Alguém acredita que o
ministro Pedro Nuno Santos anunciou a decisão sobre o futuro do aeroporto de Lisboa
sem ter consultado António Costa?
É possível que o
Primeiro-Ministro tenha sido apanhado de surpresa?
Pode ser que sim, mas
não acredito.
Claro que o
direitista que é director do Público, já
determinou, em editorial, que o governo está transformado numa associação de estudantes
e alerta: ou o ministro se demite ou Costa o demitirá.
As duas mulheres trocaram olhares, a mais velha e gorda deu um passo em
frente como se quisesse ir entregar a resposta em mão. Entregou, baixinho:
«Putas...»
O subchefe da Polícia fez uma careta de desagrado, abanou tristemente a
cabeça e censurou: “Então isso diz-se assim?” A mulher, a mais velha e gorda,
não compreendeu que diabo queria o subchefe da Polícia, ficou calada, a pensar,
pensou que talvez não tivesse sido respeitosa o suficiente. Emendou: “Putas,
senhor subchefe.” O subchefe da Polícia ficou em silêncio, só levantou os olhos
e os braços ao céu a pedir a ajuda ao Altíssimo. Não tinha nascido para aquela
vida, era homem de esmerada educação, frequência de seminário, muita
teologiazinha, mas também romances policiais, às escondidas, sua paixão e seu
pecado, Agatha Christie contra Nossa Senhora, Ellery Queen a puxá-lo dos braços
de S. José, ele um menino que fugia do presépio, adeus seminário. Trocou a
roupa negra de futuro pastor pela farda cinzenta da corporação - azul nos
feriados -, o crucifixo pelo pistolão, o rosário pelo cassetête, o missal pelo
livro de registo dos que iam entrando no xelindró. Foi uma opção que o fez
sofrer. Longo tempo levou a sossegar a consciência, explicando a si próprio que
era também uma forma de combater o pecado, havia antecedentes, a História cheia
deles, oSanto Condestável, os cruzados, e outros, tantos, o importante era
estar do lado justo e bom.
Mas agora o subchefe estava cansado, havia muita fadiga e desânimo na
sua voz ao recomendar à detida uma linguagem menos feia de ouvir:
«Meretrizes, queria a senhora
dizer...»
«Pois sim, senhor subchefe, também pode ser isso. Meretrizes.»
«Nomes?»
A meretriz abriu a mala preta de plástico, remexeu em chaves e papéis,
tirou um documento e foi depositá-lo sobre a secretária do subchefe da Polícia.
«Ora aí tem. Evelina de Sousa, mais conhecida por Lina Despachada, ao
seu dispor. É uma forma de dizer, está claro. Quarenta e quatro anos feitos em
Fevereiro, podia ser mãe do senhor subchefe, com o devido respeito. Aqui a
minha amiga está muito aflita, o senhor subchefe há-de desculpar, a miúda é
nova nisto, tem dezoito anos só. Olha, agora está a chorar, cala-te lá ó
garota, não morreu ninguém. É a Adelaide, senhor subchefe, uma joinha, coitada,
andava para aí aos tombos, fui eu quem lhe deu a mão, temos de ser uns para os
outros.»
Voltou-se para acalmar os soluços assustados da amiga, enquanto o
subchefe da Polícia, com um gesto de esferográfica, chamava um guarda de
serviço.
«Manda entrar os queixosos.»
Tinha havido uma queixa. Dois cidadãos, pessoas de respeito, como muito
bem se verificava no trajar e nos documentos exibidos, haviam solicitado à
autoridade a detenção das duas mulheres “às vinte e três e trinta e cinco do
dia 9 de Março, no Campo dos Mártires da Pátria, sob a acusação de lhes terem
furtado, dois dias antes, 7 de Março, um alfinete de gravata e um isqueiro,
tudo avaliado em seiscentos e cinquenta escudos”, assim rezava o relatório.
«Foram elas! », afirmaram, peremptórios, os dois, sem dúvida nenhuma. O
subchefe da Polícia fitou as presas e ficou à espera. Então, Lina Despachada
voltou a abrir a mala preta de plástico, tirou um alfinete e um isqueiro,
mostrou-os bem na mão espalmada e desafiou:
«São estes?»
Aparvalhados, os queixosos mais não fizeram do que sim com as cabeças e
já a acusada se virara para o subchefe da Polícia, cada vez mais desgostado da
cruzada que escolhera na vida.
É desta cidade que eu gosto. Desta cidade de colinas ao sabor romântico,
onde a única hipótese é sonhar das coisas belas. Cidade, em que o pobre é só
rico de céu azul e rio antigo. Cidade, em que o rico é pobre de céu azul e rio
antigo.
Cidade perfeita, cheia de limites em invisível arame farpado. Cidade
apoplética de sinos de Igreja e padres de olhos baixos. Cidade latente de pregões
de ardinas sub-alimentados. Cidade traduzida em música de cegos profissionais e
desafinados.
O seu desaparecimento esteve anunciado, os trabalhadores,
os velhos clientes, juntaram-se, a Câmara ajudou, e o que era uma ameaça do fim
de mais um café da cidade, não se concretizou.
O piano está à esquerda de quem entra e fica por esse
piso.
Numar Edições, Lisboa 1981
Deveria ter uns 60 anos de idade. O rosto magro, desenhado com vigor, o olhar
macio, o cabelo grisalho, descuidado. Levemente curvado, caminhava sem pressa
dentro de um comprido casaco cinzento usado de muitos anos. Subiu a escadaria e
entrou no amplo e luminoso «hall» cheio de gente. À sua frente espreguiçava-se
um longo balcão onde se alinhavam os «guichets» numerados e os cotovelos das
pessoas que esperavam a vez de serem atendidos. Dirigiu-se ao «guichet» mais
próximo: - Para recomeçar a vida, se faz favor…?
- «Guichet» número
um- foi a resposta do funcionário.
Colocou-se na
bicha e aguardou. Algum tempo depois, atingiu o balcão. Baixou o tronco e a
cabeça e disse ao funcionário que, do outro lado, da legalidade, se prontificou
para o ouvir: - Queria recomeçar a vida.
O homem
estendeu-lhe alguns impressos e uma pequena brochura, enquanto, displicente, ia
explicando com a voz arrastada:
- Terá de
preencher estes impressos. Deve justificar os motivos. É essencial. Este papel
é para as testemunhas. Só gente importante, claro. Sem testemunhas, nem vale a
pena cá voltar. Será bom que reconheça os seus direitos e deveres. Está tudo
neste livrinho. Quando voltar com isso preenchido dirige-se ao «guichet» número
dois. Depois espera uma primeira decisão, que lhe será comunicada no prazo
máximo de seis meses. Boa tarde.
A camioneta corre por estradas sinuosas como se o levasse a um lugar
distante que lhe pertencesse. Porque todos temos um lugar que julgamos pertencer-nos.
E, no entanto, somos nós que pertencemos aos lugares: às suas ruas ou casas,
nascentes ou árvores, largos, tanques, muros, sombras dos muros. É verdade que
uma paisagem é quase sempre o resultado do que fizemos dela: do modo como
desviámos ou represámos águas, arroteámos florestas, cortámos pedra e erguemos
paredes. Mas é a força dos lugares (mesmo depois do primeiro olhar de um homem
sobre as encostas e os vales, mesmo depois da primeira mão modeladora, mesmo
quando do que eram ficou um irreconhecível retrato) o que prevalece e se impõe
sobre a obstinação e a vontade, o esforço e a audácia de procurar afeiçoar a um
corpo o que vem de mais longe do que a mão e a ideia de construir uma casa e um
terraço virado aos dias de Verão.
Este texto é dedicado ao
meu Amigo João Pedro, que há cinquenta anos atrás, sempre que me queria “picar”
acerca do meu - mau, segundo ele… - gosto pela “Folk Music” me atirava à
cara a cantora índia canadiana Buffy Sainte-Marie. Não sei se ele alguma vez a
ouviu cantar, embora suspeite que não. Dar-lhe-ei, agora, uma nova oportunidade…
Nos tempos em que os
portugueses se pareciam preocupar muito com a Covid, lembro-me de ter lido no
“Público” uma reportagem acerca do desejo de abandonar as grandes cidades e ir
viver para o campo, que se teria instalado em muito boa gente.
Ar puro, produtos
naturais, vida mais barata, menos trânsito, menor “stress”, maior descanso e
muito mais tempo livre para cada um dedicar a si próprio é à Família…
Com as televisões por
cabo e a Internet, a ligação ao mundo dito “civilizado”, para quem quisesse ou
tivesse necessidade de o fazer, não seria problemática.
Estar-se-ia com um pé
num universo e o outro pé noutro completamente distinto, à medida dos desejos
de cada um.
Toda esta mistura
parecia ser suficientemente atrativa para alguns dos nossos compatriotas,
garantia o “Público”, que se deu ao trabalho de ir ao encontro de alguns deles.
Lembro-me que uns trocaram Lisboa por Portalegre, pelo simples facto de ter
pensado para com os meus botões que Portalegre seria um dos sítios onde,
certamente, nunca me apanhariam a viver…
Mas cada um sabe se
si e aqueles que deixaram as grandes cidades tinham, seguramente, boas
condições materiais para isso, porque não acredito que o tivessem feito apenas
à custa dos “magníficos apoios” atribuídos pelos sucessivos governos deste País
como incentivo à deslocalização para o interior.
Este sonho pelo campo
não é coisa dos tempos de hoje. É uma atração antiga e surge de forma
recorrente, à medida em que a evolução das Sociedades vai impondo maiores
constrangimentos à vida nas grandes cidades.
Agora é a Covid mas
antes já era o custo da habitação, o trânsito caótico, as dificuldades de
estacionamento, a proliferação de “tuk tuks” e turistas, e por aí
fora...
Na Literatura este
tema deu pano para mangas, pelo menos a partir de Rousseau e do seu mito do bom
selvagem, a que Henry Thoreau e tantos diversos autores do Romantismo deram
sequência.
Como tudo o que é
humano não é estranho à Folk Music, não é de admirar que, ao longo dos
tempos, há muito ela tenha deixado correr este tema por muitas das suas
canções.
Como não vos quero
maçar muito mais, deixo-vos aqui quatro exemplos, acompanhados das respetivas
“letras”.
A mais antiga data do
último quartil do Séc. XIX, mais propriamente do início da década de 1870, uma
vez que a sua data precisa parece ser muito duvidosa e John Lomax, no seu livro
“Folk Song USA” que já aqui citei por diversas vezes, até admita que ela possa
ser ainda mais antiga
Começou por se chamar
“My Western Home” e foi escrita, enquanto poema, por um tal Brewster M. Higley,
ao qual, mais tarde, um seu amigo (Daniel E. Kelley) haveria de acrescentar a
música.
Tendo fugido da
mulher (é Alan Lomax, no seu livro “Folksong USA”, quem o afirma…) e ocupado
terra no Kansas, ao obrigo das Leis federais que procuravam fomentar a ocupação
do interior dos Estados Unidos, Higley terá ficado extasiado com aquilo que os
seis olhos viam e a inspiração para o poema ter-lhe-á surgido, naturalmente.
Parece que a cabana onde se instalou ainda por lá está e é considerada
Monumento Nacional.
Como sempre sucede
com a Folk Music, a letra foi sofrendo pequenas alterações ao longo dos
tempos e esta música passou a ser conhecida como “Home on the Range”, tendo
sido publicada em papel pela primeira vez em 1925 em Santo António, no Texas,
por Oscar J. Fox.
Com o tempo,
tornar-se-ia uma das mais conhecidas cowboy songs da América, entrou em
muitos filmes e em 1947 foi designada como canção oficial do Estado do
Kansas.
Porque tinha de ser
um cowboy, das centenas de versões que existem escolhi a de Gene Autry,
gravada nos anos 40.
A letra é a seguinte:
HOME ON THE RANGE
“Oh, give me a
home, where the buffalo roam
Where the dear and the antelope play
Where seldom is heard, a discouragin' word
And the skies are not cloudy all day
Home, home on the range
Where the dear and the antelope play
Where seldom is heard, a discouragin' word
And the skies are not cloudy all day
How often at night, when the heavens are bright,
With the lights from the glitterin' stars,
Have I stood here amazed, and asked as I gazed
If their glory exceeds that of ours?
Home,home on the
range
…………………………….
Oh, give me a land, where the bright diamond sand
Flows leisurely down the stream
Where the graceful white swan goes gliding along
Like a maid in a heavenly dream
Then, I would not exchange my home on the range
Where the dear and the antelope play”
Fica este exemplo
icónico mais antigo e vejamos exemplos mais recentes.
A partir de meados
dos anos 60, com a marretada final dada por Bob Dylan naquela célebre noite de
25 de Julho de 1965 no Festival de Newport, a “Folkmania” então existente nos
Estados Unidos viria a perder gás, progressivamente.
Os bares Folk
de Greenwich Village não encerraram as suas portas de um momento para o
outro, mas deixaram de ter as enchentes do passado e trabalhar em Nova York
deixou de ser rentável para muitos folksingers dessa época, alguns deles
até sem grande paciência para a música “eletrificada” que começava a ser
adorada pelos mais jovens, sobretudo a partir da altura em que os Beatles
aterraram na América.
Muitos deles - que
nada tinham a ver com o ideário “hippie” - deixaram Nova York e instalaram-se
não muito longe, nas montanhas de Woodstock, para onde Bob Dylan também iria
uns tempos mais tarde, instalando-se, com os seus amigos da “The Band”, na
célebre “Pink House”.
Outros, mais
interessados em cavalgar essa nova onda da “Pop Music”, foram para a
Califórnia, que era o que estava a dar, e instalaram-se ao longo de Laurel
Canyon, talvez também com essa ilusão de que viviam no campo e desceriam à
cidade quando tivessem necessidade.
Não é, assim, de
estranhar que o tema “fuga para o campo” viesse a surgir, de forma mais ou
menos explícita, em muitas das canções desse tempo.
É o caso desta “Just
a Country Dream”, escrita em finais dos anos 60 por Eric Andersen, que também
viveu em Woodstock entre meados das décadas de 70 e de 80, antes de partir para
a Europa e se instalar na Noruega por uns tempos.
JUST A COUNTRY DREAM
“There was Bob on
the banjo and Dave on the old mandolin
And somebody cried
out oh won’t you play that again
Oh what a joy just
to hear that ole music again
Being close
by your friends
Just sittin’ there
talking and thinking bout the places we’ve been
Then someone
starts singing and strumming a sad melody
And the words tell
a story bout someone like you and like me
Livin lovin and a
highway where a man can be free
Goes so
easily
Just to remind us
how simple this old life could be
Like David and
Susan who decided to follow their dreams
About leaving the
city and going to the country it seems
Out to a valley
where the waters flow peacefully
Just a sweet
country dream
Where stars shine
so bright and the air always smells so sweet and so clean
Or bout Lou’s
restless just thinking about goin out west
Till the day that
he died his life was the family he lead
It’s been hard on
the kids but I hear that she’s doing her best
I venture this
guess
She’s living and
growing and learning like all of the rest
There was Bob on
the banjo and Dave on the old mandolin
And somebody cried
out oh won’t you please play that again
Oh what a joy just
to hear that ole music again
Those times with
your friends
Just sittin’ there
talking and thinking bout the places we’ve been”
A música que se segue
foi composta por John Prine com o nome “Spanish Pipe Dream”, e faz parte do seu
glorioso primeiro álbum, lançado em 1971. Mas eu ouvia-a, pela primeira vez, na
voz do John Denver e com outro título: “Blow Up Your TV”, que faz parte do
álbum “Aerie”, também de 1971.
Não me cansarei de
agradecer a John Denver e a Ian Mathews a maneira como eles me deram a conhecer
tantos e tão bons folksingers daqueles anos 60/70. Tal como sucedeu com
o Jerry Jeff Walker de texto recente, também só cheguei a John Prine por
intermédio de Denver e por isso seria mais que justificável pôr aqui a sua
versão. Mas o pobre Prine morreu há pouca mais de dois anos e eu nem uma
palavrinha lhe dediquei, embora tivesse chegado a pensar nisso. Assim sendo e a
título excecional, dar-vos-ei a ouvir ambas as versões.
Ouvindo a música e
lendo a sua “letra”, perceberão que a ironia de John Prine está a léguas do
lirismo de Eric Andersen…
SPANISH PIPE DREAM / BLOW-UP YOUR TV
“She was a
level-headed dancer
On the road to alcohol
And I was just a soldier on my way to Montreal
Well, she pressed her
chest against me
About the time the juke box broke
Yeah, she give me a peck
On the back of the neck
And these are the words she spoke
"Blow up your
TV
Throw away your paper
Go to the country
Build you a home
Plant a little garden
Eat a lot of peaches
Try an' find Jesus on your own"
Well, I sat there
at the table
And I acted real naive
For I knew that topless lady
Had something up her sleeve
Well, she danced
around the bar room
And she did the hoochie-coo
Yeah, she sang her song all night long
Tellin' me what to do
"Blow up your
TV
Throw away your paper
Go to the country
Build you a home
Plant a little garden
Eat a lot of peaches
Try an' find Jesus on your own"
Well, I was young
and hungry
And about to leave that place
When just as I was leavin'
Well, she looked me in the face
I said, "You
must know the answer"
She said, "No, but I'll give it a try"
And to this very day, we've been livin' our way
Here is the reason why
We blew up our TV
Threw away our paper
Went to the country
Built us a home
Had a lot of children
Fed 'em on peaches
They all found Jesus on their own”
O terceiro e último
exemplo será “I’m Gonna Be a Country Girl Again”, que a canadiana Buffy
Sainte-Marie compôs e que faz parte do seu álbum com o mesmo nome, lançado em
1968.
Quando se refere ao
campo, Buffy sabe bem do que fala porque nasceu na reserva índia de
Saskatchewan, no Canada (lembram-se do filme do Raoul Walsh…?) e, não obstante
ter vindo muito cedo para os Estados Unidos com os seus pais adotivos, casou
com um índio e sempre permaneceu ligada a essa comunidade durante toda a vida.
I’M GONNA BE A COUNTRY GIRL AGAIN
“The rain is
falling lightly on the buildings and the cars
I've said goodbye to city friends, department stores and bars
The lights of town are at my back, my heart is full of stars
And I'm gonna be a country girl again
Oh yes, I'm gonna
be a country girl again
With an old brown dog and a big front porch and rabbits in the pen
I tell you, all the lights on Broadway don't amount to an acre green
And I'm gonna be a country girl again
I spent some time
in study, oh, I've taken my degrees
And memorized my formula, my A's and B's and C's
But what I know came long ago and not from such as these
And I'm gonna be a country girl again
Oh yes, I'm gonna
be a country girl again
With an old brown dog and a big front porch and rabbits in the pen
I tell you, all the lights on Broadway don't amount to an acre green
And I'm gonna be a country girl again
I've wandered in
the hearts of men looking for the sign
But here I might learn happiness, I might learn peace of mind
The one who taught my lesson was the soft wind through the pines
I'm gonna be a country girl again
Oh yes, I'm gonna
be a country girl again
With an old brown dog and a big front porch and rabbits in the pen
I tell you, all the lights on Broadway don't amount to an acre green
And I'm gonna be a country girl again
Oh yes, I'm gonna
be a country girl again
With an old brown dog and a big front porch and rabbits in the pen
I tell you, all the lights on Broadway don't amount to an acre green
And I'm gonna be a country girl again”
And that’s all,
folks…!
Não vou maçar-vos com
mais comentários acerca destas músicas, já que elas falam perfeitamente por si.
Todas estas músicas
me parecem ser muito bonitas, mas já se sabe que eu só gosto de “músicas de
passarinhos”…!
(Não é, Querido
João…?)
Oiçam-nas ao mesmo
tempo que leem as “letras”, porque, se for caso disso, vos facilitará a compreensão.
Poucas canções nos
surgem tão coladas a um tempo e a um contexto histórico como “We’ll Meet
Again”, que os compositores ingleses Ross Parker e Hughie Charles escreveram em
1939 e Vera Lynn cantou em 1942 e voltaria a cantar no ano seguinte no filme
com o mesmo nome, realizado por Philip Brandon.
A sua letra é a
seguinte:
“We'll meet again,
Don't know where, don't know when,
But I know we'll meet again
Some sunny day.
Keep smiling through,
Just like you always do,
'Till the blue skies drive the dark clouds far away.
So will you please
say hello
To the folks that I know,
Tell them I won't be long.
They'll be happy to know
That as you saw me go,
I was singing this song
We'll meet again,
Don't know where,
Don't know when,
But I know we'll meet again,
Some sunny day.”
Numa Europa já
espezinhada pela barbárie nazi e numa Inglaterra que tinha acabado de
atravessar talvez os tempos mais dramáticos da sua História coletiva (o
“Blitz”), esta música era um grito de esperança em relação ao futuro. Não era
hora para grandes choros nem para profundas lamentações. Pelo contrário,
haveria que erguer a cabeça e continuar a lutar mantendo um sorriso no rosto, porque
as nuvens escuras passariam, o céu voltaria a ficar azul e, por muito tempo que
isso pudesse levar, aqueles que agora partiam para a Guerra iriam regressar e
todos se encontrariam juntos, de novo, num radioso dia de Sol.
Não foram só os
discursos de Churchill… Não foi, apenas, com o sangue, o suor e as lágrimas…
Coisas como esta também contribuíram - e muito… - para forjar a resistência de
toda uma nação.
Refiro-me mais à
canção do que ao filme, claro está, porque este é muito pobrezinho e quase só
existe para se aproveitar dela, embora se revista de um inequívoco interesse
histórico.
No filme - muito
pouco visto por estas bandas - Vera Lynn é Peggy, uma jovem bailarina
que, numa noite em que os espectadores do teatro onde trabalha são obrigados
permanecer no interior das instalações para se protegerem do “blitz”, é levada
a cantar para os entreter, e, embora o faça a contragosto, demonstra tal
qualidade que, passado pouco tempo, a veremos já como grande vedeta da
BBC a cantar para as tropas do seu país.
Todas as canções do
filme seguem a mesma linha temática de “We’ll Meet Again”.
“After de Rain”, que
é uma das mais repetidas, já se percebe no que irá dar… Depois da chuva
surgirá, certamente, um céu azul e um sol radioso…
“Sincerely Yours” é a
explicitação da devoção de Vera Lynn aos soldados e ao esforço de guerra. Por
si só, é todo um programa:
“When life seems a
dull December
And you need
sympathy
A smile and a kind
word or two will always help you through
And so I promise
you
I’m yours
sincerely
I want you to know
I’m really forever sincerely yours
Should cares
betide you
You know I’ll be
there beside you
Forever sincerely
yours
If you need a
someone
To help you along
with a smile and a song
I’m your sincerely
Whatever befalls
I’m really forever
sincerely yours”
E até uma pequena
canção de embalar se transforma, no filme, num hino à esperança.
O filme termina com a
cena que vos mostro, onde se vê já não Peggy, mas claramente Vera Lynn a
cantar “We’ll Meet Again”para uma imensidão de soldados da RAF.
E foi isto que, na
realidade, Vera Lynn fez durante os anos que se seguiram, como também já o
havia feito antes. Cantou para os soldados ingleses um pouco por todo o Mundo,
em África, na Ásia, na Oceânia... Ficaria, para sempre, nos corações de gerações
e gerações de ingleses, sobretudo os veteranos da guerra (por isso lhe chamavam
“Forces Sweetheart”…) e viria a receber as mais altas condecorações atribuídas
a cidadãos britânicos.
A 18 de Junho, dois anos que faleceu, com a bonita idade de 103 anos, não
sem que antes lhe tenha sido concedida uma nova e significativa honraria: ter
sido eleita, no ano 2000, a cidadã britânica que melhor encarnou o espírito do
Séc. XX.
Em 1979 os Pink Floyd
evocaram-na no duplo álbum “The Wall” com uma curta canção (chamemos-lhe
assim…) chamada “Vera”, que surge imediatamente colada a outra que se chama,
apropriadamente, “Bring the Boys Back Home”, naquela que é uma evocação desses
tempos de Guerra por parte de Pink, que parece ser um alter-ego de Roger Waters
nesse concept album. Não lhe acho muita graça e só o refiro aqui a
título de curiosidade, para que se perceba a que ponto chegou a importância de
Vera Lynn no imaginário coletivo dos ingleses.
Mas curiosidades é
coisa que não falta em torno de “We’ll Meet Again”…
Oitenta anos mais
tarde esta canção seria de novo evocada em Inglaterra pela própria
Rainha, numa clara mensagem de esperança, a propósito da
necessidade de toda a Nação se unir para superar um novo e assustador perigo
coletivo: a Covid...
Muitos anos antes, no
auge da Guerra Fria, parece que esta terá sido uma das gravações que a BBC
guardou a sete chaves em subterrâneos para que pudesse, posteriormente, voltar
a insuflar ânimo àquela parte da população que viesse a sobreviver a um ataque
nuclear…
E talvez até tenha
sido por ter ouvido falar nisso que, em pleno rescaldo da Crise dos Mísseis de
1962, Stanley Kubrick, que nunca foi muito de ver o Mundo a cor-de-rosa,
utilizou esta mesma canção para simbolizar, já não a esperança, mas o medo de
um conflito nuclear, que é, precisamente e por muito que não queiramos nisso
acreditar, o que paira no nosso horizonte nos dias de hoje.
Com efeito, foi
“We’ll Meet Again” a canção que ele escolheu para concluir o seu “Dr.
Strangelove”, de 1964, enquanto no ecrã passam as imagens de um desastre
nuclear. Não poderia haver maior ironia e maior contraste…
Em 1965, em pleno
início da Guerra do Vietname, também os Byrds recorreram a esta música, numa
das mais estranhas e intrigantes opções de todo o seu vasto repertório,
transformando-a, com as suas rajadas de guitarras elétricas, num sucesso
do Pop/Rock. De novo o medo da guerra e a esperança em dias melhores, ou mera
reação oportunista ao filme do Kubrick do ano anterior…?
Quem também a
interpretou, na última sessão de gravações que fez pouco tempo antes de
falecer, foi Johnny Cash.
Mas aí tenho a
certeza de que ele não estava a pensar em soldados e na guerra, nem, tão pouco,
em qualquer possível desastre nuclear.
O velho e católico
Johnny Cash não poderia adivinhar que a sua muito amada mulher, June, lhe iria
desaparecer poucos meses depois e que ele próprio poucos tempo mais lhe iria
sobreviver. Mas quando pediu aos membros da sua Família para se juntarem a ele
na gravação dessa canção, aposto que estaria a pensar que seriam eles e, acima
de tudo, a sua querida June, quem ele tinha a certeza de que iria voltar a
encontrar nesse tal dia de céu azul e de muito Sol.
Como é que eu
sei…?
Porque ele se descaiu
e, na parte final declamada, diz: “So Honey keep smilin’thou just like
you always do…”. Esse “Honey” não existe em lado nenhum na letra da música nem
em nenhuma das muitas versões que conheço. Foi ele que o introduziu,
deliberadamente… Porque é para June que está a fala, nessa derradeira e pública
declaração de Amor…
Camus e Sartre nunca
se entenderam, nunca se compreenderam.
Os horizontes de
Camus viviam das paisagens áridas, das gentes da Algéria, nunca dos cafés de Paris onde se
discutiam algo que estava muito longe do mundo de Camus.
«Sei o que é o domingo para um homem pobre que
trabalha. Sei sobretudo o que é o domingo à noite e se eu pudesse dar um
sentido e uma figura ao que sei, poderia fazer de um domingo pobre uma obra de
humanidade», escreve Camus nos
seus Cadernos
Sartre numa
carta a Camus:
«Nossa amizade não era fácil, lamento-o. Se hoje é
quebrada, certamente é porque isso teria que acontecer. Muitas coisas nos
aproximaram, poucas nos separaram. Mas esse pouco é muito: a amizade, ela
também, tem tendência para ser totalitária; o acordo sobre tudo é necessário, e
as mesmas indeterminações tornam-nos militantes de partidos imaginários.»
Parece fácil
perceber porque Albert Camus me interessou mais que Jean-Paul Sartre.
Num estudo que vem em
O Mito de Sísifo, escreve Liselotte
Richter:
«Para Camus não há transcendência. Também a liberdade é absurda. A
liberdade de existir não existe. Existe a morte para acabar com tudo. Depois
dela nada existe. Não há amanhã. Todos os objectivos burgueses são ilusão e
preconceitos.»
Provavelmente nunca se descobrirá a identidade de um passageiro que
deixou o jornal da tarde, em certo táxi londrino, num soturno dia de Setembro:
só passou por este mundo uma vez e é possível que, durante a sua permanência,
não tenha feito mais nada capaz de afectar de qualquer modo a posteridade. O
que importa é que o jornal ainda se encontrava no banco do táxi quando Simon
Templar o mandou parar na Jermyn Street, nas traseiras de Fortnum & Mason’s,
em cujo epicurista supermercado acabava de concluir uma transacção relacionada
com vários milhares de ovas de esturjão. Portanto o referido jornal tem o
direito de ser considerado o ponto de partida desta aventura.
Fui ler a entrevista coletiva que a presidente da Comissão Europeia deu
a vários órgãos de comunicação social.
Logo na terceira frase, reproduzida pelo jornal Público, a senhora
dispara esta pérola: "Tem de haver apoio militar (à Ucrânia) e estamos a
fazer a nossa parte com cerca de 2000 milhões de euros canalizados pelo
Mecanismo de Apoio à Paz".
A análise a esta frase de Ursula von der Leyen suscita-me algumas
questões e permite-me retirar várias informações e ilações curiosas:
1 - A União Europeia tem um sistema de apoio às guerras que,
hipocritamente, se chama de "apoio à paz".
Que belo conceito de paz tem Ursula von Der Leyen!
2 - A União Europeia, segundo esta declaração, já gastou com a Ucrânia
dois mil milhões de euros em armas, a que se acrescentam as quantias que cada
país europeu gasta por iniciativa própria... e os Estados Unidos, e a
Inglaterra, e sei lá que mais!
3 - O ano passado o texto da Decisão do Conselho Europeu 2021/509, de
22 de março de 2021, dizia que este "Mecanismo de Apoio à Paz" só
podia gastar 540 milhões de euros durante 2022. O valor apontado por Ursula von
der Leyen é 3,7 vezes superior e resulta de uma sequência de decisões do
Conselho Europeu tomadas entre 28 de fevereiro e 23 de maio, após a invasão
russa.
4 - Para além da compra de armas para a Ucrânia, este "Mecanismo
de Apoio à Paz" anda a financiar operações nos Balcãs, no Corno de África,
na Somália, no Mali, na República Centro-Africana, na Líbia e em Moçambique. Em
algumas destas operações há militares portugueses envolvidos.
5 - Na Líbia, como denunciou recentemente uma reportagem da revista New
Yorker, para além de outras tarefas, este "Mecanismo de Apoio à Paz"
serve também para impedir indiretamente a entrada de imigrantes na Europa, que
acabam por ser levados para prisões em condições miseráveis na Líbia, sujeitos
ao arbítrio de guardas violentos, corruptos e de traficantes de escravos.
Que belo conceito de direitos humanos tem Ursula von Der Leyen!
6 - O demérito da operação na Líbia (onde ocorre, na realidade, um
crime contra a humanidade, ao nível dos crimes de guerra que estão a ser
perpetrados na Ucrânia e do qual a União Europeia é, pelo menos, cúmplice por
omissão) não invalida o eventual mérito das outras missões... Vou ser caridoso
e admitir que sim.
7 - Com este dinheiro para armar a Ucrânia, retirado ao "Mecanismo
para a Paz", há uma questão para a qual não encontrei resposta: se esta
verba é diminuída ao valor total deste fundo (até 2027 podia gastar-se, em
fatias repartidas ano a ano, um total de 5,7 mil milhões de euros), não vai
faltar dinheiro para as outras missões?
8 - Em alternativa à pergunta anterior, surge-me esta: se os dois mil
milhões são adicionados ao dinheiro que já existia no fundo, de onde é que vem
essa nova quantia?
Que bela informação aos cidadãos europeus presta Ursula von der Leyen!
9 - Já agora, gostaria também de saber que parte dos meus impostos está
a ser usado para comprar armas para a guerra na Ucrânia e, como o dinheiro é
finito, em que áreas os meus impostos deixaram de ser usados para a Ucrânia
poder ter estas armas?
Que belo conceito de transparência política tem Ursula von Der Leyen!
10 - Admitindo que é boa ideia dar armas ao governo de Zelensky (quem
quiser discutir isto, hoje em dia, é logo cuspido e estou farto de ter de lavar
a cara), gostava de saber, pelo menos, o seguinte: a quem se compram essas
armas? Quem as fabrica? Que tipo de armas são? São armas novas ou em segunda
mão? Há algum controlo para impedir a sua utilização contra civis? A informação
que há sobre isto está dispersa e é contraditória.
Que belos negócios estão a passar-se sob o olhar de Ursula von der
Leyen!
Mais à frente, nessa entrevista, a presidente da Comissão Europeia tem
outra saída, brilhante, sobre os critérios para admitir a Ucrânia na União: o
país, diz ela, "tem uma democracia parlamentar funcional".
Sim, realmente a Ucrânia tem um Parlamento que talvez funcione, pelo
menos vão lá umas pessoas de vez em quando. Mas não tem lá, por exemplo, o nome
do partido "Plataforma da Oposição - Pela Vida", que tinha eleito 47
deputados e acabou de ser proibido. É um entre onze, todos acusados de serem
pró-russos, o que observadores independentes, em relação a grande parte deles,
contestam.
Por acaso os partidos proibidos são é todos partidos eurocéticos, o que
deve deixar Von der Leyen a sorrir com tão bom funcionamento institucional na
Ucrânia. Tão bom, tão bom que, aliás, já em 2014, antes desta guerra, proibira
todos os partidos comunistas!...
Que belo conceito de democracia tem Ursula von der Leyen!
Sou um velhoapreciador de correspondência entre
escritores.
Acresce que em tempos
idos, enquanto subia/descia o Chiado, fiz parte daqueles a quem o Pacheco
esticava um livreco e dizia: «Dá cá vintes!»
Mais tarde entrei na
longa lista de assinantes da Contraponto para bebeficiar do envio das edições
de livros que o Pacheco fazia e que não chegavam às livrarias.
Se tiverem paciência para isso, vejam nas etiquetas deste blogue: «Luiz Pacheco» e «Luiz Pacheco Editor», as minhas aventuras com a pachecal figura.
Num velho artigo no
suplemento Ipsilon do Público, Luís Miguel Queirós conta quem é Laureano Barros:
«Grande bibliófilo,
matemático e intelectual anti-fascista Laureano Barros (1921-2008), que
reuniu na sua quinta da Fonte da Cova uma das mais extraordinárias bibliotecas
privadas portuguesas da segunda metade do século XX.
Quem frequentou os velhos alfarrabistas do
Porto, alguns ainda em actividade, sabe que se referiam sempre a Laureano
Barros com um respeito muito próximo da veneração. E não apenas por ser um
proveitoso cliente, mas porque lhe reconheciam um vastíssimo saber na sua
própria área de especialidade, consultando-o a pretexto de dúvidas
bibliográficas, ou pedindo-lhe até que lhes recomendasse o preço adequado a
pagar por qualquer raridade que lhes era proposta. E admiravam-lhe também essa
intransigente rectidão moral que, logo aos 26 anos, em 1947, o lançou no
desemprego. Assistente de Ruy Luís Gomes, na Faculdade de Ciências da Universidade
do Porto, protestou contra a prisão de uma aluna pela PIDE, o que bastou para
ser impedido de leccionar no ensino público. Viveu os 20 anos seguintes a dar
explicações, com alguma contribuição paterna a arredondar os proventos, já
então maioritariamente investidos na aquisição de livros.
A sua biblioteca,
leiloada após a sua morte pela Livraria Manuel Ferreira, era tão extensa e tão
valiosa que foi preciso organizar um leilão em três partes, com meses de
intervalo entre elas. Laureano Barros era um coleccionador exaustivo de
Pessoa ou Sá-Carneiro, mas também, por exemplo, de Eugénio de Andrade,
Luiz Pacheco ou Herberto Helder. E este seu particular interesse pela
literatura portuguesa do século XX convivia com outras predilecções, entre as
quais se contava a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, da qual conseguiu
reunir todas as dez primeiras edições.
É claro que é preciso
algum dinheiro para construir uma biblioteca deste nível, e Laureano Barros
tinha até reputação de manter alguns hábitos não apenas dispendiosos, mas um
pouco excêntricos, como o de levar regularmente os trabalhadores da quinta a
almoçar ao reputado restaurante do Hotel do Elevador, no Bom Jesus de Braga.
Mas o coleccionador também teve períodos difíceis. Num dos mais interessantes
testemunhos recolhidos por Paulo Pinto no seu filme, o histórico livreiro da
Académica, Nuno Canavez, então ainda empregado do fundador da casa, Joaquim
Guedes da Silva, recorda que Laureano Barros recorreu a dada altura ao seu
patrão para vender a biblioteca que por essa altura já reunira. O livreiro
ainda tentou, em vão, emprestar-lhe dinheiro, mas acabou mesmo por lhe comprar
a colecção. Ou seja, a biblioteca que veio a ser leiloada era já a
segunda.»
O matemático
bibliófilo foi também amigo e correspondente de vários escritores, incluindo
Luiz Pacheco ou Eugénio de Andrade, que passava temporadas regulares na quinta
da Fonte da Cova. Em Laureano Barros, Rigoroso Refúgio vê-se o exemplar que o
poeta ofereceu ao amigo do seu raríssimo (e rejeitadíssimo) livro de estreia,
Narciso (1940). No final do volume, Eugénio escreve: “Reli isto, Laureano. Que
horror! Para que diabo quer você esta porcaria?”. Quando a biblioteca foi
leiloada, este mesmo exemplar foi arrematado por quatro mil euros.
Pena que«O Grilo na Varanda» não reúna a parte da
correspondência que Laureano Barros enviava a Luiz Pacheco«escritor até aos ossos» tal como o descreve
João Pedro George:
E, no entanto, apesar
das óbvias diferenças, a correspondência revela a consideração de Pacheco por
Laureano Barros, uma estima que se pressupõe mútua. “Pressupõe”, porque as
cartas aqui apresentadas são apenas as que Pacheco escreveu a Laureano; e nem
mesmo essas são todas as que haverá, como adverte JPG. As cartas que acabam de
ser editadas foram arrematadas no leilão portuense, e foi apenas a essas que
JPG teve acesso.
A aproximação entre
ambos deu-se pela bibliofilia de Laureano, que contactou Pacheco em busca de
espécimes bibliográficos da Contraponto e de Pacheco. Muita da correspondência
que se seguiu, ao longo de 35 anos, versaria, naturalmente, sobre edições
levadas a cabo por Luiz Pacheco. Mecenas tão discreto quanto fiável, Laureano
financia empreitadas editoriais e salva bastas vezes Pacheco dos seus
infindáveis padecimentos de saúde, da falta de fundos e de todo um sortido
crescente de tribulações: com a justiça, com credores, com a vida que lhe ia
acontecendo.»
Transcrição, Introdução
e Notas: João Pedro George
Capa: V. Tavares
Edições Tinta da
China, Lisboa Junho de 2017
Cadeia Civil das Caldas da Raínha, 8/6/67
Prezado Amigo
Depois de um período de lutas e depressões, alguma bem desagradáveis,
paraece que lhe possodar hoje duas boas
notícias: o meu livro está imprimir (duas tiragens: 300 a 50$00; esgotada –
optimismo meu – esta, 1500 a 20$00); e talvez consiga sair afiançado por meio
de caução bancária – mas só mesmo saindo estas portas me acredito. E se a sorte
ma ajudar, saio antes do dia 27, em que terei marcada audiência no Plenário da
Boa-Hora, processo do Sade.
Quanto aos Textos Locais, tenho desde 1966 reservados dois exemplares
para o Sr. Dr., os números, respectivamente, 70 e 71. Ora se se confirma a
hipótese de o Sr. Dr. me poder colocar aí alguns exemplares, pedia-lhe duas
finezas:
1 – se me informava, com a possível urgência, quantos exemplares pensa
poder colocar e de qual tiragem, se da especial, se da comum, convindo-me, como
atrás digo despachar a especial primeiro (depois quem lhe pega?)
2 – se poderia abonar-me, também com a possível urgência, algum
dinheiro sobre esta venda. Terei de pagar emolumentos de Justiça (recurso para
a Relação; imposto de fiança ou não sei que mais) e todo o dinheiro é pouco.
Desculpe-me incomodá-lo com todas estas lamentações.
Esta fotografia
regista a sessão de autógrafos, no dia 17 de Maio de 1967, na Livraria Divulgação, na Estefânia, hoje
é uma sucursal bancária, salvo erro da Caixa Geral de Depósitos. Rapidamente
esgotaram os exemplares que a editora disponibilizou para a livraria, mas
Evtuchengo continuou a autografar tudo o que lhe puseram à frente, e segundo os
jornais, até um Dicionário de Russo Português.
No meio daquela gente
feliz, está ali um estranho com óculos escuros.
Trata-se de um pide.
Os pides, como habitualmente,
seriam tantos como os caçadores de autógrafos.
Sei que é um pide
pelos óculos escuros, imagem de marca daquela estuporada gente.
Sei do que falo
porque o terrível pide Seixas vivia na mesma rua dos meus pais.
E andava sempre de
olhos escuros.
Evtuchenko oferece ao
um sorridente guarda da P.S.P., destacado para manter a ordem, durante a
sessão, um exemplar autografado da sua Autobiografia
Prematura.
Que terá acontecido
àquele livro?
Terá sido lido pelo
guarda, ou quando chegou à esquadra, o chefe lho terá retirado e seguiu para o
caixote do lixo, ou para biblioteca da esquadra?
Ou o guarda foi
sujeito a um qualquer processo disciplinar por ter aceite um livro de um russo?