Corria o Natal
de 1970 e eu encontrava-me na Livraria Portugal à procura de um livro
para oferecer a mim mesmo.
Herberto Helder
apenas o conhecia de nome, referido nos suplementos literários que, uma vez por
semana, os jornais publicavam.
A capa colorida
da 3ª edição de Os Passos em Volta de Herberto Helder, publicado pela
Editorial Estampa, chamou-me a atenção.
Peguei-lhe e os
olhos caíram logo nas palavras iniciais.
Gosto imenso de
começos de livros. Nem todos ficam para a minha história.
Este ficou.
- Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade
enorme de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos
extraordinários, eu próprio.
Herberto Helder
morreu ontem.
Tinha 84 anos.
Fugia de holofotes,
multidões, mediatismos.
Em 1994, foi-lhe
atribuído o Prémio Pessoa pela sua obra que, segundo o júri, iluminava a língua
portuguesa.
Uma pipa de
massa para quem tinha uma reforma curta.
Mas Herberto Helder
recusou a distinção.
António Alçada
Baptista e Clara Ferreira Alves, em nome próprio e do Expresso, tentaram
demovê-lo.
Conta o Alçada Baptista:
O Herberto estava na sala. Falou à Clara e depois a
mim.
Eu disse, meio a brincar meio a sério:
- Vimos numa difícil
missão...
Ele, com toda a simplicidade dele, disse-me logo que
não, calculando que era um prémio.
Não foi possível demovê-lo e sentimos que aquilo era
tão fundo e tão importante para ele que não devíamos insistir. Ele disse:
- Vocês não digam a ninguém e dêem o prémio a outro...
- Não pode ser, o júri escolheu-te a ti, a decisão
está tomada; respeitamos que digas que não...
Ele ainda acrescentou:
- Peço que sejam meus mandatários e digam ao júri que
eu agradeço mas não posso aceitar.
Eu queria transmitir bem que não havia aqui nenhuma
arrogância: a sua recusa não era contra ninguém. Era uma decisão do seu eu mais
íntimo, que logo nos mereceu o maior respeito.
Eu só lhe disse:
- Eu já gostava de ti e vi agora que é possível ainda
gostar mais.
Em Julho do ano
passado publicou o seu último livro.
O título diz
tudo: Morte Sem Mestre.
Um escritor como
Herberto não necessita de palavreado encomiástico.
Porque sempre o
considerou inútil e perene de hipocrisia.
Não gostava de
dar entrevistas, nem de se deixar fotografar.
Foi um Natal
feliz aquele de 1970.
Gosto de poetas
misteriosos.
Gosto de autores
que não consigo entender.
Sempre passos em
volta.
Em volta sabe-se
lá de quê.
Maria Teresa
Horta:
Quantas vezes me prendi eu nas malhas envolventes da
poesia de Herberto Helder e senti medo de não ser capaz dos seus poemas.
Luna Levi sobre Photomaton
e Vox:
Devorei-o de um fôlego, num acesso de bebedeira
deslumbrada.
É suficiente.
O resto é pegar
nos seus livros.
Alguns de há
muito esgotados.
Mas, certamente,
irão ser reeditados.
Não os percam!