Estou sempre a perder as pessoas. E, nisto, dou por mim a pensar no
mar. Às vezes no verão, à noite, o som das ondas chegava ao meu quarto,
ritmado, triste, juntamente com o menear dos pinheiros. Na cama sentia-me uma
sementinha minúscula, perdida na imensidão da terra. Uma sementinha minúscula,
uma partícula de nada. Estou quase em condições de começar um livro, preciso
apenas de me esvaziar um pouco mais de mim mesmo, e que a voz que começo a
escutar principie a ditar-mo. A primeira frase não me larga a cabeça, há outras
que surgem e desaparecem, não se fixaram ainda: tremem ao longe, indecisas. Mas
pode ser uma falsa partida. Cesso de escutar o mar.
Parece-me que escrevo esta crónica a fim de habituar a mão ao papel.
"Numa boa página de prosa ouve-se a chuva."
Agora escureceu e os candeeiros acesos da rua empalidecem as folhas das
árvores. Desde a infância a noite continua a ser um mistério para mim, e a
chegada da manhã um lento milagre cor de rosa pálido. Quando estava internado
no hospital, sem conseguir mexer-me, esperava por ela numa ansiedade inquieta,
implorando, sem palavras
- Salva-me, salva-me.
António Lobo Antunes, de uma crónica na Visão.
Legenda: trabalho de Andrew Baines.
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