Gosta de crónicas.
Já por aqui tem falado das crónicas que Ana Cristina
Leonardo publica às sextas-feiras no Público crónicas que o ajudam no meio medo dos
dias que correm, crónicas que falam das notícias do mundo lá de fora, do mundo cá
de dentro, do monte onde Ana Cristina vive.
A de hoje fala-nos das primeiras andorinhas que regressam
cheias de pressa, dos campos que se vão enchendo de lírios que merecem ser
olhados com olhos de ver, como dizia o poeta mas, acima de tudo, da sua entrada
no café em busca da cafeína que lhe abrirá os sentidos:
«As mulheres, como é hábito, mostram-se mais inteligentes e
resistentes, resultado de séculos e séculos de aprendizagem de sobrevivência.
Contrariando
a ideia comum de que a metafísica é um saber reservado aos homens – dos tempos
gregos antigos apenas nos restou, e quase nada de certo, Aspásia, estando
Simone de Beauvoir com a razão quando escreveu n’O Segundo Sexo que “toda a história das mulheres foi feita
por homens” – fui há dias surpreendentemente interpelada, sem preliminares,
pelas mulheres reunidas no interior do café do monte – os homens num grupo
separado no exterior ao sol.
Diga-nos,
disseram-me elas, acredita que os mortos voltam à vida? Sem cafeína ainda que
me carburasse o cérebro, hesitei na resposta, até porque algumas das presentes
eram, além de crentes, viúvas, e quem sou eu para desesperançar quem quer que
seja?
Lembrei-me do diálogo de Platão sobre a imortalidade da alma – cuja leitura obsessiva há anos me comprovaria a genialidade de Sócrates –, mas, sem o Fédon ali à mão, decidi que improvisaria. Antes que pudesse dizer palavra, a mais crente das presentes antecipou-se: “Eu sou católica, acredito em tudo, na Nossa Senhora, em tudo, mas não me venham cá dizer que os mortos voltam à vida”, e, demonstrando um empirismo de fazer inveja a Francis Bacon, acrescentou: “Das portas do Céu, ainda ninguém mostrou a chave”. »
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