quarta-feira, 11 de junho de 2014

OLHAR AS CAPAS



Tomás, por ele Mesmo

Selecção e prefácio de Orlando Neves
Edições Saber Porquê, Lisboa s/d

Nenhum processo foi instaurado, após o 25 de Abril de 1974, contra o homem que, durante quase dezasseis anos ocupou o cargo do “mais alto magistrado da Nação” (fórmula preferencial do fascismo para designar o Chefe do Estado) e daí que o actual Presidente da República por razões, ao que parece, “humanitárias”, lhe permita o regresso a Portugal, após a sua expulsão do Continente na noite de 25 para 26 de Abril de 1974. Se, obviamente, espanta qualquer português antifascista a decisão de permitir o regresso de Américo Tomás (e não foi espantoso também que, tanto ele como Marcelo Caetano e outros, comodamente tivessem sido instalados na Madeira e, depois, generosamente enviados para o Brasil?!), o que realmente assombrará a História será o facto de o regime democrático, pós 25 de Abril, jamais se ter lembrado de acusar A. Tomás de algo que o fizesse comparecer na barra dos tribunais. Como se um homem que, ao longo da sua carreira militar, e mais tarde, política, deu cobertura e aval a todos os crimes contra a liberdade cometidos durante os consulados de Salazar e Caetano, pudesse ser equiparado ao mais inocente ou inócuo dos cidadãos! Como se A. Tomás não tivesse sido, organicamente, o mais responsável de todos os fascistas que nos governaram! Como se a ele, pela qualidade do cargo que desempenhou, não devesse ser assacada a responsabilidade de crimes comuns em que avultará o assassínio de Humberto Delgado, o seu opositor nas urnas em 1958, que, pelo menos, permitiu ficasse sem investigação nem julgamento! Como se A. Tomás não tivesse sido Comandante-em-Chefe de umas Forças Armadas em guerra e, como tal, permitido ou ocultado os massacres da guerra colonial! Como se A. Tomás não tivesse, em tudo isto, exercido o crime de “abuso de poder” que uma Constituição, que ele permitiu fosse completamente desrespeitada, previa! Como se A. Tomás não fosse o garante de um regime moralmente condenado por todas as forças democráticas do mundo e, inclusivamente, pela ONU!
É evidente que muita matéria deveria haver – pensaria o cidadão comum – para que A. Tomás, a regressar a Portugal, o fizesse directamente para a prisão.

(Do Prefácio de Orlando Neves)

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