sexta-feira, 17 de março de 2023

O REGRESSO DAS ANDORINHAS, DOS LÍRIOS...

Gosta de crónicas.

Já por aqui tem falado das crónicas que Ana Cristina Leonardo publica às sextas-feiras no Público crónicas que o ajudam no meio medo dos dias que correm, crónicas que falam das notícias do mundo lá de fora, do mundo cá de dentro, do monte onde Ana Cristina vive.

A de hoje fala-nos das primeiras andorinhas que regressam cheias de pressa, dos campos que se vão enchendo de lírios que merecem ser olhados com olhos de ver, como dizia o poeta mas, acima de tudo, da sua entrada no café em busca da cafeína que lhe abrirá os sentidos:   

«As mulheres, como é hábito, mostram-se mais inteligentes e resistentes, resultado de séculos e séculos de aprendizagem de sobrevivência.

Contrariando a ideia comum de que a metafísica é um saber reservado aos homens – dos tempos gregos antigos apenas nos restou, e quase nada de certo, Aspásia, estando Simone de Beauvoir com a razão quando escreveu n’O Segundo Sexo que “toda a história das mulheres foi feita por homens” – fui há dias surpreendentemente interpelada, sem preliminares, pelas mulheres reunidas no interior do café do monte – os homens num grupo separado no exterior ao sol.

Diga-nos, disseram-me elas, acredita que os mortos voltam à vida? Sem cafeína ainda que me carburasse o cérebro, hesitei na resposta, até porque algumas das presentes eram, além de crentes, viúvas, e quem sou eu para desesperançar quem quer que seja?

Lembrei-me do diálogo de Platão sobre a imortalidade da alma – cuja leitura obsessiva há anos me comprovaria a genialidade de Sócrates –, mas, sem o Fédon ali à mão, decidi que improvisaria. Antes que pudesse dizer palavra, a mais crente das presentes antecipou-se: “Eu sou católica, acredito em tudo, na Nossa Senhora, em tudo, mas não me venham cá dizer que os mortos voltam à vida”, e, demonstrando um empirismo de fazer inveja a Francis Bacon, acrescentou: “Das portas do Céu, ainda ninguém mostrou a chave”. »

Sem comentários: