Março Desavindo
Mário Ventura
Capa: Henrique
Cayatte
Editorial Caminho,
Lisboa, Novembro de 1987
- Claro, é evidente que existem as condições teóricas
para que isso possa acontecer. Há uma burguesia que não é de esquerda, embora
alguns pretendam absurdamente que está com a revolução, o que é um requinte de
optimismo idiota se pensarmos que num dado momento ela apenas se afirmou
democrata. E do outro lado há um processo revolucionário, melhor dizendo
radical, que até hoje ninguém adoptou de forma coerente e até às últimas consequências, chegando mesmo
àquilo de que os jornalistas mais gostam: sangue e mortos. Não estou a brincar,
admito apenas a possibilidade lógica de um processo que se pretende
revolucionário. Mas se a esquerda não tem cojones ou inteligência para actuar com decisão e firmeza, também
não vejo que a burguesia seja mais hábil ou voluntariosa. Se o fosse não teria
perdido o seu lugar. Ainda que provisoriamente. A esquerda vai continuar a
fazer a sua revolução verbal, assustando muito mas sem vontade e capacidade
para fazer o que apregoa, ou seja, conquistar o Poder, e a burguesia, com a
lógica habitual dos acossados, só actuará quando tiver a certeza de ganhar.
- Esqueceste-te dos comunistas – interrompeu Lozano.
- Os comunistas cumprem uma tarefa impossível: tentam
arrumar uma casa constantemente sacudida por tremores de terra. Não conseguirão
passar daí, embora também assustem muito.
- Diz-se que estão por detrás de tudo…
- Todos os partidos estão por detrás de tudo aquilo
que fazem os militares, Cada um procura a sua marioneta.
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