2 directores.
Os ordenados estão na razão directa dos lavabos.
(Novembro de 1972)
(Novembro de 1972)
sexta-feira, 20 de junho de 2014
OLHARES
O escritório dá para o mar e perdemos alguns instantes a olhar para os
barcos de carga, no porto ardente de sol.
quarta-feira, 18 de junho de 2014
COISAS EXTINTAS OU EM VIAS DE...
Criada por Decreto-Lei em 1937, a licença de porte de isqueiros ou acendedores era obrigatória não a penas para a posse do isqueiro mas também para a sua simples utilização e era nominal e de renovação anual. A infracção implicava o pagamento de uma multa de 250 escudos (uma soma considerável à época) que revertiam em 70% para o Estado e em 30 para o agente autuante. No caso de haver um denunciante, este teria direito a metade da verba do agente. Esteve em vigor até 1970.
Texto e imagem da Agenda Cultural, Abril 2014 da Câmara Municipal de Lisboa.
terça-feira, 17 de junho de 2014
ASSIM VAMOS TRABALHANDO...
No dia 17 de Junho de 1969, Marcelo Caetano, através da Rádio e da Televisão, proferia a sua 4ª Conversa em Família.
O regime colocou-lhe um título: Assim Vamos Trabalhando...
Marcelo Caetano começa por lamentar ter estado tanto tempo ausente dos lares dos portugueses (não aparecia para conversar desde Abril) mas apresentou justificação: andara por terras da Guiné, de Angola, de Moçambique e verificou, in loco, o profundo desejo das populações em se manterem portuguesas.
Os tópicos aqui reproduzidos, referem o início da conversa, uma referência aos servidores do Estado e anúncio que, em breve, visitará o Brasil, o grande país irmão.
POSTAIS SEM SELO
A vida tem que retomar os seus direitos. A mãe tinha um espírito jovem
e sabia que as primaveras, depois dela e de nós, também têm o direito de ser
primaveras. É nossa missão construir, ajudar a construir a primavera dos
outros.
Legenda: Salgueiro Maia, fotografia de Alfredo Cunha.
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25 de Abril,
Primavera,
Salgueiro Maia,
Sidónio Muralha
segunda-feira, 16 de junho de 2014
AGORA HÁ QUE LEVANTAR A CABEÇA E SEGUIR EM FRENTE...
Portugal estreou-se hoje no Mundial de Futebol no Brasil:
Alemanha 4 - Portugal 0
Tal como um dia disse o antigo internacional inglês Gary Linecker:
O futebol são 11 contra 11 e no fim ganha a Alemanha.
OS IDOS DE JUNHO DE 1974
8 a 14 de Junho
FOI DETIDO Saldanha Sanches, director do Luta Popular, órgão central do MRPP.
Dezenas
de militantes desfilaram da Praça do Chile até à Praça do Areeiro, gritando
slogans: Abaixo a nova Pide e Liberdade para Saldanha Sanches.
Segundo
Maria José Morgado, que presenciou a prisão levada a cabo por polícias à
paisana, esta prisão visou sobretudo atingir o MRPP e o “Luta
Popular” e está integrada num conjunto de medidas repressivas contra os
marxistas-leninistas-maoistas”.
“É uma medida da coligação burguesa no poder contra a classe operária e a sua vanguarda organizada.
“É uma medida da coligação burguesa no poder contra a classe operária e a sua vanguarda organizada.
NO DIA !0 DE JUNHO DE 1974, um grupo de
quarenta e oito artistas plásticos do Movimento Democráticos dos Artistas Plásticos pintou, no Mercado da Primavera em Belém, um
enorme mural. Entre muitos outros pintores , participaram na pintura colectiva Júlio
Pomar, João Abel Manta, Nikias Skapinakis, Menez, Vespeira, Costa Pinheiro.
MargaridaTengarrinha Dias Coelho, Sá Nogueira, João Abel Manta, Palolo, Ângelo de
Sousa, Nuno San-Payo, Lima de Carvalho, João Vieira, Jorge Martins, Querubim Lapa,
Alice Jorge, Fernando Azevedo, Rogério Ribeiro, José Escada, Vítor Palla,
António Domingues, Jorge Vieira, Carlos Calvet.
Vergílio
Ferreira no seu Diário:
Dois amigos pintores (o Baptista e o Querubim)
deixaram-me dar umas pinceladas. Lembrei-me de Napoleão, em Austerlitz, aos
soldados: tu podes dizer «eu estive lá». De modo que também lá estive.
Este
mural viria a desaparecer, num incêndio, em 1981, e nunca se conseguiu
apurar as causas.
O
mural fazia parte de uma série de actividades de solidariedade para com o
Movimento das Forças Armadas.
Durante
o dia o Mercado da Primavera registou, através da cultura e das artes, outros
eventos de saudação à Liberdade que o Movimento das Forças Armadas nos trouxe.
O
grupo de teatro A Comuna concebeu um espectáculo, vulgo cegada, em que
figuras notórias da ditadura eram
caricaturada.
O
espectáculo estava a ser transmitido, em directo, pela Televisão, mas a emissão
foi subitamente interrompida quando o actor que fazia de Cardeal Cerejeira o
artista que proferia estas palavras:
Senhor Presidente da República. Senhor presidente do
conselho. Filhas, artistas e filhos meus muito queridos em vosso Senhor Jesus
Cristo. Pedem a o patriarca Cerejeira que diga algumas palavras nesta festa de
artistas. Que palavras pode dizer o patriarca de Lisboa senão fazer cantar como
um apóstolo anima mea gaudiae pinctome, canatatis, representatis, pictos,
pictos, picta.
Que palavras pode dizer o cardeal de Lisboa senão o fazer exultar de alegria a arte. O grito do Natal ressoa em nós quando a arte se transforma em parte e se parte para a Arte que é o particípio do Espírito Santo.
Esta é a festa dos artistas em que pelo que fazeis dais glória aos nossos governantes que mais não fazem que executar a vontade de Deus e a vontade do povo, salvo seja…
Que palavras pode dizer o cardeal de Lisboa senão o fazer exultar de alegria a arte. O grito do Natal ressoa em nós quando a arte se transforma em parte e se parte para a Arte que é o particípio do Espírito Santo.
Esta é a festa dos artistas em que pelo que fazeis dais glória aos nossos governantes que mais não fazem que executar a vontade de Deus e a vontade do povo, salvo seja…
Passados
poucos minutos, a locutora Alice Cruz, leu o seguinte comunicado:
O programa que transmitíamos em directo do Mercado
da Primavera foi interrompido por ordens superiores, estranhas aos
trabalhadores da televisão que manifestam o seu repúdio por tal medida, pelo
que oportunamente tomarão a atitude conveniente.
A
ordem de interrupção fora ordenado pelo Major Mariz Fernandes, representante da
Junta de Salvação Nacional na RTP .
No dia seguinte, Raul Rego, ministro da
Comunicação Social, emprestou a sua concordância com o acto censório, e
acrescentou:
Temos que ter em consideração os sentimentos de parte da
população portuguesa.
Passados
dias, o Conselho Permanente do Episcopado divulga um comunicado afirmando a sua
mais viva indignação por esse espectáculo que foi sentida pela
generalidade da população católica de Portugal.
OS ARMADORES da pesca da sardinha afirmam que não suportam as exigências dos
pescadores.
FORAM INTERROMPIDAS , em Argel, as negociações com o P.A.I.G.C.
Mário
Soares:
É preciso fazer notar, neste momento, que incidentes
desta ordem são perfeitamente comuns e até direi, quase naturais Há
dificuldades da nossa parte, há dificuldades da parte deles.
PROSSEGUE a greve na Timex.
O RECONHECIMENTO do direito à independência por Portugal é reclamado pelo MPLA como condição essencial para o
cessar fogo.
Sá
CARNEIRO numa entrevista a um jornal do Brasil afirmou que o Governo Provisório
é uma verdadeira equipa.
Legenda:
b)
Fotografia da feitura do mural, tirada de O Século de 12 de Junho de 1974
c)
Fotografia da representação da cegada de A Comuna tirada do Expresso de 15 de Junho de 1974.
Fontes: Recortes de acervo pessoal, Diário de Uma Revolução, Mil Dias Editora, Lisboa, Janeiro de 1978, Portugal Depois de Abril de Avelino Rodrigues, Cesário Borga, Mário Cardoso, Edição dos Autores, Lisboa, Maio de 1976, Portugal Hoje, edição da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, A Funda, Artur Portela Filho, Editora Arcádia, Lisboa
Fontes: Recortes de acervo pessoal, Diário de Uma Revolução, Mil Dias Editora, Lisboa, Janeiro de 1978, Portugal Depois de Abril de Avelino Rodrigues, Cesário Borga, Mário Cardoso, Edição dos Autores, Lisboa, Maio de 1976, Portugal Hoje, edição da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, A Funda, Artur Portela Filho, Editora Arcádia, Lisboa
QUOTIDIANOS
Começo a conhecer os colegas de trabalho. Há-os de todas as
nacionalidades, cores e credos. Hoje, durante a pausa para comer e descansar as
pernas, uma colega nigeriana falava-nos da sua vinda para o Reino Unido, uma
história de dor e de luta contra a adversidade. Ao mesmo tempo, a TV dava-nos a
conhecer os desenvolvimentos sobre as raparigas que foram raptadas na Nigéria.
Senti nela um estremecimento. Arregalou os olhos, recuperou a força que por
momentos lhe faltou e disse que este era um grande país. Em Portugal, só ouvia
os meus colegas falarem de casas, de carros e de férias (invariavelmente um
pacote na República Dominicana ou na Riviera Mexicana), tudo pago com o cartão
de plástico, a condizer com as suas vidas de plástico. Tenho a dizer que é
muito bom conhecer gente de carne e osso.
Carlos Azevedo em The Cat Scats
domingo, 15 de junho de 2014
PORQUE HOJE É DOMINGO
Muita gente, mas mesmo muita, é de opinião que o Futebol é o mais belo espectáculo do Mundo.
Este golo de Van Persie, no decorrer do Holanda-Espanha no Campeonato do Mundo no Brasil, ajuda a perceber o porquê da opinião.
DITOS & REDITOS
É regar e pôr ao luar.
Do futuro sabe-se apenas que está para bater à porta.
Nunca deixar de
sonhar.
Como quem se entende no silêncio.
O corpo que é escravo, vai; o coração que é livre, fica.
Dizer que sim para não ter que voltar a falar.
Somos uns contra os outros, quando devíamos ser uns com
os outros.
Pouco em paz, muito se faz.
sábado, 14 de junho de 2014
QUOTIDIANOS
Um jogo treino do meu clube diz-me mais que um jogo da Selecção.
Ricardo Araújo Pereira, ontem na TVI, citado de memória.
POSTAIS SEM SELO
Para o fim, lembro-me unicamente de que na rua e através de todo o espaço das salas
e das tribunas, enquanto o meu advogado continuava a falar, eu ouvia a
buzina do vendedor de gelados. Assaltaram-me recordações de uma vida que já não
me pertencia, mas onde encontrara as mais pobres e as mais tenazes das minhas
alegrias: odores do verão, do bairro que eu amava, um certo céu ao anoitecer, o
riso e os vestidos de maria.
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sexta-feira, 13 de junho de 2014
UM DIA NA VIDA
Hoje. Ao fundo, um homem sai de um gabinete. O gabinete
do chefe. Do ex-chefe. Do ex-chefe que ainda é chefe, ex é ele: ex-empregado.
Acaba de ser despedido. É um de um rol de muitos, um nome a mais numa lista,
uma fila a menos numa folha de cálculo. Sai calado, pelo espaço aberto, outros
olhos viram-se primeiro para ele, depois para baixo. Outro nome é chamado, lá
vai ele, o mesmo gabinete, o mesmo destino. Hoje a empresa não é uma empresa, é
um matadouro. Morrem empregos. Saiu nas notícias e tudo. É um dia na vida.
A vida já continuará, mas hoje não. “Fui eu? Foram eles?
O que fiz de errado? O que farei agora? Como vou dizer? Como vou fazer? Quero
um abraço. Não quero ver ninguém. Quero viver. Quero morrer. Merda para isto.
Respira fundo. Mas para quê? Rosna. Chora. Põe-te de pé! Desaba… Com esta
idade? Com esta idade.”
Todos os dias são um dia na vida. De quem é chamado para
sair. De quem não é chamado e fica, às vezes com mais culpa que alívio. Ou mais
raiva que tristeza. Fuma-se lá fora, conversa-se lá dentro, recebe-se chamadas
aflitas, “não, eu safei-me”. O que se faz aos braços, esmurra-se, cruzam-se?
Num jogo de cadeiras, só os que tocam música não estão a jogar. De manhã, a
empresa fora sacudida pelo comunicado. Alguns diretores são chamados para a
consumação. Outros diretores tiraram férias, fugindo à notícia da razia. Veio o
administrador, despedimento coletivo, reestruturação, corte de custos, a crise.
Ontem. Dez de Junho. “Portugueses, este ano de 2014 abre
um caminho de esperança. Mas, para ter esperança no futuro, devemos continuar a
trabalhar no presente. Não podemos ficar à espera, passivamente, que a situação
se altere por si mesma.” Passivamente.
O discurso político é o mesmo desde 2011. É tudo muito difícil,
é tudo sem alternativa, é preciso reformas estruturais, é preciso um largo
consenso entre partidos e que inclua também os parceiros sociais. Tirando o
não-há-alternativa, o discurso fazia sentido em 2011 e faz sentido em 2014 e é
isso que não faz sentido nenhum. A devastação económica e social destes três
anos tinha de ter tido um propósito de regeneração que não teve. Se tivesse
tido, o discurso já seria outro. Isso é o imperdoável. Esse é o falhanço. Se
ainda precisamos do que precisávamos ainda estamos como estávamos. Tirando
estarmos mais pobres. E mais desiguais. E mais desempregados. “A vida das
pessoas não está melhor mas o país está muito melhor”.
Todos os dias são um dia na vida de alguém. Hoje foi
naquela empresa, ontem foi noutra, e tudo seria compreensível se fizesse parte
do ciclo da vida. Faz parte do ciclo da morte. O desemprego de longa duração, o
desemprego de jovens e de velhos, a redução dos apoios sociais (flexisegurança
sem segurança) não é sentido de justiça nem uma sociedade a funcionar. É uma
nação que exclui. Quem perde sai. Às vezes até é notícia. Hoje foi. Um dia de
cada vez. Um dia é de vez.
Amanhã?
"I read the news today oh boy
About a
lucky man who made the grade
And
though the news was rather sad
Well I
just had to laugh
I saw
the photograph
He blew
his mind out in a car
He
didn't notice that the lights had changed
A crowd
of people stood and stared
They'd
seen his face before
Nobody
was really sure
If he
was from the House of Lords"
A Day in
the Life, The Beatles
Pedro
Santos Guerreiro no Expresso-On Line.
Legenda:
imagem do Diário de Notícias.
Nota
do editor:
O
Grupo Controlinveste anunciou o despedimento colectivo de 140
colaboradores, dos quais 67 são jornalistas do Diário de Notícias, do Jornal de
Notícias e da TSF, e a rescisão do contrato com 20 trabalhadores.
Não
sei se Pedro Santos Guerreiro, quando escreveu este excelente texto, estava a
pensar no despedimento destes trabalhadores.
Por
mim entendo-o como um tiro na mouche.
No
dia 10 de Junho o Presidente Cavaco convidava os portugueses a terem esperança
no futuro.
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ANTÓNIO VARIAÇÕES
Faz hoje 30 anos que morreu que morreu António Variações.
Muitos, só depois da sua morte, repararam no seu enorme
talento.
Num dos muitos recortes que guardo de António Variações
leio que ele nasceu antes do tempo.
Muito poucos na altura sabiam, da doença que o vitimou.
O
corpo é que paga diz ele numa das suas bonitas canções.
Mas cada vez mais, gosto desta Deolinda de Jesus.
Quem me conhece sabe o porquê!
Legenda: imagem tirada da revista Blitz
POSTAIS SEM SELO
George Orwell descreveu o pub
perfeito, o The Moon Under Water, até revelar, no fim da crónica, que só
existia uma desvantagem: só existia na imaginação dele.
Legenda: como o pub de Orwell não existe fica o Ryan's Irish Pub. A fotografai é de David Picom.
quinta-feira, 12 de junho de 2014
NOTÍCIAS DO CIRCO
Portugal ainda está longe da consolidação orçamental exigida por Bruxelas e só com nova austeridade poderá cumprir o Tratado Orçamental. O alerta é lançado pelo Banco de Portugal, que estima a necessidade de se adotarem novas medidas no valor de 4% do PIB durante os próximos cinco anos. Ou seja, o equivalente a metade da austeridade que foi introduzida durante o programa de ajustamento financeiro da troika.
A
ministra das Finanças anunciou hoje que o Governo abdicou de "receber o
último reembolso do programa" por não querer solicitar "uma nova
extensão que reabrisse o programa com a 'troika'".
O
Governo aprovou hoje uma proposta de lei para reintroduzir temporariamente os
cortes entre 3,5% e 10% aplicados aos salários do sector público superiores a
1500 euros introduzidos em 2011 e que vigoraram até 2013.
Mas
isto e outras coisas mais, durante um mês, passarão para segundo plano.
É
que hoje, no Brasil, começou o Campeonato do Mundo de Futebol.
Segunda-feira
será a vez de Cristiano Ronaldo e Cª entrarem em acção.
O
país está em suspenso.
Apetece
citar Carlos Drummond de Andrade:
Bem-aventurados os que não entendem nem aspiram a
entender de futebol, pois deles é o reino da tranquilidade.
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E NO RABECÃO OS SAPATEIROS DO COSTUME
Escutem!!! Depois de Kirkuk e Mossul, a segunda cidade
iraquiana, os jihadistas tomaram Tikrit e atacam Samarra. Aqui chegados
deixem-me lembrar-vos a velha história Um Encontro em Samarra contada por
Somerset Maugham. Tendo um comerciante de Bagdad mandado o criado ao mercado,
este veio a tremer: "Vi a Morte a olhar para mim!" O comerciante deu
o seu melhor cavalo ao criado e disse-lhe para se esconder numa cidade vizinha,
Samarra. Depois, o comerciante foi ao mercado e, tendo encontrado a Morte,
ralhou com ela por ter ameaçado o seu servo. Mas a Morte disse: "Não
ameacei, só me admirei porque tinha com ele, hoje, um encontro em
Samarra..." Há, pois, um encontro com a morte em Samarra. Denunciado,
aliás, por um velho provérbio português: "Quem te manda a ti, sapateiro,
tocar o rabecão." Um dia, um imperialismo forte de músculos e vazio de
cabeça tomou Bagdad. E que fez? Acabou com o exército e a polícia iraquiana.
Qualquer músico de rabecão saberia dizer a Bush o trivial: "Matem meia
dúzia de generais e substituam-nos por jovens coronéis. Mudem os déspotas,
nunca destruam as instituições." Mas os sapateiros de Washington não
quiseram assim. Apagaram sem precaver-se com alternativa. E querem os atuais
sapateiros fazer o mesmo com a Síria... Baralham tudo, embora com desculpa:
rabecão em português também quer dizer "carroça fúnebre para
indigentes". Nesse sentido, a política americana para o Médio Oriente tem
tocado afinada.
CHEIRA A LISBOA
Lisboa, Marchas Populares.
Estas são duas versões de Cheira a Lisboa pela Amália Rodrigues: uma acompanhada com guitarras
outra com orquestra.
Mas quando andava no You Tube à procura da canção encontrei esta versão e... não consegui resistir.
Desculpem!...
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QUOTIDIANOS
Sou um homem grava, que contempla respeitosamente a horizonte visual. Aguardo
o meu filho mais novo, que vai fazer 24 anos no Outono, e reverto o olhar para
antigamente. Ainda me movo com presteza; o raciocínio é ainda claro e fértil,
mas o recurso à memória, por vezes, é sufocado por hiatos breves. Esqueço-me
dos nomes das coisas e costumo dar outros nomes aos nomes. Tenho 65 anos, sou
escritor, escrevo um livro de asserções fingidas, sem sentir a necessidade de
explicar muita coisa ou de atenuara as diferenças de regime narrativo entre a
ficção pura e a História. Sei que as pessoas têm a nostalgia de épocas
passadas. Desejo entrar nos sonhos das pessoas: escrevo os meus sonhos.
Baptista-Bastos em O Cavalo a Tinta-da-China.
quarta-feira, 11 de junho de 2014
OLHAR AS CAPAS
Tomás, por ele Mesmo
Selecção
e prefácio de Orlando Neves
Edições
Saber Porquê, Lisboa s/d
Nenhum processo foi instaurado, após o 25 de Abril de
1974, contra o homem que, durante quase dezasseis anos ocupou o cargo do “mais
alto magistrado da Nação” (fórmula preferencial do fascismo para designar o
Chefe do Estado) e daí que o actual Presidente da República por razões, ao que
parece, “humanitárias”, lhe permita o regresso a Portugal, após a sua expulsão
do Continente na noite de 25 para 26 de Abril de 1974. Se, obviamente, espanta
qualquer português antifascista a decisão de permitir o regresso de Américo
Tomás (e não foi espantoso também que, tanto ele como Marcelo Caetano e outros,
comodamente tivessem sido instalados na Madeira e, depois, generosamente
enviados para o Brasil?!), o que realmente assombrará a História será o facto
de o regime democrático, pós 25 de Abril, jamais se ter lembrado de acusar A.
Tomás de algo que o fizesse comparecer na barra dos tribunais. Como se um homem
que, ao longo da sua carreira militar, e mais tarde, política, deu cobertura e
aval a todos os crimes contra a liberdade cometidos durante os consulados de
Salazar e Caetano, pudesse ser equiparado ao mais inocente ou inócuo dos cidadãos!
Como se A. Tomás não tivesse sido, organicamente, o mais responsável de todos
os fascistas que nos governaram! Como se a ele, pela qualidade do cargo que
desempenhou, não devesse ser assacada a responsabilidade de crimes comuns em
que avultará o assassínio de Humberto Delgado, o seu opositor nas urnas em
1958, que, pelo menos, permitiu ficasse sem investigação nem julgamento! Como
se A. Tomás não tivesse sido Comandante-em-Chefe de umas Forças Armadas em
guerra e, como tal, permitido ou ocultado os massacres da guerra colonial! Como
se A. Tomás não tivesse, em tudo isto, exercido o crime de “abuso de poder” que
uma Constituição, que ele permitiu fosse completamente desrespeitada, previa!
Como se A. Tomás não fosse o garante de um regime moralmente condenado por
todas as forças democráticas do mundo e, inclusivamente, pela ONU!
É evidente que muita matéria deveria haver – pensaria o cidadão comum – para que A. Tomás, a regressar a Portugal, o fizesse directamente para a prisão.
É evidente que muita matéria deveria haver – pensaria o cidadão comum – para que A. Tomás, a regressar a Portugal, o fizesse directamente para a prisão.
(Do Prefácio de Orlando Neves)
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terça-feira, 10 de junho de 2014
NOTÍCIAS DA CRISE
Hoje, enquanto discursava na cidade da Guarda, o Presidente Cavaco Silva teve um ligeiro desmaio.
Nada de preocupante.
Em 1964, também na Guarda, discursando sem desmaio, o Presidente da Ditadura Américo Tomás disse:
E a Guarda tem uma particularidade: é a cidade mais alta da Metrópole.
1O DE JUNHO
Como facilmente se compreenderá, não é Luís de Camões que está em causa, mas este dia feriado não devia existir.
Logo
após o 25 de Abril deveria ter sido eliminado.
Ou,
recentemente, quando este governo permitiu que a troika nos roubasse quatro
feriados, um desses feriados eliminados deveria ser este e nunca o 5 de
Outubro, valha, hoje, essa data o que possa valer.
Por
mais voltas que pudessem ter dado, este feriado traria sempre à memória, uma
das páginas mais negras da nossa História.
Hoje,
na Praça do Comércio, já não se medalham militares por feitos heroicos, já não
se medalham pais que ficaram sem os filhos, nem mulheres que ficaram sem
maridos, nem filhos que ficaram sem os pais.
A
guerra colonial foi um crime sem qualquer espécie de perdão ou esquecimento.
Hoje,
chamam ao 10 de Junho, Dia de Camões e das Comunidades,
Escolhe-se
uma qualquer cidade do país, arranja-se uma série de personalidades, que da maior parte ninguém sabe que feitos ou obras
fizeram, e enfia-se-lhes uma qualquer ordem pela cabeça abaixo.
Esboçam-se
sorrisos amarelos, ouvem-se palmas pífias.
Simplesmente
patético!
Mais
patético ainda, quando há uns anos atrás, o Presidente Cavaco Silva, em
conversa com os jornalistas, ter deixado que à superfície viessem as suas
saudades salazaristas, e ter-lhe chamado o Dia da Raça.
Para
que conste, repete-se:
O
poeta Luís de Camões não tem nada a ver com isto!
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POSTAIS SEM SELO
Ia dizer-lhe que não valia a pena obstinar-se: este último ponto não
tinha tanta importância como isso. Mas ele interrompeu-me e exortou-me pela
última vez, olhando-me de alto e perguntando-me se eu acreditava em Deus. Respondi
que não. Sentou-se indignadamente. Disse-me que era impossível, que todos os
homens acreditavam em Deus, mesmo os que não queriam ver.
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Postais Sem Selo
segunda-feira, 9 de junho de 2014
LISBOA
Lisboa é tê-la
e passeá-la,
descê-la, subi-la,
roçar seus telhados.
Eu me desandei
por mundos além
numa fúria idiota
de encontrar não sei quê
e vi que o exílio
é a terra da gente
esboroada em saudade
nos países dos outros .
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