Não é preciso dizer nada. Sequer o nome dele. A
ventania, toda a noite e dia, disse tudo. Se é verdade que o vento leva as
palavras, as palavras dele não eram palavras: eram o vento. E o vento vem
sempre ter connosco. Volta.
Não é preciso citá-lo. Dele se pode dizer que
conseguiu, com divina dificuldade, dizer tudo o que tinha para dizer, se dizer
é tornar ditas as coisas indizíveis das quais qualquer língua nos separa, não
sendo a portuguesa a mais separadora.
Morreu quando disse que morreu. Escrever é uma coisa
que se faz bem. Dizer é outra coisa. Não é qualquer um que diz e deixa dito.
Contando pelos dedos não é quase ninguém. Contando pelos olhos que lêem e pelo
barulho que levam à barriga da alma era só ele.
Tudo o que ele disse ficou dito. Não era maior do que
ele: era do mesmo tamanho do que ele. Esta não é a melhor maneira. É a única
maneira de dizer: a glória. Que não é só a glória da obra dele mas também a
glória que era ele.
A beleza e o poder, a mentira, a invocação, a
propaganda da poesia, a abertura da cabeça para o corpo: todas estas magias só
eram humanas nele. Para ele apenas faziam parte da prática de viver. Para ele -
apetece-me exagerar, como ele exagerará sempre - eram apenas pela poesia.
A poesia é que é. Ele é o poeta do que a poesia é.
Mas, acima de tudo, a morte dele - um ser humano que, se não tivesse escrito um
só verso, não poderia ser mais amado - é uma tragédia para a família e para os
amigos que o amavam.
Legenda:
O título, é uma
frase tirada de Retrato em Movimento de Herberto Helder.
A capa é a do Público que assinala a morte de Herberto Helder.
O jornalismo que
se pratica pelo Público, não é o mais recomendável mas, como escreveu o
Vitor Dias, de capas percebem eles.
O texto é a
crónica de Miguel Esteve Cardoso publicada no Público.
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